Autoria: Margarida Almeida (MEBiol), Sofia Calado (MEEC)
O que está por detrás do sucesso académico? O Diferencial entrevistou 10 dos 20 alunos do Instituto Superior Técnico (IST) cujo desempenho académico foi reconhecido pela Universidade de Lisboa com Bolsas de Mérito no ano letivo de 2022-2023, para tentar determinar quais os fatores que influenciam a excelência académica.
Perfil Geral
De um modo geral, o contexto da maioria das pessoas com quem o Diferencial falou sofreu poucas alterações do Ensino Secundário para a Faculdade. 70% dos entrevistados eram naturais de concelhos do distrito de Lisboa, ainda viviam com os pais e não se tinham de preocupar com as logísticas da casa. A maioria vivia até cerca de 30 minutos do Técnico, a pé ou de transportes, e alguns revelaram ter facilitadores no transporte, como ter carro ou ter boleias frequentes.
Quando pedidos para descrever o seu contexto sócio-económico, recebemos descrições muito heterogéneas: famílias monoparentais e famílias mais tradicionais, filhos de pais com o ensino superior e sem o ensino superior, entrevistados que se dizem classe média-baixa e classe média-alta.
É importante ressalvar que a maioria dos entrevistados eram do sexo masculino. Dos 20 alunos do IST a quem foram atribuídas as Bolsas de Mérito da Universidade de Lisboa referentes ao aproveitamento durante o ano letivo 2022-2023, somente 4 eram do sexo feminino. Atualmente, segundo dados do Núcleo de Estatística e Prospetiva (NEP) do IST, apenas 29% das matrículas são de alunas.
Entrevistámos alunos de vários cursos, inclusive dos cursos com as médias de entrada mais altas, como Aeroespacial, Física e Matemática. O Regulamento para atribuição de Bolsas de Mérito a alunos do IST estipula os critérios para atribuição destas bolsas, pelo que existem vários cursos de Licenciatura e Mestrado que não constam na lista por não terem alunos que cumpram estes critérios.
Paixão ou Método?
Dos 10 entrevistados, 5 tiveram uma média acima de 19. Durante os anos letivos de 2021-2022 e 2022-2023, anos para os quais o Conselho Pedagógico já lançou os dados referentes às Bolsas de Mérito desde a implementação do MEPP, os alunos de mérito de Mestrado tinham médias cerca de 4% mais altas que os de Licenciatura.
A maior parte dos entrevistados estão atualmente em Mestrado ou com o Mestrado concluído. Foram frequentes associações entre uma maior especialização dos estudos nas áreas de interesse dos entrevistados e um maior sucesso académico, e a maioria dos entrevistados citou o gosto pela sua área de estudos como um fator importante para o seu sucesso. No entanto, entre gosto pelos temas estudados e o método de trabalho, o segundo parece ter uma maior influência na excelência académica para os entrevistados.
Um aluno de mérito explicou-nos: “Para ter boas notas, nem sempre precisas de saber as coisas assim tão bem. Tens de fazer os exames antigos e as séries de problemas. Já fiz isso para cadeiras com que não me importava e de que não gostava tanto. As notas avaliam «o ser bom a fazer testes»”.
Um outro entrevistado explicou que conseguiu atingir notas de 18 enquanto estava noutra licenciatura, noutra faculdade antes de perceber qual era realmente a sua área de interesse e se ter mudado para uma licenciatura do Técnico nessa área. E afirmou que considerava “o trabalho” o principal ingrediente do seu sucesso.
Um outro estudante confidenciou ainda estar em dúvida se realmente tem gosto pela sua área: “Já não vou trocar mais [de curso] e como também as coisas me foram correndo bem [escolhi continuar]…”
No entanto, a importância de haver uma paixão pelo que se está a estudar, enquanto fonte de motivação, foi sublinhada várias vezes: “É essencial gostares do que estás a fazer: ir constantemente contra a maré é muito difícil, é preciso ver uma razão no que estamos a aprender, porque as cadeiras exigem muita organização e força de vontade”.
Fica mesmo o conselho: “Sendo sincero, uma coisa fundamental é estares a fazer algo de que gostas. Isto não quer dizer que vais adorar todas as cadeiras, mas tens de gostar do que fazes, e eu gostava genuinamente do curso em si e, por isso, ficava mais tempo a fazer projetos, ou a estudar. Se não gostares do curso, troca. Mais vale 3 anos perdidos do que uma vida a fazer o que não gostas”.
