Autoria: Francisco Raposo (MEFT)
Hoje é-me imposto (por ninguém, senão pelas vozes da minha cabeça) que falemos sobre algo pouco polémico. E que tal religião?
Aprecio as mitologias grega e romana.
Esperavam que falasse de uma religião que ainda existe? Pensaram mal. Se querem que fale sobre a vossa religião, morram primeiro.
Aprecio as mitologias grega e romana. Aprecio, apesar de julgar ser possível ainda assim melhorá-las. Se os gregos clássicos ou os romanos fossem hoje vivos, andando de um lado ao outro, massacrando e escravizando populações derrotadas em guerras fúteis, teria algumas críticas construtivas para oferecer em relação às crenças que cultivavam.
É que os deuses são demasiado icónicos. As histórias que os circunscrevem demasiado fantásticas, os seus traços e castigos demasiado fortes e implacáveis. “Ai, roubei o fogo dos Deuses, e agora Zeus agrilhoou-me a esta pedra aguçada, e todos os dias uma águia (mais alguém insatisfeito com as recentes prestações do Benfica) vem dilacerar-me o fígado, ai!”. Ora, o meu tio bebia muito e agora tem cirrose, ele até agradecia que lhe sucedesse algo semelhante ao fígado.
Não, não posso concordar que todos os deuses gregos ou romanos sejam assim tão singulares e agrestes na utilização da sua força, e que, ainda mais, representem conceitos tão gerais e puros de essência quanto a Água e o Fogo, ou a Guerra e o Amor.
Sabem o que queria? Queria um deus que fosse apenas eh. Percebem o que quero dizer? Um deus que fosse meramente eh.
O que eu queria, realmente, era uma Deusa das Sensações Ligeiramente Desagradáveis. Assim poderíamos ter situações cujo impacto fosse perfeitamente medíocre.
“Ó não, esqueci-me de louvar a Deusa das Sensações Ligeiramente Desagradáveis antes de entrar na cidade e, agora, sempre que acabo de calçar as meias, piso as zonas molhadas da casa de banho.”
“Oh não, não sacrifiquei três bois e duas cabras em louvor à Deusa das Sensações Ligeiramente Desagradáveis e, agora, sempre que como, vem-me o refluxo à garganta.”
“Oh não, esqueci-me de agradecer à Deusa das Sensações Ligeiramente Desagradáveis por me ter soltado das amarras daquela desconfortável comichão de ouvido, que parecia inacessível a todos dedos da mão, e que me obrigou a estar mais de uma hora a fazer aquele coçar esquisito de garganta, em que parece que estamos a tentar encantar um réptil; e ela agora vingou-se, fazendo com que, de todas as vezes que mordo uma sandes, morda o guardanapo que a cobre, e às vezes o papel de prata que protege o guardanapo que a cobre! O horror!”
Isto sim era um ser deítico em condições e que causaria até mais receio do que outros Deuses mais populares… Só me faltaria um poeta ou dramaturgo que os imortalizasse na sua emblemática obra. Já se conhecem os gigantes Homero, Ovídio e Virgílio. É com grande prazer que abro alas a outro grande e desconhecido nome da literatura clássica: Hotarius Pacovius.