(Des)Equilíbrio de Género no IST: O que dizem os Estudantes?

(Des)Equilíbrio de Género no IST: O que dizem os Estudantes?

Autoria: Sofia Calado (MEEC), Tiago Fernandes (MEEC), André Santos (MEEC), Sara Viegas (LEEC), Miguel Laurito (LEE) 

A desigualdade de género nas áreas das ciências exatas tem sido uma preocupação crescente nas instituições de ensino superior em Portugal, e o Instituto Superior Técnico (IST) não é exceção. Mas qual é a realidade atual no IST? Para responder a esta questão, o Diferencial realizou um inquérito, com o objetivo de compreender a perceção dos estudantes do IST sobre a temática e analisar a influência que o género teve nas suas experiências académicas.

Para garantir uma amostra representativa, o questionário foi distribuído presencialmente nos espaços mais frequentados da faculdade. No total, foram recolhidas 322 respostas, que permitem ter uma visão abrangente e diversas perspetivas dos estudantes em relação a esta temática. O Diferencial procurou perceber se os estudantes, ao longo do seu percurso académico no IST, sentiram que o seu género ou o género de colegas ou professores que os rodearam influenciou de alguma forma o seu percurso, seja no acesso a oportunidades, no ambiente académico, nas interações com colegas e docentes ou até nas suas perspetivas em relação ao futuro profissional.

É importante destacar que, no inquérito, foi disponibilizada a opção de selecionar géneros que não se enquadram em feminino ou masculino. Apenas quatro participantes (1.3%) selecionaram essa opção. Para facilitar a análise de dados, a comparação foi feita entre estudantes que se identificaram como homens (50.9%) e mulheres (47.5%), representados na análise gráfica por barras de tonalidade azul escura e azul clara, respetivamente.

Evolução da Representação Feminina no IST

Em Portugal, o acesso das mulheres ao Ensino Superior foi oficialmente permitido em 1911, com a reforma republicana da educação. Antes disso, embora não houvesse uma proibição legal explícita, existiam inúmeras barreiras institucionais e sociais que dificultavam a entrada das mulheres no Ensino Superior. Apesar desta legalização, só mais de duas décadas depois é que se formou a primeira engenheira portuguesa – foi apenas em 1937 que o IST formou a sua primeira engenheira, Maria Amélia Chaves, licenciada em Engenharia Civil. Em 1939, Isabel Maria Gago licenciou-se em Engenharia Química, estabelecendo um marco importante anos mais tarde ao tornar-se a primeira mulher docente do IST [1].

Atualmente, é possível consultar o perfil dos alunos ingressados no IST através dos inquéritos realizados no ato de matrícula no 1º ciclo de estudos. Estes questionários permitem traçar um retrato fiel da distribuição de género na universidade. No ano letivo de 2014/2015, 73% dos respondentes eram do género masculino e 27% do género feminino. Quase uma década depois, no perfil referente a 2023/2024, pouca coisa mudou: no campus da Alameda, 71% dos alunos eram do género masculino e 29% do género feminino [2].

Historicamente, as áreas das ciências exatas foram dominadas por homens, mas, ao longo dos anos, cada vez mais mulheres têm escolhido percursos académicos que, em tempos, eram vistos como predominantemente masculinos. De notar que cursos como Engenharia Química, Biológica e Biomédica têm atraído um número crescente de estudantes do género feminino, que já representam a maioria dos alunos inscritos. Por outro lado, áreas como Engenharia Eletrotécnica, Mecânica e Informática ainda continuam a ser dominadas por estudantes do género masculino. Mas será que ainda existem áreas percecionadas a um género específico? Verificamos que um total de 281 estudantes concordaram que ainda existe a percepção de que certos cursos são tradicionalmente vistos como mais “masculinos” ou “femininos” dentro da ciência (Gráfico 1).

Gráfico 1: Respostas a “Consideras que existem áreas de estudo ainda percecionadas como mais “masculinas” ou “femininas”?”

Desigualdades de Género no IST

Dos 322 alunos que responderam ao inquérito, 101 sentiram que o seu género já foi motivo de uma situação de desfavorecimento (Gráfico 2), sendo as situações mais comuns revisões de prova, aulas laboratoriais, práticas e teóricas. Evidencia-se o facto que estas situações ocorrem na presença de um docente. 

Gráfico 2: Respostas a “Quais as situações que sentiste que o teu género foi o motivo duma situação de desfavorecimento?”

Quanto a experienciar momentos de discriminação de género, verifica-se uma divergência nas perceções de homens e mulheres. 42% das pessoas que se identificam como do género feminino já se sentiram discriminadas, enquanto a percentagem para o caso masculino é de apenas 16%. É de notar também a diferença nas respostas “Discordo totalmente”, que apresenta uma percentagem significativamente mais elevada para homens (Gráfico 3).

