Autoria: Diogo Faustino (MEAer) e Maria Rosa (LEIC)
No passado dia 11 de março, a Associação dos Estudantes do IST (AEIST) anunciou a suspensão do Núcleo de Estudantes Africanos do IST (NEAIST), devido a irregularidades nas suas eleições, num incidente sem igual na história recente da AEIST. No seguimento de “inúmeras queixas”, a AEIST informou que “irá acompanhar e promover as eleições do NEAIST de forma democrática”, convocando para dia 11 de abril um Plenário de Colaboradores, com o intuito de marcar novas eleições e eleger uma comissão eleitoral.
Em conversa com o Diferencial, Pedro Monteiro, atual Presidente da Direção da AEIST (DAEIST), clarifica o que levou a esta decisão: já no mandato anterior, a Associação havia identificado “alguns problemas com os estatutos” do núcleo, após queixas de alunos “que tinham interesse em integrar a direção do NEAIST”. Estes alunos tentaram consecutivamente entrar no núcleo com o propósito de formar uma lista que se candidatasse contra a atual direção, mas foram impedidos de o fazer.
O artigo 22º dos Estatutos da AEIST estabelece que “É colaborador de um SA todo e qualquer sócio que, por livre vontade, se inscreva devidamente”. A DAEIST argumenta que o impedimento à entrada destes sócios contraria este ponto e, como tal, não poderia acontecer – “a entrada em si não pode ser barrada”, defende Pedro Monteiro.
Eduardo Henriques, estudante de Engenharia Física, foi um dos queixosos no processo. Em declarações ao jornal, garante que demonstrou o seu interesse em formar uma lista aos órgãos sociais do NEAIST no dia 27 de novembro, o mesmo dia em que fora anunciado o período de recrutamento para o núcleo. Este recrutamento externo incluía posições que tipicamente são objeto de eleição, como o Conselho Fiscal ou a Mesa da Assembleia. Eduardo envia a sua candidatura em contestação, considerando que “deveria ocorrer um processo eleitoral”.
A resposta é rápida: no mesmo dia, pelas 20 horas, o então Presidente do Núcleo solicita uma reunião para o dia seguinte. Foi nessa reunião que apresentaram a sua posição, explicando que não queriam que pessoas que não estavam familiarizadas com a dinâmica do núcleo assumissem estes cargos. Apresentaram uma versão do regulamento interno, onde se podia ler que só pessoas que estivessem há um ano na direção do núcleo se poderiam candidatar.
Os estudantes reúnem-se de seguida com a DAEIST. O regulamento interno que o Núcleo de Estudantes Africanos alegava estar em vigor é, afinal, diferente daquele que se encontrava na posse da AEIST. O putativo regulamento destaca-se precisamente pela presença do artigo 26.º b), ausente na versão aceite pela AEIST, segundo o qual os candidatos aos órgãos sociais necessitam de ter, “no mínimo, um (1) ano [inseridos] na direção do NEAIST”.
Após a Direção do NEAIST ter sido notificada da discrepância, convocou um Plenário de Colaboradores, que também não escapou ao escrutínio da direção da AEIST: “Nesse Plenário foi aprovado, de facto, o Regulamento Interno, no entanto, nós sabemos que houve Colaboradores que não foram convocados”, garante o presidente Pedro Monteiro. Este facto levou à não aprovação do mesmo quando apresentado à AE, mas foram levantadas também questões relativamente à legitimidade do 26º artigo – “Pedimos um parecer ao Conselho Fiscal e Disciplinar, para depois podermos tomar uma decisão o mais consciente possível e, portanto, não o aprovámos”.
No dia 12 de dezembro, Eduardo volta a contactar o NEAIST: mostra o seu interesse em integrar o núcleo como colaborador. A resposta chega dois dias depois, negando a sua entrada no núcleo devido ao término do período de recrutamento: este foi anunciado a 27 de novembro de 2023, sem mencionar uma data final para o período de candidaturas.
No dia 21 de dezembro, os estudantes que desejavam ver resolvida a sua situação enviam novo e-mail. Nessa altura já tinham uma resposta da DAEIST: o estatuto que o NEAIST apresentava não era reconhecido oficialmente.
Após a tentativa de regularização do Regulamento Interno, e ainda sem a participação dos estudantes cuja entrada fora impedida, o NEAIST publica, no dia 22 de dezembro, um comunicado nas suas redes sociais, a anunciar a “eleição automática” da única lista candidata, à semelhança do que acontecera no mandato anterior: de facto, desde as primeiras eleições aos órgãos sociais do NEAIST, em 2021/22, o núcleo não voltou a realizar um processo de votação.
