Mulheres na Ciência: O contributo oculto

Autoria: Maria Benedita Ferreira (LEAmb) e Tiago Brito (LEC)

Quando ouvimos falar em progresso científico, os nomes referidos são, de um modo geral, nomes masculinos. O que quererá isto dizer? Que o género feminino não teve contributo para este progresso? 

Muito pelo contrário.

Ao longo dos anos, tem sido constante a existência de disparidades de género no que diz respeito às áreas das ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres representam apenas 12% do total de membros de academias científicas nos Estados Unidos da América, e 28% do total de licenciados em cursos de engenharia[1]. A UNESCO, órgão das Nações Unidas destinado às áreas da ciência, cultura e educação, refere também que, dos 607 Prémios Nobel atribuídos nas áreas da Física, Química e Medicina ou Fisiologia, apenas 20 foram atribuídos a mulheres, o que, expresso em percentagem, corresponde a 3%[2]. Estes são apenas alguns exemplos do grave problema que continua a ser a desigualdade de género, que evidenciam o longo caminho que a nossa sociedade ainda tem de percorrer, de modo a erradicá-lo.

Contudo, historicamente, as mulheres desempenharam um papel  fulcral no que toca ao progresso científico, continuando a fazê-lo hoje em dia. Nas suas vidas, algumas chegaram até a ser ignoradas ou a não receber o reconhecimento merecido pelo seu trabalho. Foi o que sucedeu com, por exemplo, Rosalind Franklin.

Rosalind Franklin (1920-1958)

Rosalind Franklin (Fonte: Elliott Fry/National Portrait Gallery)

Nascida em Londres a 25 de julho de 1920, a química britânica Rosalind Franklin foi responsável pela descoberta e compreensão das estruturas moleculares do vírus, do carvão mineral e da grafite, trabalhos pelos quais recebeu crédito durante a vida. 

Através do método de difração dos raios-X, Franklin produziu a imagem conhecida por Fotografia 51, que foi decisiva para a descoberta da estrutura do Ácido Desoxirribonucleico (ADN). No entanto, esta imagem chegou, sem consentimento de Franklin, a James Watson e Francis Crick, que, através da mesma, formularam o famoso modelo da dupla hélice, não atribuindo crédito em nenhuma instância à cientista. Este modelo valeu-lhes o prémio Nobel da Química, em 1962.

Nos últimos anos, Rosalind Franklin tem vindo a ser cada vez mais reconhecida pela sua contribuição para esta importante descoberta[3].


No entanto, este não é o único caso assim. Quando se fala na génese da programação, são raras as vezes em que o nome de Ada Lovelace é mencionado. Todavia, sem o seu contributo, a programação não seria tal qual a conhecemos hoje.

Ada Lovelace (1815-1852)

Ada Lovelace (ilustração de SSPL / Getty)

A matemática e escritora inglesa Ada Lovelace nasceu a 10 de dezembro de 1815. Desde pequena, foi encorajada a estudar matemática e lógica. O seu talento nestas áreas levou-a a conhecer Charles Babbage, matemático inglês com quem manteve uma relação tanto profissional como de amizade.

Em 1842, Babbage deu uma palestra na Universidade de Turim, na qual apresentou a máquina analítica, protótipo computacional por ele desenvolvido, que poderia vir a substituir a máquina diferencial. Após a palestra, pediu a Ada Lovelace que traduzisse o documento da palestra para a língua inglesa. Ada, por sua vez, não se limitou à tradução, tendo adicionado algumas anotações de sua autoria. Estas anotações continham precisamente o algoritmo que seria processado por estas máquinas[4].

Apesar de, na época, o seu nome ter ficado “na sombra” do de Charles Babbage, Ada recebeu bastante crédito a título póstumo, sendo atualmente reconhecida por muitos como a primeira programadora da História[5].


A nível nacional, apesar de não ter havido nenhum caso como os apresentados anteriormente, a discriminação do género feminino foi evidente durante muito tempo. Não obstante , houve mulheres que resistiram a esta discriminação, cujo contributo foi fundamental para a emancipação das mulheres portuguesas, merecendo, por isso, uma menção honrosa. Destacam-se os casos de Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo, e Ana de Castro Osório.

