Entra a 100, sai a 200

Imagem por Bruno Gomiero em Unsplash

Autoria: Carolina Pereira (MEIC)

Na era digital, pouca informação se retém do consumo automático de conteúdo. A retenção de informação e a memória estão conectadas ao quão marcante é aquele momento e ao papel ativo que desempenhamos na aprendizagem. Em que situações já nos aconteceu as coisas entrarem a 100 e saírem a 200? Em que situações é que isto pode ser invertido por uma mudança de abordagem no ensino e na aprendizagem?


Numa das minhas caminhadas matinais pelo Twitter, dei conta de um fenómeno interessante. Ao que parece, são muitos os fãs de Chainsaw Man – um famoso mangá que recentemente recebeu adaptação para anime – que não se lembram da história do mesmo. Numa procura por uma explicação, há quem argumente que se deve ao ritmo acelerado com que a história se desenrola, outros sugerem que é apenas uma resposta ao trauma. Seja qual for a razão, é certo que já muitos de nós experienciámos informação a entrar a 100 e a sair a 200 pelos nossos ouvidos (ou olhos).

É óbvio que este fenómeno não se limita a fãs de mangás sobre pessoas que se transformam em motosserras. Talvez o exemplo mais próximo de nós, estudantes, sejam as aulas teóricas, infelizmente. Há algo no tédio e na sobrecarga que faz com que o cérebro se torne impermeável à retenção de informação. Até estamos com atenção, sabemos que estamos a ouvir palavras, conseguimos extrair significado das frases, mas o que ficou no final da aula? Será que somos capazes de fazer um resumo ao nosso colega que ficou em casa a acabar o projeto? Muitas das vezes nem é uma questão de não sermos suficientemente inteligentes para perceber a matéria. Afinal, quando chegamos a casa vamos rever os apontamentos daquela aula, fazemos uns exercícios e, na maioria das vezes, até percebemos no mínimo o suficiente para nos safarmos nas avaliações. 

No entanto, há aulas em que realmente retemos a informação. O que é que muda? Muito provavelmente a forma como a informação nos foi apresentada. Lembro-me frequentemente de um exemplo que experienciei no ensino secundário com a minha professora de Biologia e Geologia. Tínhamos de aprender o processo completo da fotossíntese, com todos os nomes das entidades envolvidas e o percurso completo de cada molécula. Certa de que passar duas horas a debitar informação sobre a fotossíntese para trinta alunos do décimo ano não traria bons resultados, a professora Sofia lembrou-se de fazer um teatro. Naquela aula, puxámos as mesas para o fundo da sala, voluntariámo-nos para cada papel deste teatro e, seguindo as ordens da professora, fomos fazendo figuras tristes enquanto se desenrolava a história do fotão, da molécula de CO2 e da molécula de água. Rimo-nos durante anos dessa aula, questionámos o porquê de termos de fazer aquilo, mas ninguém se esqueceu de como se processa a fotossíntese. A diferença está entre dizer “na página 42 do manual está no segundo parágrafo explicado o papel da clorofila”, ou dizer “lembrem-se do João a fazer de clorofila”. 

Ora, esta técnica poderá não ser a mais apropriada para uma aula de CDI-I. Contudo, está comprovado que tornar a aprendizagem interativa aumenta a capacidade de retenção da informação. Em várias disciplinas de MEIC, o modelo de flipped classroom está a ser aplicado. Confesso que, por mais chato que seja ter de organizar o tempo para ver vídeos sobre a matéria, ler sebentas e fazer quizzes para a aula seguinte, em termos de aprendizagem tem tido resultados positivos. O conceito do modelo de flipped classroom é o seguinte: antes da aula, ter o primeiro contacto com a matéria e investigar sobre a mesma, e a aula servir para esclarecimento de dúvidas, reforço de conteúdos e aprofundamento de conceitos mais complexos. A forma como a informação é apresentada dita muito da nossa experiência educativa. Como tal, mesmo que o modelo das aulas não seja radicalmente alterado para, por exemplo, flipped classroom, deverá haver um esforço para que o material seja apelativo, interativo, marcante e seja dado tempo para relaxar e mudar o foco em vez de submeter os alunos a horas sem fim de conteúdo sem pausas.

Já da parte de quem aprende, existem as velhas técnicas de aprendizagem e foco que ajudam a reter aquilo que se ouve. Normalmente, tirar apontamentos ou seguir conscientemente os exercícios, em vez de cegamente copiar a resolução do quadro, poderá ajudar na retenção da matéria.

E no lazer? Nunca vi ninguém a tirar apontamentos num cinema…

A verdade é que, quando o dia-a-dia é passado a aprender e a absorver informação, não há nada mais normal do que desligar o cérebro no tempo livre. Além disso, quando reservamos tempo para ler, ver televisão ou dar scroll nas redes sociais, nem toda a gente o faz com a intenção de reter tudo o que viu ou fazer uma análise crítica do conteúdo, pelo menos a tempo inteiro. É claro que há sempre quem leia dez vezes a mesma frase de um livro para ter a certeza que percebeu. Da mesma forma, há aqueles que têm uma tamanha fixação ou gosto por uma série televisiva que até fazem investigação extra mesmo após ter acabado o episódio – a variante entusiasmante de trabalhos de casa. No entanto, há sempre a probabilidade de estarmos a ver algo apenas para passar o tempo e descansar a cabeça. Quer fiquemos embrenhados na narrativa ou apenas satisfeitos por estar a ver imagens a passar no ecrã, se nos perguntarem o que é que aconteceu na sexta temporada de Friends (já nem digo num episódio em específico), ou vamos demorar algum tempo a nos lembrarmos ou vamos lá chegar com umas pistas que, de repente, desbloqueiam todo um conjunto de memórias.

Não querendo transformar este texto descontraído num artigo científico sobre a memória, nem estando em posição de o fazer, o cérebro necessita de organizar as toneladas de informação com que lida. Nesse processo, muita informação é descartada e na nossa memória a longo prazo fica apenas uma fração importante de tudo o que vimos e ouvimos. Na era digital, em que tudo é conteúdo, tem scroll infinito e está disponível a qualquer momento, a probabilidade de um post em específico nos ficar marcado na memória é cada vez menor. Não quer isto dizer que, se o mesmo conteúdo nos voltar a aparecer à frente, iremos o ver como se fosse a primeira vez. Apenas realça que essa informação fica mais escondida nas nossas memórias e pode requerer ser relembrada (um pouco à semelhança dos fãs esquecidos de Chainsaw Man que agora têm estado a ver a adaptação). Acredito que desse origem a dores de cabeça desagradáveis se nos lembrássemos da ordem exata e de todo o conteúdo que vimos nas últimas duas horas que passámos a deslizar pelo TikTok.

Para finalizar, se acham interessante quer o tema da memória e retenção de informação como o da educação, sugiro vivamente que investiguem o lado científico dos temas. Apesar de o que já aqui referi, o descanso da incessante aprendizagem académica poderá passar mesmo por alargar os nossos conhecimentos sobre campos que pouco ou nada têm a ver com as engenharias. E não se sintam mal se não conseguirem recontar a história das últimas séries que viram, ou qual era a piada dos últimos Reels que o vosso amigo vos enviou. É um pouco como não sabermos o que foi o almoço ontem. Estava bom, foi agradável e alimentou-nos naquele momento, mas não vale a pena reter todo o detalhe. Serviu para o que serviu.

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