“É um jogo de soma nula”: modelo IST-DAUA promete alterações estruturais profundas no quadro docente do IST

Autoria: Laura Ildefonso (MMAC)

No dia 14 de outubro, a comunidade do Técnico recebeu um convite para uma reunião de Assembleia de Escola, a ocorrer no dia 28 de outubro. O motivo? A apresentação do documento IST-DAUA, o qual vem reestruturar a distribuição da docência dos vários departamentos do IST. Imediatamente surgem questões como: O que é o IST-DAUA?, Quando entrou em desenvolvimento?, Qual a reação da docência a esta alteração? e Como pode isto afetar os estudantes?. O Diferencial foi investigar.

DAUA, ou “Dimensão Alvo da Unidade Académica”, remete para a dimensão alvo do quadro de docência dos vários departamentos do IST. No documento “Definição do Modelo IST-DAUA”, elaborado pelo Conselho Científico (CC), traçam-se os princípios e métricas que este modelo avalia para gerir a alocação de recursos humanos dos departamentos/UA, nomeadamente o volume de novas contratações de docentes e investigadores de carreira (DoInC), tendo este impacto direto na alocação de Pessoal Docente Especialmente Contratado (PDEC) e no orçamento de funcionamento das UA.

A introdução deste modelo, entretanto aprovado pelo Conselho de Escola na sua reunião do passado dia 6 de novembro, reflete a visão do Plano Estratégico do IST, que ambiciona incentivar o multifacetismo do docente em áreas como a investigação e a inovação e a colaboração interdepartamental.

Qual a metodologia atual?

O modelo IST-DAUA surge como substituto do modelo IST-ETI, em que ETI significa (alunos ou docentes) Equivalentes a Tempo Inteiro. Este põe em prática o documento “Metodologia de Cálculo de Alunos e Docentes/Investigadores ETI”, disponibilizado pelo CC. Apesar do documento base ter sofrido atualizações ao longo da década, a sua essência mantém-se: o número de docentes ETI atribuído a cada UA é determinado pelo número de alunos ETI com primeira inscrição em UC da responsabilidade da respectiva UA, ajustada pelo respetivo rácio de alunos por docente, valor aprovado pelo CC para cada UA e que depende da tipologia de aulas lecionadas nas UC.

Fonte: Anexo B do documento Metodologia de Cálculo de Alunos e Docentes/Investigadores ETI

É feito um último ajuste, dado pelo valor alvo de docentes ETI do IST e o respetivo coeficiente de normalização, dado pela fração do valor alvo no número total de docentes ETI calculado. Em agosto de 2020, foi estabelecido pelos Conselhos Científico e de Gestão (CG) o valor alvo de 600 docentes ETI, significando que o número total de docentes deve rondar os 600, após correções.

No final do documento “Definição do Modelo IST-DAUA” faz-se o reparo de que o modelo IST-ETI baseia a distribuição de docentes na premissa única de que esta deve ser precisamente a que assegura as necessidades de ensino do IST, dependendo apenas, de grosso modo, do número de estudantes que a escola é responsável por lecionar. Por sua vez, o modelo IST-DAUA propõe remover essa dependência única e externa, contemplando outras variáveis que refletem o exercício e dinâmica interna do corpo docente.

Como se compara o modelo IST-DAUA ao atual modelo IST-ETI?

No modelo IST-DAUA, a distribuição interna do número de docentes de cada UA é definida através dos “pontos DAUA”, a nova “moeda” que possibilita UA com boas prestações nas métricas avaliadas pelo modelo crescerem autonomamente. À semelhança do modelo IST-ETI, o IST-DAUA estabelece o valor objetivo de 600 docentes, o que coloca o quadro docente das UA do IST num jogo de soma nula: pontos DAUA obtidos por alguma UA ficam inacessíveis às restantes UAs.

Modelo IST-ETI (Claro) vs Modelo IST-DAUA (Escuro) | Fonte: Documento “Definição do Modelo IST-DAUA”

A distribuição dos pontos DAUA por cada UA assenta em três pilares: o pilar do Ensino, que adapta o modelo IST-ETI a 65%, acrescentando uma métrica com o propósito de quantificar a qualidade pedagógica; o pilar da Ciência, Tecnologia e Sociedade, que engloba em 20% dos pontos vários fatores, destacando-se a qualidade das Unidades de Investigação (UI); o pilar de Projetos e Serviços, que ocupa os restantes 15%, valoriza o financiamento obtido de projetos científicos, consultoria e outros serviços. 

De modo a evitar graves desequilíbrios nas dimensões das UA, são impostos limites mínimo e máximo de pontos alcançáveis por pilar. Assim, uma UA não pode consumir mais do que 20% do quadro docente, e nenhuma UA constituirá menos do que 3% do mesmo. Para além disto, o documento propõe uma aplicação suave e regulada do modelo, na qual os pesos associados aos pilares convergem gradualmente, ao longo de 4 anos, para os valores supramencionados, a começar já no próximo ano letivo. 