Gráfico 3: Respostas a “Já te sentiste discriminado ou experienciaste momentos de discriminação de género?”

Importância de Incentivar a Participação Feminina na Engenharia e no IST

A inclusão de mais mulheres em áreas científicas é fundamental, não só para a promoção da igualdade de oportunidades, mas também para o avanço da própria Ciência. Uma distribuição mais equilibrada entre os géneros na engenharia e noutras áreas da Ciência assegura uma redução de vieses inconscientes no desenvolvimento de tecnologias e serviços e assegura um equilíbrio na investigação e nos projetos direcionados para a melhoria da qualidade de vida de ambos os géneros. 

Qual a pertinência de incentivar a presença feminina nas áreas científicas? A maioria dos estudantes concordou – 271 estudantes votaram de forma favorável enquanto apenas 11 discordaram. As mulheres responderam positivamente numa quase total unanimidade de 96.1%, enquanto apenas 72.5% dos homens responderam positivamente (Gráfico 4).

Gráfico 4: Respostas a “Consideras que trazer mais mulheres para a ciência é importante?”

No entanto, também procurámos perceber se concordavam com uma das medidas mais populares para combater a falta de investigadoras do género feminino: a criação de bolsas universitárias exclusivas a mulheres. Verificámos que existia uma discordância significativa entre os géneros – 71 mulheres e 45 homens concordam, face a 43 mulheres e 77 homens que discordam, valores quase inversos (Gráfico 5). 

Gráfico 5: Respostas a “Consideras que é pertinente existirem bolsas universitárias apenas para o género feminino?”

Para além das bolsas, o IST implementou mais iniciativas para promover a igualdade de género dentro da instituição – os eventos “Alumni Talks – Women Edition” e o “Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo” destacam trajetórias inspiradoras de mulheres engenheiras, permitindo a promoção da visibilidade de modelos femininos de sucesso na engenharia. Estas medidas têm como objetivo tornar as ciências exatas mais atrativas para as jovens mulheres – mas será que os estudantes associam estas tentativas a um aumento da inclusão e contribuem de forma positiva ou poderão ser vistas como um tratamento preferencial a um género? Face a esta questão, decidimos perguntar aos estudantes qual a sua perceção acerca das iniciativas de promoção de igualdade de género no IST: 146 estudantes (45%) afirmaram ter uma opinião neutra em relação à eficácia do IST na promoção da igualdade de género e os restantes dividiram-se de maneira equitativa entre diferentes graus de concordância e discordância. A elevada percentagem de respostas neutras sugere que muitos alunos não percepcionam mudanças substanciais ou não se sentem impactados pelas ações da instituição.

Também perguntámos aos estudantes se consideram a desigualdade de género ainda um problema no Ensino Superior e a relevância da questão da discriminação e desigualdade foi reconhecida por todos: 113 alunas concordaram que a desigualdade de género persiste e 85 alunos partilharam a mesma visão (Gráfico 6).

Gráfico 6: respostas a “Consideras que a discriminação e desigualdade de género ainda são problemas no Ensino Superior?”

O Género Afeta as Oportunidades Académicas e Profissionais?

Apesar das iniciativas implementadas e do aumento no número de mulheres que ingressaram nos cursos do IST, as respostas obtidas indicam que, embora as mulheres tenham conquistado mais espaço, ainda enfrentam desafios significativos relacionados com a desigualdade de género. Enquanto 102 homens concordam que o género impacta as oportunidades académicas, este número sobe para 129 entre as mulheres. Esta disparidade reflete-se também nos que discordam: apenas 10 mulheres assinalaram que não acreditam que o género afeta as oportunidades académicas, contrastando com 32 homens (Gráfico 7).

Gráfico 7: Respostas a “Consideras que o género afeta as oportunidades académicas?”

À semelhança do meio académico, no mundo profissional existem diversos desafios. A realidade continua a ser que, no que toca a campos científicos, as mulheres continuam a enfrentar mais obstáculos – uma perceção partilhada por estudantes de ambos os géneros no IST (Gráfico 8). Ainda assim, existem diferenças na forma como esta desigualdade é encarada pelos dois grupos: as mulheres concordam mais fortemente com esta afirmação.

Gráfico 8: Respostas a “Consideras que o género afeta as oportunidades profissionais?”

Conclusões

Os dados do inquérito revelaram uma realidade complexa e em evolução. Apesar de serem implementadas diversas iniciativas, os desafios persistem e a jornada pela igualdade de género no IST continua – este inquérito representa um passo importante para construirmos um futuro mais justo, equitativo e inclusivo para todos.

Referências

[1]https://www.ordemdosengenheiros.pt/Igualdadenaengenharia/pt/pioneiras/as-primeiras-engenheiras/ 

[2]https://nep.tecnico.ulisboa.pt/ingresso-no-ist/ 

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