Adelaide Cabete (1867-1935) / Carolina Beatriz Ângelo (1878-1911) / Ana de Castro Osório (1872-1935)

Carolina Beatriz Ângelo (esquerda), Ana de Castro Osório (centro) e Adelaide Cabete (direita)

Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete eram médicas de profissão, tendo Carolina Beatriz Ângelo sido a primeira mulher cirurgiã, e Adelaide Cabete a terceira mulher a concluir o curso de Medicina. Ana de Castro Osório era escritora. As três mulheres tinham uma coisa em comum, a luta pelos direitos das mulheres e pela emancipação feminina. Fundaram a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, em 1908, Liga esta que defendia a emancipação feminina e o sufrágio feminino. 

A 28 de maio de 1911, aquando das eleições da Assembleia Constituinte, Beatriz Ângelo tornou-se a primeira mulher a exercer o direito de voto, gesto que contribuiu significativamente para a futura emancipação feminina, mais tarde nesse século[6][7][8].


Numa realidade mais próxima de nós, não podemos deixar de referir o nome Odette Ferreira, uma cientista portuguesa que deixou a sua marca na ciência há relativamente pouco tempo.

Odette Ferreira (1925-2018)

Odette Ferreira

Maria Odette Santos Ferreira destacou-se pelo seu trabalho na área da infeção pelo vírus VIH (SIDA). Foi farmacêutica, professora, investigadora e coordenadora do Programa Nacional de Luta Contra a SIDA, representando Portugal ao mais alto nível. Contribuiu para a identificação de um segundo vírus responsável pela SIDA, o HIV do tipo 2, que revolucionou o estudo desta infeção.

Fez vários projetos ao longo da sua vida dos quais fizeram parte o projeto de troca de seringas nas farmácias, denominado “Diz não a uma seringa em segunda mão” e a criação dos Centros de Rastreio anónimos e gratuitos[9].


Felizmente, nem todas as mulheres que trabalharam na ciência foram totalmente ignoradas. Ao abordar este tema, não podemos deixar de mencionar os nomes que conseguiram ultrapassar as dificuldades e ficar marcados na história, tendo tido, ainda assim, apenas parte do reconhecimento merecido.

Marie Curie (1867-1934) / Chien-Shiung Wu (1912-1997)

Marie Curie foi a primeira mulher a receber o Prémio Nobel da Física, em 1903, e da Química, em 1911, enquanto que Chien-Shiung Wu foi a primeira a receber o Prémio Wolf de Física, em 1978. 

Viveram em épocas e contextos sociais distintos, no entanto, Chien-Shiung Wu foi muitas vezes comparada a Marie Curie, uma vez que ambas trabalhavam com física experimental, tendo ficado conhecida como “Madame Curie da China”. Marie Curie teve um papel muito importante na descoberta e no estudo da radioatividade e Chien-Shiung Wu teve um grande impacto no âmbito da física nuclear[10][11].


Para terminar, segue-se uma sugestão de um filme relacionado com a temática deste artigo.

Elementos Secretos (2016)

Filme “Elementos Secretos” (2016)

Este filme retrata a história de três matemáticas (Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson) que trabalharam para a NASA nos anos 60, tendo contribuído para que fosse possível colocar o astronauta John Glenn no espaço[12].


Além dos nomes referidos, muitos mais ficaram por referir. É sempre importante, por isso, reforçar a importância que estas mulheres tiveram, não só para a ciência, como para a igualdade de género.

O trabalho feito por elas nunca deve ser esquecido e as suas vidas devem servir de exemplo para as mulheres de hoje em dia, bem como para toda a humanidade.

Referências:

[1] Dia Internacional das Mulheres na Ciência

[2] Mulheres e a Revolução Digital

[3] Rosalind Franklin

[4] Ada Lovelace

[5] Mulheres cientistas que a História escondeu

[6] A mulher e o direito ao voto

[7] Adelaide Cabete

[8] Ana de Castro Osório

[9] Ordem dos Farmacêuticos – Odette Ferreira

[10] A vida e legado de Marie Curie

[11] Bolsa de Estudos Chien-Shiung Wu

[12] Elementos Secretos (Filme)

Leave a Reply