Ensino

A nova metodologia contempla que 65% dos pontos são obtidos através do método do modelo IST-ETI, mas agora sob o escrutínio da eficiência pedagógica das UC, classificada através da taxa de aprovação. Essencialmente, esta é quantificada, para cada UA, pelo rácio do número total de alunos aprovados e o número de alunos avaliados nas suas UCs, constituindo um fator multiplicativo que varia entre 1, 1.05 e 1.1, atribuído a cada UA consoante a sua posição nos quantis de 30% e 70% das taxas de aprovação de todas as UAs. Isto permite que as UA com piores prestações obtenham pelo menos o número de pontos DAUA equivalente a 65% do número de docentes determinado pelo IST-ETI, promovendo-se uma noção de garantia das necessidades mínimas do ensino. No entanto, isto não implica que não possam vir a ter menos docentes que o número calculado no modelo IST-ETI; ou seja, é possível que, acoplado a uma má prestação nos restantes pilares, este posicionamento implique uma diminuição do corpo docente de uma determinada UA face ao modelo atual.

Ciência, Tecnologia e Sociedade

A Atividade Científica é avaliada através de duas métricas: na primeira, é considerado o número de DoInCs integrados em Unidades de Investigação (UI) do IST classificadas pela Fundação da Ciência e Tecnologia (FCT) como “Excelente”, “Muito Bom” ou “Bom”, com valor proporcional à classificação; a segunda, que constitui uma grande fatia deste pilar, contempla a existência de Principal Investigators (PI) com uma bolsa do European Research Council. Uma vez que estas bolsas são, por si só, uma fonte valiosa de financiamento e prestígio para o IST, têm um valor acrescentado e são medidas de modo a salientar o objetivo de 20 bolsas no IST. Para além disto, sob a denominação de Transferência de Conhecimento, define-se uma métrica que contabiliza o número de patentes ativas com pelo menos um inventor que seja DoInC do IST. Por fim, para representar o Impacto na Sociedade, estabelecem-se duas métricas, uma que “contabiliza o número de créditos ECTS associados a cursos lecionados no Técnico+” e outra que contempla “o número de prémios de mérito protocolados com o IST” por cada UA.

Projetos e Serviços

Este pilar valoriza o financiamento que projetos científicos e serviços atraem para cada UA. Assim, numa primeira métrica é contabilizado o financiamento em euros obtido “em contexto competitivo e individual”, sendo este atribuído à UA do PI, com possibilidade de partilha pelas UA dos co-PI caso requisitado pelo PI. A segunda métrica promove a formação de vários PI por UA ao contabilizar “o número de PI de um ou mais projetos com um montante total anual de financiamento superior a 25,000€”, sob a mesma possibilidade de divisão de pontos. De modo semelhante define-se a versão referente a serviços, sob a consideração de 5,000€ de financiamento total mínimo, e ainda com possibilidade de partilha entre as UA dos co-PI.

O desenvolvimento destas métricas foi metodicamente acompanhado por simulações, utilizando os dados de 2023/2024. Com base nestas, e com vista a evitar subfinanciamento particular e uma consequente espiral de falta de recursos auto-irrecuperável por parte de departamentos mais prejudicados, foi desenhado um plano suplementar, denominado Contrato de Crescimento, Convergência e Coesão (CC3). Em traços gerais, o CC3 promete, de 2025 até 2027, promover o crescimento do financiamento total das UAs na proporção (taxa de inflação + 5%) ao ano e criar um fundo de coesão ao qual as UAs mais prejudicadas podem recorrer de modo a financiar projetos e atividades que possibilitem um aumento nos seus pontos DAUA.

Quando surgiu esta proposta alternativa?

Foi no início do ano 2023, por sugestão do presidente do IST Rogério Colaço, que o CC esboçou os primeiros traços do documento, tendo este evoluído ao longo dos últimos dois anos para a sua forma atual, que foi disponibilizada a toda a comunidade do IST via email no passado dia 16 de outubro. Em junho de 2024, já em fase avançada de desenvolvimento, o documento foi apresentado aos departamentos do IST e ao Conselho de Departamentos e Estruturas Transversais (CDET), órgão que engloba todos os presidentes de departamentos e que deu, em finais de julho, o seu parecer favorável unânime. A proposta foi também, por unanimidade, apoiada pelo CC a 2 de outubro, seguindo-se, a 24 de outubro, o parecer favorável do CG. Finalmente, o Conselho de Escola reuniu-se a 6 de novembro e aprovou o IST-DAUA.

