Humanidade: a Colónia

Imagem de destaque por Eugenijus Kavaliauskas

Autoria: João Rodrigues (LEFT)

É comum ouvir-se dizer que as formigas são uma espécie com várias semelhanças ao Homem. Desde a sua enorme população à sua complexa organização social, até que ponto poderão a estrutura da colónia e o estilo de vida destes pequenos insetos ser comparados aos nossos?

As formigas são uma das espécies mais populosas do planeta com uma população total de 20 mil biliões. Estão em praticamente todos os territórios e apresentam um complexo nível de comunicação e organização social. A sua presença afetou a evolução de várias plantas e animais. São também dos poucos seres vivos, além do ser humano, que têm várias raças conflituosas entre si, gerando, normalmente, guerra por uma questão territorial ou disputa de alimentos. São agressivas e guerreiras, mas também cooperativas e altruístas, pois vivem pelo progresso da colónia e proteção da rainha. Por estas razões, são muitas vezes descritas por serem um superorganismo e não seres individuais. Deste modo, verifica-se, portanto, as suas semelhanças com os humanos. Ou será na verdade o contrário?

Ora, apesar de uma breve descrição das formigas e das suas colónias, é possível concluir-se um contrassenso na comparação inicial. A marca egocêntrica e narcisista do Homem é mais uma vez visível. Ao assemelhar uma espécie vista como inferior a nós mesmos, pretendemos dar relevo às qualidades que nos distinguem dos outros seres vivos: o facto de sermos seres conscientes, concebidos com lógica e inteligência.  No entanto, falhamos em captar a verdadeira lição que provém de tal semelhança: o Homem assemelha-se às formigas, e não o contrário.

Assentamos cada vez mais na realidade vivida nas colónias em que a quase inexistência de individualidade e a criação de um superorganismo são progressivamente mais visíveis na sociedade. Com o avanço das tecnologias e o fácil acesso a informação na internet ou nos media, alcançamos um ponto na evolução humana em que o conhecimento momentâneo é o predominante. As pessoas acomodam-se no conforto de casa e das distrações que nela estão disponíveis e participam ativamente no consumismo que ensombra a realidade atual. A procura de conhecimento e a capacidade de pensamento crítico na busca de encontrar algo verdadeiramente significativo para cada indivíduo é consequentemente mais escassa. A falta de motivação e raciocínio próprios dominam na sociedade, resultando numa população ociosa que vive apenas dos vícios e do trabalho.

Vivemos numa bolha, numa ilusão, num estado hipnótico, numa espécie de rotina diária presente num ciclo da vida, passando a maior parte dos nossos dias a dormir, comer e trabalhar, podendo periodicamente desfrutar dos lazeres que o pouco tempo livre nos traz (que na realidade só nos abstraem da vida rotineira que levamos). Tudo isto assentando num plano comum de crescer, estudar, trabalhar, criar uma família, sustentá-la e “disfrutar” da reforma até os dias terminarem, caindo, portanto, no esquecimento, sem nunca ter realmente deixado uma lembrança unicamente nossa para os outros. Com certeza existiremos nas memórias dos nossos familiares e amigos por uns tempos, no entanto, chegando também a hora deles partirem, nada mais restará da nossa presença neste planeta, nenhum legado deixado para trás.

Somos máquinas programadas para cumprir com as nossas obrigações e a viver por elas até morrer. Obedecemos cegamente “à rainha”, como quem diz, aos nossos políticos e soberanos, e até mesmo multibilionários e empreendedores, que controlam e governam o mercado, e consequentemente a sociedade, na condição que estes magnatas da colónia nos sustentem pelo menos com as necessidades básicas de vida e distrações suficientes para nunca se alcançar o perigo iminente de uma revolução.

As formigas são ditas escravas da rainha, vivem e morrem por ela. Então, quão distintos somos nós das formigas? Na constante vivência da rotina e do ciclo dedicamos as nossas vidas à sociedade sem nunca deixar uma marca de nós próprios, sem nunca nos dedicarmos completamente às nossas individualidades e sonhos pessoais. Comprometemos estas efémeras ideias, porque sentimos a necessidade e obrigação de “cumprir o ciclo” e as normas que nos foram impingidas, pois outras escolhas podem ser arriscadas. Não somos forçados a nada, no entanto, tornou-se esta a regra e o modo de vida considerado sustentável. Se fugires à norma e tentares alcançar um espetro de individualidade és frequentemente questionado pelas tuas opções.

É estranho pensar neste facto, podendo até parecer contraditório, mas são muitas vezes as celebridades que fogem à vida da “colónia”. Perseguindo os seus sonhos e alcançando, por vezes, uma certa independência monetária que as liberta do resto da sociedade. No entanto, é comum serem também prisioneiros do seu próprio destino. Na constante luta por manter aparências e uma vida realmente pessoal, as celebridades são muitas vezes forçados pela pressão dos fãs e dos media, que representam a população, a mais uma vez fazer parte do ciclo e da colónia. Na perseguição das suas individualidades, acabam com frequência a personificar alguém que não eles próprios, nunca alcançando a liberdade que se seria de esperar nas suas posições e na concretização dos seus sonhos.

E assim vivemos nesta enorme bolha que é a sociedade. Não somos formigas, mas somos uma colónia. É provável que esta seja uma verdade inalterável. Cabe a cada um de nós ser uma formiga e contribuir para a sociedade, não negligenciando os nossos diversos sonhos e objetivos, ter motivação e pensamento crítico. Somos definitivamente todos diferentes uns dos outros, o que falta para sermos únicos é iniciativa.

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