Onde a falta de comunicação nos fez chegar

Autoria: Miguel Rocha, MEIC-A (IST)

Imagem de capa: Catarina Monteiro (https://www.catarinafelixmonteiro.com/)

Inicio este texto apresentando a questão que servirá de base a esta reflexão: como é que chegámos aqui? Como é que chegámos a um ponto tão frágil na relação entre direção, corpo docente e alunos que um e-mail do nosso presidente, a condenar fraude académica,  gerando um grito de revolta de grande parte dos alunos do Instituto Superior Técnico? Este pequeno evento, o envio de um simples comunicado – no qual o tipo de discurso utilizado não considero adequado para a situação atual – revelou-se como a última gota para um conjunto de alunos que cada vez mais se encontram insatisfeitos com a forma como o sistema os trata, ou, pondo de outra forma: como os aparenta tratar. 

Dentro do Instituto Superior Técnico existem, sim, órgãos que têm o interesse dos alunos em conta quando se tomam decisões – Conselho Pedagógico e Conselho de Gestão, em particular destaque – mas este interesse não passa, na grande parte das vezes, cá para fora. Existindo esta falha de comunicação entre estes órgãos e alunos, gera-se um estado de conflito apoiado na ideia que a instituição não se preocupa com eles. Chegamos aqui ao nosso primeiro entrave, e ao primeiro tópico que ajudará, pelo menos, a criar uma possível resposta à conjetura proposta: como é que chegámos aqui? Apesar de uma notável melhoria nos últimos anos neste aspeto, continuam a faltar linhas de comunicação entre os vários órgãos superiores do IST e grande parte dos estudantes. Um aumento da transparência, neste aspeto, faria bem à instituição e ajudaria os alunos a perceber que há, de facto, pessoas, docentes e não-docentes, prontas a tentar injetar mudança dentro da instituição, e a fazer com que a nossa voz – a dos estudantes – seja ouvida. 

No entanto, e como em tudo na sociedade que envolve mudança, nem todas as pessoas ficarão satisfeitas com as mudanças, ora por habituação e conformismo para com uma situação, ora por uma procura de manter um status quo que beneficia uns e prejudica outros. E, aqui na manutenção do status quo, os alunos sentem que o atual estado das coisas os prejudica mais que os beneficia. E aqui é onde entra a questão da fraude académica, tema principal do e-mail do nosso presidente. Referir, desde já, que considero entender a sua preocupação para com este tema real: a fraude académica deve de ser combatida e, quando descoberta, punida. No entanto, qual destas ações deverá ser prioritária? O combate ou a punição? O e-mail do professor Rogério Colaço em questão – Comunicado COVID19 (26) –  foca-se mais na segunda, quando devia focar-se mais na primeira: no combate. E quando refiro a palavra combate aqui, não a refiro num sentido literal, de luta. Refiro-a mais num sentido de articulação entre docentes e alunos, entre órgãos escolares e alunos, para se entender por que é que os alunos cometem fraude académica e, perante isto, tentar arranjar soluções para as situações reportadas. A fraude académica não é um problema por si só: surge, na sua grande maioria, como consequência de outros problemas – como, por exemplo, métodos de avaliação desatualizados, que levam a uma sobrecarga de trabalho por parte dos alunos ao longo da sua estadia no Instituto Superior Técnico – e surge como a solução final de muitos estudantes para tentarem obter uma melhor classificação a uma dada unidade curricular – ou quiçá, apenas passar com um dez. 

E agora, ao falar desse dez tão procurado, surge a questão das notas. Desde cedo, somos condicionados, pelo sistema escolar, que notas têm muito mais importância que a nossa aprendizagem, saúde mental… enfim, de que as notas são mais importantes que muitos outros aspetos da nossa vida. E, no sistema atual, de facto, acabam por ser – ditam muito da nossa vida futura. E, no Instituto Superior Técnico, este fenómeno acaba por esticar-se a um máximo, ao ponto de que a universidade, e todos os fatores que a rodeiam, tornam-se a personalidade dos alunos. Façam uma auto-análise sobre esta questão, e rapidamente  aperceber-se-ão desta realidade. E, muito disto, provém de um sentimento de impotência para mudar um sistema que parece estar contra nós. Um que, muitas vezes, parece ter uma maior habilidade para prejudicar um aluno do que o beneficiar. E quando este sentimento se prolonga ao longo do tempo, chega um momento em que este acaba por implodir. O e-mail enviado pelo presidente da nossa instituição serviu de combustível para esta chama que ardia em muitos alunos, e os movimentos consequentes que se seguiram surgem em consequência de anos e anos da acumulação deste sentimento: o sentimento de impotência para conseguir levar a alterações profundas no sistema de funcionamento do Instituto Superior Técnico – de como os alunos são tratados, como são avaliados. Da enorme precariedade que assombra o Ensino Superior português.

O Instituto Superior Técnico premeia-se, regularmente, pela sua excelência. Está na hora de expandir este conceito além da tecnologia e da investigação, também para a criação de métodos e estratégias que façam os alunos sentir-se menos desprotegidos, que façam os alunos sentir que estão no sítio certo. Não faz sentido, em 2021, os alunos queixarem-se exatamente do que muitos dos seus pais, estudantes passados em anos já longínquos, se queixavam. A altura de iniciar uma mudança profunda no sistema de ensino parte de todos nós: docentes, alunos, direção. Temos de ter todos um papel ativo nesta causa.

Por isso, como é que chegamos aqui? Com tempo. E com tempo, a mudança virá – mas desejamos que venha mais rápido do que se imagina. E para isso, a partir de hoje, é necessário que todos contribuam para a diminuição da inércia e para o combate aos problemas de um sistema que não parece estar do nosso lado. Aos alunos: reportem os problemas aos vossos representantes. Aos docentes e direção: lembrem-se que nós, os vossos estudantes, somos o futuro desta instituição e somos, também, o futuro deste país. A nossa opinião merece ser tida em conta, e se já está a ser tida em conta, merecemos saber de que forma é que esta está a causar mudanças que poderão reduzir o sentimento de incompreensão, de ignorância, que aparentemente os órgãos sentem perante a opinião dos alunos. Só assim sairemos desta situação de extrema fragilidade que nos encontramos atualmente.

Nota final: No próximo dia 4 de fevereiro, pelas quinze horas, será realizada uma Assembleia Geral de Alunos (AGA), promovida pela nossa Associação de Estudantes, sobre estes temas. Deixo o convite para participarmos todos e expor as nossas opiniões e preocupações sobre estes e outros temas relacionados, também eles, pertinentes.

Formulário de pré-inscrição: Aqui.

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