Apesar do caminho percorrido pelo DAUA apresentar um panorama positivo, sente-se algum atrito por parte de alguns docentes do IST. A 11 de setembro foi publicada uma petição online, intitulada “Petição pela discussão pública do modelo IST-DAUA”, submetida pelos Professores do departamento de Matemática Gabriel Pires, Pedro Ferreira Santos e Jorge Drumond Silva e destinada a todos os docentes do IST. Esta levanta preocupações sobre aspetos fundamentais do modelo e apela ao CC a realização de uma “discussão pública com espaço para intervenção da comunidade escolar”.

Em declarações ao Diferencial, o professor Jorge Drumond revela um profundo desagrado face a várias das métricas estabelecidas. Em relação à escolha da taxa de aprovação como a única métrica de eficiência pedagógica, ironiza: “Se a sobrevivência do meu departamento passar a depender das taxas de aprovação, o incentivo é, no limite, para eu passar qualquer aluno que pouco mais faça do que só preencher o cabeçalho dos testes.” Acrescenta ainda que a valorização do financiamento de projetos não é independente de tendências, opções políticas e da área científica em que se enquadram: “Há um problema a montante. Não somos nós quem decide os financiamentos (…), temos acima de nós as agências de financiamento: FCT, a União Europeia, etc. (…). Além disso, os projetos em ciências fundamentais envolvem valores financeiros tipicamente menores: no máximo precisam de computadores e contratar pessoas.”

Sobre estes reparos, revela uma preocupação maior: “O absurdo total é que isto é em cima de um jogo de soma nula. Diz-se que é para premiar os departamentos, mas num jogo de soma nula não vejo ser possível premiar sem pôr os departamentos em permanente competição uns contra os outros”. Elabora ainda que “o DAUA é justificado como uma forma do Técnico se ajustar à tal lei do financiamento universitário”. A Lei nº 37/2003 indica, em traços gerais, que o financiamento das instituições do ensino superior é função de vários critérios como “os indicadores de eficiência pedagógica dos cursos” e “a classificação de mérito das unidades de investigação”. “O que Técnico [pretende] é agora fazer o papel que cabe ao estado, [redistribuindo] internamente o dinheiro que até hoje tem correspondido apenas aos ETIs para ensino, redimensionando as unidades num jogo de soma nula (…),  o que vai acabar por bonificar quem já tem o dinheiro.”

Em relação ao seu próprio departamento, Jorge Drumond não prevê um futuro positivo: “É óbvio quem vai ser o primeiro a perder. A Matemática vai encolher a um nível em que não vai ter capacidade para ensinar as disciplinas que tem que ensinar. Seremos o primeiro dano colateral da ideia”.

Por fim, Jorge Drumond teme que, a longo prazo, esta alteração afete a capacidade do IST de captar talento: “Os alunos que se candidatam (…) vão começar a perceber que o ensino do Técnico cada vez está mais desconsiderado, e vão começar a optar por outros lugares”.

Foi em função desta petição e de outras críticas que o presidente do IST, Rogério Colaço, sugeriu à Presidente da Assembleia de Escola (AE), Ana Teresa Freitas, abrir o convite à comunidade do IST para a reunião de AE do dia 28 de outubro. Nesta foram apresentadas opiniões e críticas em todo o espetro, entre as quais a do Professor Miguel Abreu, que, entre outros, referiu muitos dos problemas já apontados na petição, reforçando a posição de que, no limite, o modelo convergirá para o sufocar inevitável de algumas UAs em favorecimento de outras. Em contraparte, outro Professor fez o reparo de que “a evolução para o modelo IST-DAUA deve ser vista como natural, já que os docentes são já avaliados sobre estes pilares, e as UA são nada mais do que os seus docentes, logo deveriam ser avaliados de modo semelhante”.

Face às recorrentes críticas de que a avaliação da eficiência pedagógica ser representada pela taxa de aprovação é uma metodologia “perversa”, Rogério Colaço afirmou convictamente: “se há uma coisa que o Técnico não é, nem será, é facilitista”. O presidente declarou inclusive que “não há método mais perverso do que aquele que temos neste momento.” Relembrou ainda que “o peso da eficiência formativa é pequeno no DAUA, o grande peso é na mesma os alunos ETI”, querendo este apenas sinalizar a importância da taxa de aprovação ser razoável, e não necessariamente ter um impacto tal na dimensão das UA. 

Ao Diferencial, Rogério Colaço esclarece que “se as pessoas não estão tão bem preparadas, nós temos que contribuir para as preparar melhor e capacitar. E isso não é facilitismo. Isso é cumprir a nossa missão”. Para os estudantes, Rogério Colaço diz ainda que o impacto da alteração para este modelo será nada mais que positivo: “o que os estudantes podem esperar é uma melhoria dos seus percursos formativos, que já são excelentes”.

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