Alegado espião nazi, amigo de Salazar, Mecenas e patriarca do grupo BES

Biografia quinzenal #1: Ricardo Espírito Santo

Autoria: João Carranca (LEEC)

Aos 16 anos, Ricardo, rapaz fascinado por antiguidades, chega a casa com um tapete do século XVIII em péssimo estado. É troçado por todos os irmãos que, repugnados pela deterioração do tapete, não entendem o fascínio de Ricardo. Foi o primeiro item que adquiriu, o início daquele que se tornou o seu maior hobbie: colecionar arte. Tinha um gosto particular por arte decorativa e mobília de casas. Ao mesmo tempo, como todos os gentleman da elite Europeia, praticava inúmeros desportos, desde ténis a esgrima a Golf e até Bridge, o jogo de cartas favorito da aristocracia. Neste último, era reconhecido internacionalmente como um dos maiores jogadores da sua geração. A sua família, no entanto, era uma família de banqueiros e economistas, não de desportistas. Ricardo tinha algum talento para a área de finanças e rapidamente subiu no grupo empresarial que viria a ser mais tarde o Grupo Espírito Santo. Portugal, nesta época, contrastava com o enorme glamour da vida de Espírito Santo. O golpe militar de 26 faz cair a República e um então jovem rapaz apontado a padre toma gradualmente as rédeas do país. Em Ricardo, vai crescendo uma admiração por este rapaz, de idade próxima à sua e nome Salazar. Os dois começaram a conviver intensamente.

Todos os domingos jantavam juntos. Salazar era talvez nesta altura o seu melhor amigo e ao mesmo tempo objeto de sua enorme admiração. A relação era de tal forma forte que, durante uma viagem ao estrangeiro, como forma de compensar a sua ausência, Ricardo enviava, todos os domingos, cartas quase românticas a Salazar descrevendo prosaicamente a falta que este lhe fazia e o quanto ansiava voltar o mais rapidamente possível. Foi também Ricardo que mobilou o palácio de São Bento, residência oficial do Presidente do Conselho, após alguma insistência. Salazar era um homem que para além de teimoso era forreta por natureza, com uma fobia quase doentia a qualquer forma de luxo, conjunto brilhante de características que o levou a recusar insistentemente a oferta de Espírito Santo, oferta esta que só aceitou mediante a condição de ser ele mesmo a escolher o preço da mobília peça a peça. 

Os dois bons amigos falavam ao telefone todos os dias. Tinham conversas demoradas  sobre política, sobre negócios, mas também sobre um tópico de primordial importância para ambos: saúde e doenças. Doenças e problemas de saúde que os afligiam. Exatamente aquelas conversas de circunstância em que os portugueses mais idosos em particular se especializam só que tidas ao mais alto nível da elite do país e entre dois homens de 40 e poucos anos.  

Ricardo Espírito Santo raramente se ausentava do país, não só pela dor que lhe causava separar-se de Salazar mas também porque tinha um enorme medo de aviões. Era um medo inconveniente por causa das suas atividades empresariais mas não só. Ricardo estabeleceu uma rede de agentes no Ocidente para se manter informado sobre as movimentações nos principais mercados de arte europeus sem ter de passar pelo horror dos aviões. Como apaixonado colecionador e grande especialista de História da Arte, patrocinou a publicação de várias obras até ao fim da sua vida.

É por esta altura que implode o conflito do século. Portugal sob o comando de Salazar faz toda a ginástica diplomática possível e imaginária para se manter fora da grande guerra que ameaçava engolir a Europa de vez. Ricardo Espírito Santo não tanto. Em 1940, recebe em sua casa os duques de Windsor, Edward Windsor, de 46 anos, e a mulher Wallis Simpson, de 44. Edward Windsor é mais popularmente conhecido por Edward VIII, o famoso antigo Rei de Inglaterra que abdicou por amor em 1936 e que nunca escondeu a sua admiração por Hitler e pelo regime Nazi. Os duques ficam 29 dias na casa de Espírito Santo, muito mais do que o originalmente previsto. Durante esses 29 dias, Ricardo alegadamente recebeu em sua casa vários agentes alemães e aliados dos Nazis em Portugal. Antes de deixar Portugal no dia 1 de agosto rumo às Caraíbas, o duque terá supostamente aceitado cooperar com a Alemanha nazi. E terá combinado um código secreto com Ricardo. Esse código serviria para avisar o duque de que chegara a altura de ele regressar de imediato à Europa. Existe ainda um telegrama do embaixador alemão em Madrid, enviado ao ministro dos Negócios Estrangeiros Nazi, Ribbentrop , a informá-lo de que se havia posto “em contacto com o nosso confidente, e anfitrião do Duque, o banqueiro Ricardo Espírito Santo Silva”. 

O BES é descrito nesta época pelos altos dirigentes dos vários serviços secretos dos Aliados, desde o MI5 à CIA como “uma agência de transmissão de fundos para os agentes alemães” e Espírito Santo como “O banqueiro dos Nazis”. Ricardo lidava diretamente com enormes somas de dinheiro que chegavam da Alemanha através da Suíça. Este dinheiro era, de acordo com as fontes dos Aliados, quase de certeza o saque que os alemães capturaram nos países ocupados. O Ministério britânico da Guerra Económica (MEW) chega a ameaçar colocar o Banco Espírito Santo na lista negra, só não o fazendo devido à intervenção do embaixador britânico em Portugal que tinha muito boas relações com a família Espírito Santo. Os Americanos em 1944 fizeram-no mesmo, obrigando o BES a chegar a um compromisso. 

O grupo BES (denominado BESCL na época) consolidou a posição dominante durante a Segunda Guerra de que já gozava no mercado português. Os lucros e a carteira comercial mais do que duplicaram entre 1939 e 1945. Os depósitos cresceram sete vezes. No mesmo período, a quota do mercado do banco passou de 13% para 25% do total do dinheiro depositado em instituições portuguesas.

Ricardo Espírito Santo morreu na madrugada de 2 de fevereiro de 1955, com 54 anos. A relação de bens por óbito do milionário preencheu 448 páginas datilografadas. O grupo BES, que ajudara a fundar em 1920, fechou as portas no verão de 2014. Pela mão de um dos 24 netos, também chamado Ricardo. Ricardo Espírito Santo Silva Salgado, nascido em 1944. Caiu assim um império, que tal como o próprio Ricardo Espírito Santo, sempre esteve envolto em controvérsias.

Referências:Expresso | Ricardo Espírito Santo e a colaboração Nazi.

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