Será que fazemos bem em ter tudo na palma da mão?
Autoria: João Soares (LEEC)
Com muitos anos de história e progresso às costas, os nossos meios de entretenimento têm evoluído substancialmente no último século. Desde cassetes e CDs, a Spotify e Youtube, a maneira como nós consumimos conteúdo tem se alterado bastante para acomodar a evolução tecnológica do nosso mundo. Mesmo olhando para trás com nostalgia, para muitos já não se justifica comprar aparelhagens e dispositivos para que consigam reviver os meios de consumo de outros tempos [1]. Será que algo se perdeu com esta transição?
Aprofundando neste debate, são claros os argumentos a favor do uso de media digital, tanto a portabilidade destes dispositivos, quanto a quantidade de conteúdo disponível tornam os nossos telemóveis uma escolha óbvia para o nosso dia-a-dia. Porém, um novo lado da discussão surgiu quando se questionou se esta faceta de portabilidade e conveniência não é um detrimento à experiência de prestar atenção ao que estamos a consumir. Estudos atuais mostram claramente que a nossa capacidade de atenção tem vindo a decrescer com o uso de telemóveis [2]. Com tudo ao nosso dispor, são poucos os momentos de paz e reflexão que sobram nas nossas vidas, muitos utilizando o constante flow de entretenimento como escape dos nossos problemas, passando estas atividades a serem distrações mais do que lazer.

Existe também um consenso geral que o consumo de media físico tem mais que uma dimensão, é mais do que apenas clicar no botão de play. A sua utilização tem toda uma comunidade online dedicada ao suporte de pessoas na transição, discussões acerca dos meios físicos utilizados, partilha mais pessoal de música e filmes, entre outros assuntos. Devido às limitações deste modo de entretenimento, principalmente monetárias, existe uma maior intenção no ato da compra de cada disco, uma escolha de que música ou filme se compra com o dinheiro que se tem, normalmente através de um processo de seleção que é único de cada um. Assim, muitos concordam que a compra e posse de algo material implica uma conexão maior com cada música e filme que se coleciona.
Embora, aos olhos de algumas pessoas, os media físicos tenham um maior impacto pessoal, o custo de os obter é por vezes elevado e nem toda a gente tem o poder de compra necessário para o mesmo. Sendo uma subscrição universitária de Spotify 4,50 euros por mês, tendo em atenção que a mesma nos dá acesso ao que é uma biblioteca de música que parece nunca acabar, o custo de um CD, por exemplo, que dependendo do artista chega a custar 20 euros é um impedimento a este formato. Colocando também em consideração o custo de um leitor de discos, torna-se evidente que esta forma de aproveitar entretenimento não se encontra disponível a todas as pessoas.

De outro ponto de vista, conseguimos compreender ainda que a atenção que damos a media físico e ao digital são diferentes. Qualquer pessoa que possua um telemóvel não pode negar a não-linearidade do seu uso. Uma simples mudança de faixa musical torna-se numa visita de tempo indeterminado às redes sociais ou um filme é interrompido abruptamente por uma notificação; ocasiões semelhantes ocorrem-nos vezes sem conta e perturbam o rendimento do que estamos a fazer. Retirando a necessidade de ligar o telemóvel, a tendência para nos distrairmos diminui e o nosso aproveitamento aumenta substancialmente.
Infelizmente, com a queda de utilização dos meios analógicos, ficou também no esquecimento uma das mais fundamentais facetas dos Vinis, CDs e DVDs: a sua personalidade. Muitos destes discos não só vinham carregados com o que neles era anunciado, mas também extras, como comentários especiais, easter eggs, faixas de música exclusivas, mensagens secretas, e até mini-jogos (no caso dos DVDs). Estes detalhes, que não se encontram presentes nos nossos telemóveis, eram o que atribuía personalidade e individualidade a cada um destes produtos e nos permitia imergir nas suas narrativas de forma mais profunda e interativa.

Com todos estes argumentos fica-nos a pergunta: Qual é o melhor meio de entretenimento, os media físicos ou os media digitais? Os digitais disponibilizam uma maior variedade de conteúdo, com maior portabilidade e disponibilidade imediata ao consumidor. Além disso, ajudam na divulgação do trabalho de milhares de pessoas, para que as suas obras possam ser reconhecidas e partilhadas numa escala maior do que previamente possível. Por outro lado, individualidade e personalidade foram certamente sacrificadas para que o formato digital pudesse existir, deixando de haver tantos traços distintos de cada artista, não no seu produto, mas sim na forma como o mesmo é transmitido. O formato físico exige também uma atenção especial no que toca ao seu uso e manutenção, obrigando o consumidor a prestar mais atenção ao entretenimento que possui, deixando de existir as distrações que estão presentes nos media digitais.
Tendo ambos os meios razões válidas para serem considerados viáveis, inclusive uma combinação de ambos, cabe ultimamente a cada utilizador decidir o que prefere, e aproveitar séries, filmes e música da maneira que mais gostar.
Referências
[1] – Online vs. Offline in the U.S.: Are the Media Shrinking? (2011)