A origem da Inteligência Artificial remete-nos para a sexta década do século XX, porém, o seu desenvolvimento expressivo apenas se verificou recentemente. Neste segundo artigo, pretendemos compreender o motivo do seu atraso evolutivo e os elementos principais que permitiram exponenciar o seu valor recentemente.
Autoria: João Valério, MECD
A Inteligência Artificial (AI) teve origem, enquanto campo científico, em 1956, com o intuito de replicar numa máquina o nível de pensamento humano. No entanto, apenas na última década o seu progresso tem sido significativo.
Efetivamente, no início, a AI foi idealizada como um conceito totalmente inovador, dadas as bases de pensamento em que se alicerçavam alguns estudos nesta área. Em consequência, formaram-se inúmeras opiniões, otimistas e pessimistas, relativamente à sua evolução. Porém, constatou-se que apesar dos conceitos revolucionários subjacentes à mesma, as projeções animadoras relativamente ao seu futuro, como são os exemplos das afirmações de Herbert Simon (1) e Marvin Misnky (2), vieram a revelar-se excessivamente ambiciosas.
A investigação, levada a cabo nos anos subsequentes à sua origem, acabou por demonstrar que muitas tarefas desempenhadas por seres humanos com grande facilidade eram muito difíceis de replicar num computador (OLIVEIRA, Arlindo, 2019). Hans Moravec comprovou, mais tarde em 1988, na sua obra Mind Children, que era mais simples reproduzir comportamentos que exigissem raciocínios matemáticos complexos do que capacidades acessíveis ao nível do período sensório-motor (3), como por exemplo reconhecer uma face. De facto, quase todas as capacidades do cérebro humano que estão relacionadas com a perceção e interação com o mundo real revelaram-se especialmente difíceis de replicar (OLIVEIRA, Arlindo, 2019). Este contraste de dificuldades é intitulado de Paradoxo de Moravec, o nome do próprio autor.
Apesar das dificuldades evidenciadas, a AI efetuou progressos bastante interessantes nas duas primeiras décadas de vida, destacando-se os projetos ELIZA e General Problem Solver. O programa de computador ELIZA, concebido por Joseph Weizenbaum, era uma ferramenta de processamento de linguagem natural, com a capacidade para simular uma conversa com um ser humano (HAENLEIN, Michael; KAPLAN, Andreas, 2019), apresentando-se como um dos primeiros projetos com aptidão suficiente para tentar triunfar no Teste de Turing. A outra história de sucesso nos tempos primordiais da AI foi o General Problem Solver, desenvolvido por Herbert Simon, Cliff Shaw e Allen Newell, com a habilidade para resolver automaticamente problemas específicos simples, como por exemplo a Torre de Hanói (HAENLEIN, Michael; KAPLAN, Andreas, 2019).
As conquistas expostas, e outras não mencionadas, permitiram o incremento do investimento neste ramo científico. Contudo, os desenvolvimentos efetuados não apresentavam aplicabilidade direta na indústria e, prontamente, a sua prosperidade começou a ser fortemente contestada. A título de exemplo, em 1973, o matemático britânico James Lighthill publicou um relatório, solicitado pelo British Science Research, no qual questionava a perspetiva otimista por parte de alguns investigadores no ramo (HAENLEIN, Michael; KAPLAN, Andreas, 2019). Como resultado das objeções apresentadas, o investimento reduziu abruptamente provocando o período mais negro da sua história, conhecido por AI Winter, em que o progresso estagnou quase por completo.
Mais recentemente, tanto a sua evolução como os investimentos cresceram nitidamente, como nunca antes visto, remetendo-nos para o título desta redação: Porquê Agora? Efetivamente, apesar do retardamento, o progresso em AI não paralisou totalmente. Prova disso é a definição da mesma que se foi moldando à atualidade corrente, evidenciando as disparidades entre definições apresentadas pelos seus fundadores (4), em 1956, e por Michael Haenlein e Andreas Kaplan (5), em 2019. Assim, para além das novas abordagens neste campo científico, existem essencialmente três forças tecnológicas que permitiram impulsionar estonteantemente este desenvolvimento:
- O crescimento exponencial da velocidade computacional, cientificamente conhecida como a Lei de Moore. Nick Polson e James Scott apresentam uma analogia referente a esta evolução bastante elucidativa citando “Em 1951, um dos computadores mais rápidos era o UNIVAC, que efetuava dois mil cálculos por segundo, enquanto um dos carros mais rápidos era o Alfa Romeo 6C, que fazia 177 quilómetros por hora. (…) se os veículos tivessem melhorado ao mesmo ritmo dos computadores, então um Alfa Romeo moderno faria oito milhões de vezes a velocidade da luz.”
- A revolução digital proveu-nos com uma quantidade de dados astronómica, que cresce diariamente a passos largos. Estes funcionam para os modelos inteligentes como a gasolina funcionava para o Alfa Romeo 6C.
- A computação em nuvem contribui, fortemente, para a democratização na AI, ao possibilitar o acesso ao conhecimento e às infraestruturas digitais por parte de qualquer entidade, e não só dos monopólios económicos. A maioria dos entusiastas ou das pequenas empresas enfrentaria custos proibitivos se tivesse de comprar todo o equipamento e deter o conhecimento necessário para construir um sistema de AI a partir dos seus dados (POLSON, Nick; SCOTT, James, 2020). Por outros termos, permite que qualquer entidade tenha acesso ao Alfa Romeo 6C (infraestrutura digital) e à sua gasolina (dados).
Em jeito de conclusão, a Inteligência Artificial verificou a sua maior evolução nos últimos anos, fruto das áreas de estudo desenvolvidas e dos recursos resultantes da recente evolução tecnológica; o seu progresso expressivo tem permitido impulsionar as suas capacidades excecionais, desempenhando um papel fulcral e inovador em inúmeras áreas da indústria.
(1) Em 1957, o economista Herbet Simon previu que, em 10 anos, os computadores venceriam os humanos no xadrez (BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew, 2017).
(2) Em 1967, o cientista cognitivo Marvin Minsky citou que “dentro de uma geração, o problema relativo à criação de Inteligência Artificial será substancialmente solucionado” (BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew, 2017).
(3) Período de vida de um ser humano entre o seu nascimento e os dois anos de idade.
(4) John McCarthy, Marvin Minsky, Nathaniel Rochester e Claude Shannon definiram a AI como “a ciência e engenharia de produzir sistemas inteligentes”.
(5) Michael Haenlein e Andreas Kaplan definem a AI como “A capacidade do sistema para interpretar corretamente dados externos, aprender a partir desses dados e utilizar essas aprendizagens para atingir objetivos e tarefas específicos através de uma adaptação flexível.”
Bibliografia:
- BROOKS, Rodney (1986) – Intelligence Without Representation. Massachusetts: MIT Artificial Intelligence Laboratory.
- MORAVEC, Hans (1988) – Mind Children. Massachusetts: Harvard University Press.
- BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew (2017) – The Business of Artificial Intelligence. Massachusetts: Harvard Business Review.
- OLIVEIRA, Arlindo (2019) – Inteligência artificial. 1ª ed. Lisboa: ENSAIOS DA FUNDAÇÃO. Pág. 54-55.
- HAENLEIN, Michael; KAPLAN, Andreas (2019) – A Brief History of Artificial Intelligence: On the Past, Present, and Future Artificial Intelligence. Berkeley: California Management Review. Pág. 3.
- POLSON, Nick; SCOTT, James (2020) – Inteligência Artificial. 1ª ed. Lisboa: Vogais. Pág.14.