Ao processo eleitoral no final do ano de 2023, seguiu-se uma tomada de posse a 25 de janeiro, para qual a DAEIST é convidada, não marcando presença: o processo eleitoral não viria a ser reconhecido oficialmente. “Uma vez que o regulamento interno nunca tinha sido aprovado pela direção da AEIST, para nós [esta reeleição] foi uma surpresa”, comenta Pedro Monteiro. Garante também que voltará a recusar a aprovação de um regulamento interno com cláusulas deste tipo, já que não se rege “por princípios basilares de participação livre e democrática”.
“Depois de falar com ambas as partes, optámos por emitir o comunicado, que foi divulgado aqui na vitrine e nas redes sociais, e foi também enviado via webmail para [a direção do] NEAIST”. Pedro Monteiro aproveita para esclarecer a posição da sua direção: “A decisão que tomamos não foi leviana, tivemos consultas com ambas as partes e foi uma análise profunda.” A DAEIST justifica a sua interferência nas eleições do núcleo com o ponto 1 do artigo 17.º dos Estatutos, segundo o qual cabe à direção da AEIST “promover e acompanhar o processo eleitoral interno das Secções Autónomas”.
Confrontados com estas alegações, os três membros da destituída Direção do NEAIST com que o Diferencial conversou expressam o seu descontentamento. Admitem a existência de alunos não convocados para o plenário, mas consideram a situação um mal-entendido: “os dois colaboradores que não foram convocados na altura faziam parte da AE” e, como tal, estariam cientes do Plenário. ”Mesmo que não votassem a favor, ia passar”, acrescenta Júnior Sané, Presidente do NEAIST no mandato 2022/2023.
O Presidente da AEIST disse ao Diferencial que contactou a direção do ano 2020 da AEIST, e afirma que a mesma lhe confirmou que o regulamento, com o controverso artigo 26.º b), nunca havia sido aprovado. De notar que nesta altura, o NEAIST funcionava ainda com uma direção interina por parte dos membros fundadores, uma vez que ainda não se tinha realizado o primeiro ato eleitoral do núcleo. Os representantes do NEAIST negam esta versão dos eventos, afirmando que o Regulamento “estava em uso e foi aprovado”, mas que, na altura, tinha existido um equívoco no envio do documento à AE – tinha sido enviada uma versão sem as cláusulas que limitam a possibilidade de candidatura aos órgãos sociais. Na mais recente tentativa de emendar o erro foram forçados a convocar o Plenário.
À questão de se os candidatos à direção necessitam de ter pertencido à mesma no passado, a resposta é afirmativa – “Têm de pertencer, independentemente do cargo. Desde que faça parte da direção, como colaborador, por exemplo”. Esta postura levanta algumas questões; Luana Marques, Vice-Presidente da destituída direção do NEAIST, clarifica: “Nós já demos conta que os significados que atribuímos a certos termos, como estatuto, regulamento, a palavra direção, são ligeiramente diferentes. Quando dizemos direção, consideramos tudo, desde a presidência até os colaboradores”.
Defendem a restrição que limita a candidatura a membros que tenham feito parte do NEAIST por pelo menos 1 ano e sublinham a natureza especial do Núcleo: “Todas as condições que foram postas no estatuto foram no sentido de proteger o NEA, porque é uma entidade que tem responsabilidades grandes, acima de tudo. Não estamos a falar de um núcleo que representa um curso, mas sim de um núcleo que representa uma comunidade específica”.
“A postura da AE foi uma postura que divide a comunidade”, lamenta Júnior.
O método utilizado para notificar a direção da suspensão – uma mensagem enviada para o e-mail do Técnico de apenas duas pessoas – suscitou duras críticas. Miza Mabunda, Presidente deposta, aproveita para condenar a atuação da AE: “No início do ano informaram tudo por e-mail. E nós correspondemos por e-mail. Então, nesse caso, também podiam informar que estavam a receber denúncias por parte de alguns estudantes e que iam suspender a conta. Mas foi do dia para a noite. Ninguém conseguia ter acesso ao e-mail. Do nada, havia comunicado”. Realçam-se ainda as possíveis consequências que a falta de acesso ao e-mail poderia trazer a nível dos projetos que se encontram em curso.