O Método
Apesar de admitirem que nem todas as aulas são produtivas, 9 dos 10 entrevistados afirmaram ter uma boa assiduidade e salientaram a importância de ir assistir às aulas. As razões para essa importância é que variaram.
Desde observações sobre como as aulas facilitam o processo de compreensão dos conteúdos e ajudam no processo de memorização dos mesmos: “Eu privilegio muito a parte teórica, […] pego nos slides, no que quer que seja que o professor utiliza em aula, e à medida que o professor vai em aula correndo a matéria, eu vou fazendo anotações de frases-chave. […] E assim eu consigo relembrar a aula e sei ao que [o professor] se estava a referir. ”
Sobre como são uma oportunidade de esclarecimento de dúvidas: “Gosto de fazer perguntas nas aulas teóricas e ir às aulas de dúvidas. Não devemos ter vergonha de perguntar quando não entendemos. Ninguém nos obriga a estar cá, os professores são ferramentas para nos ajudar a aprender.”
Ou até como são uma via de adquirir informação privilegiada: “Grande parte das coisas que os professores dizem nas aulas, e que não estão nos slides nem estão nos exercícios, saem muitas vezes em exame.”
Fora o óbvio: “Não me apetece ter de chegar a casa para ir aprender exatamente o que se esteve a dar na aula. Já que eles estão lá, eu aproveito isso. […] Em casa, a aprender sozinho vou demorar mais, vou acabar por ficar com dúvidas. Eu aproveito, estou lá, faço perguntas. […] Há sempre aquelas aulas que são difíceis de acompanhar, os professores são uma seca ou confusos, mas eu tento fazer um esforço.”
Vários entrevistados compararam-se aos seus colegas dizendo que são mais participativos e conseguem manter-se concentrados mais tempo. Além disso, demonstraram também terem hábitos de estudo muito regulares, de modo a que no fim da semana tenham uma noção clara dos conteúdos de cada cadeira para “não deixarem as coisas acumular.”
As formas de organização também variam. Desde abordagens mais livres, a mais estruturadas: “Eu costumo fazer uma lista de todos os exercícios que há para fazer e depois vou fazendo check. […] Porque se eu não estiver atento a tudo o que posso fazer, eu penso que não tenho nada para estudar” e “A chave é a organização: se sei que a uma certa hora não vou conseguir estudar, vou organizar-me antes disso. O que é mais importante é termos um sistema próprio, temos de ter um autoconhecimento daquilo que funciona connosco.”
Várias pessoas também comentaram não estudar sempre em silêncio mas com música, com sons ambientes como “ventinhos”, com lareiras na forma de vídeo ou com a televisão ligada.
E a Perspetiva Feminina?
Entrevistámos duas alunas de mérito, ambas de Licenciatura que já traziam desde o ensino básico e secundário práticas de estudo bastante definidas, assim como excelentes resultados académicos, tendo uma revelado que “A certa altura já fazia parte da minha identidade ter boas notas, […] como tive a tendência de começar desde cedo a procurar um método de estudo adequado já tive muitas tentativas para errar e descobrir o que funciona e não funciona comigo.”
O mesmo não se verificou no masculino, onde mais de metade dos entrevistados mencionaram ter sido bons alunos no Secundário, mas não necessariamente os melhores, mencionando que as suas notas foram subindo ao longo dos anos.
O melhor da turma?
Numa outra nota, destacam-se as dificuldades que os vários entrevistados tiveram ao longo do seu percurso académico, alguns desde muito novos, que não são frequentemente associadas a um aluno de excelência. A título de exemplo, um dos entrevistados, apesar de ter tido média de 20.0 no Secundário, afirmou ter ultrapassado dificuldades como dislexia e impedimentos de fala.
