Chromakopia ou como desiludir com um álbum excelente

Autoria: Mário Rui Viana (LEEC) 

A mais influente figura do rap alternativo está de volta com o seu oitavo álbum de estúdio. Um projeto irreverente, eclético e genuíno, mas, acima de tudo, minado pelas expetativas criadas pelas icónicas obras-primas com que Tyler, The Creator se afirmou no virar da década.

Uma marcha retumbante, um vídeo com estética misteriosa e 90 segundos da épica faixa de abertura [2]. Estava anunciado Chromakopia, a apenas 12 dias do seu peculiar lançamento a uma segunda-feira. E, com isso, cresciam as expectativas em torno de um novo álbum conceptual de Tyler, The Creator. 

Para os menos entendidos, Tyler Okonma não é um artista qualquer. No espaço de uma década passou do indomável pirralho do hip-hop underground que emergia nas redes sociais para um dos mais conceituados artistas em atividade [3]. Em IGOR (2019), produziu um dos melhores álbuns da década, numa fusão do seu estilo rebelde com pop, jazz e funk [4].  Assim, naturalmente, a promessa de um novo lançamento carrega consigo o peso desta premiada discografia.

Promessa essa que o rapper ainda conseguiu evitar em Call Me If You Get Lost (2021) ao abandonar o estilo grandioso e coeso de IGOR por um projeto mais abrangente do género ‘mixtape’ onde percorre despreocupadamente um leque vasto de melodias e temas. Mesmo assim, esta “folga” rendeu-lhe o seu segundo GRAMMY no espaço de dois anos [5]. Não é, portanto, de estranhar que quando Chromakopia toma de assalto a internet com as suas peculiares e monocromáticas figuras militares e promissores trechos musicais, a reação do público seja a óbvia: o sucessor de IGOR está aqui.

O álbum abre com, a meu ver, a sua melhor música. St. Chroma é uma epopeica introdução que conta com a incrível colaboração vocal de Daniel Caesar, para além de um dos mais eloquentes e bem construídos versos da carreira de Tyler – o que não é dizer pouco. Esta faixa introduz o ouvinte à temática do disco. Pontuado por mensagens de voz deixadas ao próprio pela mãe, Tyler desconstrói a máscara que usa para se proteger da fama, explorando uma paleta cromática de temas e estilos com que disseca as suas relações, a distância que tenta manter com os seus fãs e o seu enquadramento enquanto criador na cena cultural atual [6].

A etapa inicial do disco apresenta um misto de raps agressivos e rítmicos e de demonstrações do talento melódico de Tyler. Esta variedade, embora virtuosa e de qualidade inegável, acaba por criar um desafio para o restante do álbum: estabelecer um fio condutor que alinhe o corpo do trabalho a um conceito ou narrativa coerente. Infelizmente, o álbum prossegue a fragmentar-se cada vez mais e com cada vez menos qualidade. Embora agradáveis, Judge Judy carece de essência e originalidade, enquanto Sticky apresenta Tyler num género desavergonhadamente comercial – algo completamente oposto ao seu trabalho vanguardista e experimental – numa faixa sobrelotada com colaborações que não passam da banalidade. Em composições como Take your mask off e Tomorrow nota-se uma tentativa de “reconceptualizar” o projeto, mas estas não lhe conseguem dar a coesão necessária numa altura em que o ouvinte já vai perdendo o fio à meada [6].

No entanto, Chromakopia ainda não mostrou todas as suas cartas. É-nos apresentado um brilhante e surpreendente clímax emocional, onde (finalmente!) o álbum segue a todo o gás. Thought I was dead é uma voraz crítica ao estado da indústria musical e como esta trata o hip-hop, que nos presenteia com performances transcendentes e sem amarras de Tyler e de ScHoolboy Q [6]. Por outro lado, mas em equilíbrio e simbiose perfeita, o rapper entrega em Like Him uma arrebatadora balada em que o artista retira o véu sobre como até hoje é afetado pela ausência do pai. 

E é aqui, em seguimento a este magnífico e puro momento de excelência, que aparece Balloon[6]. Uma faixa divertida e perfeitamente respeitável, mas que sabota completamente o momento criado pelas anteriores sem que a sua qualidade ou até necessidade de comparecer neste álbum o justifique minimamente. Não será por acaso que é omitida do LP em vinil, onde a muito mais acertada transição de Like Him para a sublime música de fecho faz da reta final um coletivo coerente [6].

E esta é, infelizmente, uma ilustração perfeita do que marca a minha experiência com este disco. Onde os altos se batem por ser da melhor música a ser produzida atualmente, mas são minados por decisões criativas menos felizes que os impossibilitam de uma fluidez temática e narrativa que pudesse elevar este projeto para além da (quase) garantida qualidade inerente à produção artística de Tyler, The Creator.

Tyler, The Creator no vídeo de Thought I Was Dead. Fonte: Youtube[7]

Esta crítica tem, de facto, sido mais concentrada no que Chromakopia podia ter sido, do que nos méritos da obra que realmente viu a luz do dia. Por isso, é importante clarificar que este é um álbum notável, que certamente irá ser presença assídua nas listas de melhores discos do ano. Muitos artistas de maior sucesso matariam por ter na sua discografia uma demonstração de talento e mestria deste calibre, onde também a inteligente escolha de colaboradores e a evidente qualidade instrumental confirmam Tyler como um produtor fora de série.

Todavia, como todas as coisas, Chromakopia apenas existe no seu contexto e esse é o da gigante tarefa de corresponder à fasquia dos melhores trabalhos de Tyler. Embora não seja de forma alguma um falhanço, o novo projeto do norte-americano não é nenhum IGOR e isso nunca consegue deixar de ser uma desilusão. Como já dizia o próprio: “I hate wasted potential, that shit crushes your spirit. It really does.”[8]

Referências

[1]Capa de Chromakopia [Acedido pela última vez a 18/11/2024]

[2]Anúncio de Chromakopia [Acedido pela última vez a 17/11/2024]

[3]Discografia de Tyler, The Creator [Acedido pela última vez a 18/11/2024]

[4]Billboard’s 100 Best Albums of the 2010s [Acedido pela última vez a 14/12/2024]

[5]Grammy – Tyler, The Creator [Acedido pela última vez a 18/11/2024]

[6]Chromakopia Vinyl Tracklist [Acedido pela última vez a 18/11/2024]

[7]Videoclipe de Thought I was Dead [Acedido pela última vez a 18/11/2024]

[8]Letra de “GONE, GONE / THANK YOU” [Acedido pela última vez a 18/11/2024]

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