De Tchékhov ao Prémio FATAL de Melhor Espetáculo: a trajetória do GTIST

Autoria: João Carriço (LEQ), João Rodrigues (LEFT), Margarida Jardim (MEBiom) e Pedro Lima (MEIC-A)

Aproveitando o destaque que o teatro universitário ganhou com a mais recente edição do Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa (FATAL), o Diferencial esteve à conversa com o Grupo de Teatro do Instituto Superior Técnico (GTIST), numa tentativa de descobrir o que se esconde por detrás da cortina. Falou-se da génese do grupo, do lugar que ocupa no panorama nacional, da sinergia com o FATAL, do processo criativo, entre muitos outros temas.

Os primórdios do GTIST: como e quando?

A primeira menção ao GTIST é difícil de precisar, uma vez que os registos existentes apontam para diversas datas dispersas pela década de 1960. Carlos Patrício Braga, um dos fundadores do grupo (então denominado Grupo de Teatro da Associação de Estudantes do IST) refere-se pela primeira vez ao mesmo no ano letivo 1964-1965, numa breve cronologia elaborada pelo próprio. Contudo, a Revista FATAL menciona, na sua terceira edição, encenações datadas de 1960 a 1965, incluindo nomes do teatro português como Rogério Paulo e Armando Cortez.

Como precursor do GTIST, destaca-se o primeiro Curso de Teatro, apontado a 11 de dezembro de 1965, lecionado por Rogério Paulo. Este foi sucedido por um Curso de Cenografia, lecionado por Nasar Veziri. De ambos estes cursos, emergem, no ano de 1967, três encenações d’O Urso, de Anton Chekov, que envolveram, entre muitos outros, Carlos Patrício Braga e A.P. Braga, juntamente com José Mariano Gago – protagonistas dos primórdios do GTIST.

A comunidade do Técnico e o teatro

O GTIST é um de vários movimentos culturais académicos que, segundo Inês Silva, presidente do grupo, “têm um papel fundamental no contexto universitário, especialmente numa escola de engenharia como o Técnico, onde a formação é, por natureza, mais técnica e intensiva.” Neste ambiente, o grupo revela-se como um “refúgio criativo” para os membros da comunidade académica, promovendo a expressão artística e permitindo também a reflexão e a construção coletiva, com vista a expandir a experiência universitária do Técnico para além da ciência e da engenharia.

A formação na qual o GTIST investe destaca-se de restantes grupos académicos de teatro, através do Curso de Expressão Dramática (CED) – uma iniciativa anual com a duração de 5 meses que procura fornecer a membros da comunidade (e de outros meios) os ingredientes que lhes permitam aprofundar ou até iniciar-se no mundo do teatro. Findado este curso, todos os participantes são convidados a integrar o GTIST.

O CED tem, segundo Inês Silva, “acolhido bastantes membros que se vão juntando ao grupo, alguns vindos da comunidade académica e do IST, mas muitos de outras esferas bem diferentes. Pouco a pouco, o grupo tem vindo a tornar-se cada vez mais multidisciplinar, dinâmico e plural, tendo o teatro como um veículo para uma experiência única e interpessoal.”

Excerto do documento que formaliza a proibição do Grupo de Teatro do Técnico. Fonte: GTIST

Do papel para o palco

O GTIST destaca-se, desde logo, pela “decisão de não ter um encenador residente, optando desde 2016 por renovar anualmente essa figura” – uma escolha que  promove “um espaço de experimentação e investigação artística”, ao permitir o contacto com diversas visões artísticas e processos criativos. Esta abordagem reflete-se não só na diversidade de ideias e participantes, como também na “experiência do grupo”, que se enriquece, ano após ano, a nível artístico e social.

Deste modo, a colaboração entre todos os membros do grupo é fortemente incentivada “em todas as fases e áreas da criação e produção da peça, incluindo a elaboração da dramaturgia, desenho de luz, cenografia e figurinos.” Este espírito de equipa é frequentemente evidenciado nas fichas técnicas das produções, onde se lê “encenação  X, co-criação GTIST”.