“Atribuo muito o meu sucesso académico às dificuldades que tive, quando era criança. A português, eu não conseguia perceber uma única metáfora ou expressão portuguesa, porque eu não conseguia analisar as coisas de uma forma não literal, por exemplo. Tive muitas dificuldades na aprendizagem quando era criança. E eu acho que isso, de certa forma, salvou-me do que muitas vezes é o destino de muitas gifted children. A escola não os estimula, fazem a escola sem terem muito que estudar, sem terem muito que trabalhar e depois chegam, eventualmente, a uma fase em que isso já não é suficiente, em que é preciso estudar. Só que não desenvolveram o que é necessário para ter esse tipo de organização e de capacidade de estudo. E por causa disso, depois acabam por falhar e têm notas que nunca tiveram antes. […] Nunca me aconteceu por causa disso, porque eu, desde criança, fui obrigado até a estudar mais e a trabalhar mais, porque eu não conseguia fazer as coisas que as outras crianças vinham naturalmente.”
“Eu nunca fui oficialmente marcado como disléxico apesar de o ser. Foi escolha da minha mãe, porque […] sim, eu tenho dislexia, tenho dificuldade nesta área mas tenho facilidade noutras. Toda a gente tem dificuldades e facilidades.”
Existe vida além da Faculdade?
Frequentemente, sim. Existe vida social, vida amorosa e outras atividades. Alguns entrevistados comentaram fazer parte de núcleos científicos, praticar desporto regularmente, participar em competições ou até mesmo trabalhar em part-time.
Um dos entrevistados raciocinou que uma pessoa que terá à partida mais facilidade em gerir a carga de trabalho associada com a faculdade e que obtém bons resultados irá ter mais do seu tempo disponível para se focar em outros aspetos da vida: “Se me disserem que uma pessoa que tem muitas dificuldades em estar no Técnico e precisa de despender muito do seu tempo para atingir resultados não tão bons, percebo que possam ser mais prejudicados a nível social […], não vai ter namorada, não vai fazer atividades.”
Um outro entrevistado esclarece a importância de existirem várias dimensões que valoriza na sua vida: “Os estudos não são a única prioridade na minha vida, é uma de várias: o que me ajuda a ter boas notas é ter uma diversidade de coisas na minha vida que me ajudam a sentir-me bem psicologicamente”.
Sobre o MEPP
A maioria dos entrevistados não revelaram preferência pelo MEPP em comparação com o método antigo, até porque apenas 40% dos entrevistados experienciaram ambos modelos. Porém, todos refletiram sobre se sentirem mais compelidos a realizar um estudo regular devido à quantidade de avaliações contínuas semanais. Um colega afirmou mesmo: “Eu gostei mais do MEPP, […] para quem estuda diariamente é muito melhor. A questão é que acabaram também por abreviar muitas coisas.”
E foi sobre estas “abreviações” que vários dos nossos interlocutores manifestaram o seu desagrado com o MEPP, que veio encurtar os programas de várias cadeiras deixando os alunos mais interessados a sentirem-se insatisfeitos com os conhecimentos adquiridos sobre o tema e com a duração dos testes e exames: “[No meu curso] não há cadeiras de quarter. […] O MEPP tem uma restrição de 2 horas no máximo, de avaliação. […] Eu acho que há cadeiras em que não dá para avaliar tudo em 2 horas. […] Na Licenciatura [antes do MEPP] já tinha testes em que acabavam mesmo em cima da hora. Há professores em quem não confiaria para encurtar exames. […] Houve uma cadeira de Licenciatura que o exame era de 1h30min e saímos ao fim de 2h40min”.
Outro colega comentou: “Sinto que gostava de passar mais tempo num tópico, do que passado 7 semanas, estar a descartar e já estar a entrar noutras cenas. Já para não falar na falta de férias.”
Conclusões:
Neste artigo, exploramos as perspetivas dos entrevistados sobre o que significa alcançar a excelência académica no IST. Para alguns, o segredo é a consistência: um estudo regular, estruturado e equilibrado com a sua vida social. Para outros, a chave do sucesso é a adaptação: ajustar o método de estudo conforme a exigência e metodologia de avaliação de cada disciplina e professor. E para a maioria, a curiosidade e paixão pelas temáticas que estudam são os fatores fundamentais. O caminho não é linear no IST: a pressão das avaliações semanais, a carga horária exigente e a necessidade de conciliar estudos com a vida pessoal são desafios que todos reconhecem. No entanto, mais do que a conquista de bons resultados, a excelência académica reflete a capacidade de querer aprender e de querer evoluir continuamente.
Obrigada a todos os 10 entrevistados pela disponibilidade e abertura durante as entrevistas.