Não obstante, Pedro Monteiro defende a decisão de suspensão do e-mail: “Não foi enviado para o e-mail da própria secção autónoma, porque esse e-mail, a partir do momento em que o comunicado foi enviado a refletir a suspensão da secção autónoma, também ficou suspenso. E, portanto, notificámos as pessoas em causa, mas pela via do e-mail institucional do Técnico.”
Relativamente aos estudantes que pretendiam integrar o núcleo, explicam a sua perspetiva da situação: “No processo de recrutamento, nós estávamos a recrutar os que estavam interessados em fazer parte da direção do NEAIST e os colegas que manifestaram interesse em formar uma lista não queriam fazer parte da direção, portanto nós recomendamos que se inscrevessem como colaboradores – pelo menos um colaborador do NEA trabalha por perto em algumas atividades, sabe como é que as coisas funcionam – e eles não se mostraram disponíveis para ser colaboradores”.
Acusam também os estudantes de não quererem contribuir para o Núcleo: ”Eles simplesmente não mostraram interesse. Queriam constituir uma lista inteira de pessoas que não têm nada a ver com o NEA. Não têm interesse em participar em nenhuma atividade, simplesmente querem dirigir o NEA. O NEA está aberto, mas se eles não querem colaborar, não tem como.”
Já Eduardo, que assume que tinha a intenção de se candidatar à Direção do NEAIST, considera a acusação injusta. Começa por realçar que receberam vários apelos à união e ao trabalho em conjunto da parte da direção do núcleo: “Quando no nosso primeiro contacto, eles não foram honestos quanto ao regulamento, não há confiança para trabalhar em conjunto. O nosso primeiro e-mail foi a manifestar interesse em participar e eles impediram-nos com algo que aparentemente foi forjado e totalmente desonesto. Perdeu-se uma grande parte da confiança.”
Aponta também o dedo ao legado deixado pelos membros da atual direção: “Queríamos entrar para exercer uma mudança, uma dinâmica diferente. O progresso do núcleo é quase mínimo, muita gente concorda que a atividade deles está mesmo em declínio.”
Assim, diz-se contra a polémica cláusula que impõe que só os membros que estejam há um ano na direção do núcleo possam ser candidatos aos órgãos sociais: “a permanência e a estadia temporal da pessoa no núcleo não tem muito a ver com a qualidade da sua atividade”. É algo pouco justo porque não abre portas para a mudança, diz ainda.
Eduardo defende que o problema está na falta de cultura democrática. “Não estou a forçar a minha entrada no poder. Só estou a tentar limpar a fumaça que está à volta do núcleo.” O estudante que foi impedido de se juntar ao núcleo diz que, se o núcleo continuar com uma dinâmica justa de eleições, qualquer lista que seja eleita e não cumpra será rejeitada nas eleições seguintes: “É só uma questão de dar oportunidade a toda a gente e esta concorrência é uma concorrência saudável”.
O grupo de estudantes que foi impedido de entrar no núcleo, de onde Eduardo surge como porta-voz informal, considera que o núcleo estava a ser direcionado para representação externa ao Técnico, como a presença na Federação Académica Africana de Portugal (FAAP): movimento cuja criação está ligada a alguns fundadores do NEAIST. “A FAAP é algo mais global mas que tem zero impacto aqui no Técnico. Eu nem sabia da existência da Federação e acho que isso reflete o trabalho que se está a fazer.”
Ainda assim, afasta qualquer revanchismo: “se as eleições forem conduzidas de forma correta e eles voltarem a ganhar, nós não teremos problema nenhum”. Garante que nesse cenário, pretendem continuar no núcleo como colaboradores.
Falta apenas esperar pelo plenário de colaboradores no dia 11 de abril, onde será votado o calendário e a comissão eleitoral, e pelas planeadas eleições, após as quais a AE terminará a suspensão do núcleo. Quando questionados sobre se tinham intenção de se candidatar de novo, a direção deposta do NEAIST respondeu de forma negativa, levantando até a possibilidade de uma separação da AE.
Por agora qualquer pessoa que queira pertencer ao núcleo poderá fazê-lo, necessitando de se tornar sócio da AEIST e expressar o seu interesse em fazer parte do NEAIST através do e-mail oficial.
[…] nova, eleita de acordo com o Regulamento Geral das Secções Autónomas (RGSA), fruto da polémica nas últimas eleições para a direção do núcleo. A antiga direção fez um comunicado na sua página do Facebook, no qual afirmam ter-se […]