Espetáculos dignos de menção

Não é fácil indicar as peças que mais sucesso, impacto e visibilidade trouxeram ao GTIST. Sendo composto por um grupo em constante renovação, as peças que mais marcam são muito diferentes, tanto para as diferentes gerações que as viveram, como para as que as acompanharam, e, por isso, segundo o GTIST, “mencionar uma em detrimento de outras será sempre injusto, porque cada criação guarda em si a memória, o esforço e a entrega de um grupo específico de pessoas.”Apesar de não haver pódio, há menções honrosas. Por exemplo, as peças apresentadas nos finais dos anos 60 e inícios dos 70 que continham uma forte resistência ao sistema político que se vivia na época. Estes espetáculos apoiavam a luta na reabertura da Associação de Estudantes do Instituto Industrial de Lisboa e denunciavam características do sistema de ensino. Estas peças, marcadas por agitação, propaganda (agitprop), foram proibidas pela direção do Técnico. Mesmo assim, o grupo decidiu apresentá-las, o que levou à ocupação do Pavilhão Central. No entanto, o espetáculo “Ir ou não ir” (1971), também proibido, nunca chegou a ser estreado: “(…) acabou por levar à extinção do GTIST em 1971. O grupo só regressaria, tanto quanto sabemos, nos anos 90.”.

Excerto do documento que formaliza a proibição do Grupo de Teatro do Técnico.

Mas nem tudo é história e é de notar outros dois momentos. O período de 2000 a 2008, foi também mencionado pela sua estética irreverente criada pela diretora Susana Vidal, que marcou a comunidade do GTIST.  Mais recentemente o espetáculo “Nunca Te Irão Perdoar”, encenado por Tiago Vieira (2022), foi apresentado na piscina do IST, um espaço que permitiu uma “revisitação poética e política”, que simboliza a memória do movimento estudantil. “São momentos como estes que, por diferentes razões, continuam a construir a identidade plural e em constante transformação do GTIST.”

A participação no FATAL e mais além

Embora lamentem a parca ligação com outros grupos de teatro universitário, os membros do GTIST transpõem os muros do IST ao participarem no FATAL. É um momento de partilha artística, entre o divulgar e o conhecer. Um extravasar de consciências que culmina numa memorável festa de encerramento. E de olhos no passado, logo se encontram vestígios da primeira presença do GTIST neste festival. 

Estreando-se no final da década de 90, na edição que serviu de pontapé de saída ao próprio, o Grupo de Teatro do Técnico participou em 21 das 24 edições do FATAL. A peça de estreia, encenada por Pedro Matos, denominava-se “A Marte (e casas)”. Quanto aos momentos de colaboração que se seguiram, estes revelaram que o festival é “uma plataforma fundamental para a partilha do trabalho [do GTIST] e para o encontro com outros grupos de teatro universitário”. Os membros do grupo discorrem ainda que, sendo esta sinergia em tudo benéfica no que toca ao intercâmbio criativo, há a oportunidade de “apresentar propostas artísticas exigentes e entrar em contacto com novas estéticas e práticas”.No que toca a galardões e outras formas de reconhecimento pela sua atividade, o GTIST recebeu quatro Prémios FATAL de “Melhor Espetáculo”, um Prémio Cidade de Lisboa de “Espetáculo Mais Inovador”, seis Menções Honrosas do Júri e dois Prémios do Público. Já este ano, o grupo tornou-se o primeiro a receber dois prémios na mesma edição: o Prémio FATAL de “Melhor Espetáculo” e o Prémio do Público, com a peça “No Cosmos”, encenada por Pedro Gil.

Entrega dos Prémios FATAL 2023. Fotografia de Tânia Araújo

Quando questionados sobre a existência de uma personalidade que tenha, de alguma forma, mentorado o GTIST, os membros do grupo dizem não ter uma “no sentido tradicional”. Contam, contudo, com a ajuda de alguém fundamental: Sara de Castro, uma atriz e encenadora “com uma ligação profunda ao grupo, [que] tem sido um verdadeiro braço direito na estruturação e coordenação do Curso de Expressão Dramática”. Frisam o quão vital é a sua experiência nesta arte, bem como a sensibilidade e o compromisso para com esta, concedendo à experiência um caráter não só lúdico, como também formativo.

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