Autoria: Rodrigo Raimundo (LEFT), Tomás Fonseca (LEIC)
Chegando fevereiro ao fim, reuniram-se os álbuns que consideramos os lançamentos mais relevantes do mês, com uma breve descrição e crítica.
What Now, Brittany Howard
Após lançar o seu álbum de estreia, Jaime, em 2019, a vocalista dos Alabama Shakes deixara tanto críticos como fãs perplexos com a sua capacidade de inovação e talento. Desta forma, nada mais poderia ser feito se não esperar pelas próximas notícias da cantora, com uma promissora carreira a solo.
No entanto, embora nos tenham chegado alguns singles e remixes, só este passado mês obtivemos o próximo projeto de Brittany Howards, intitulado de What Now. Tal como referi num álbum de janeiro, Obsidian Wreath, às vezes, a audiência sai a ganhar quando consegue reunir a paciência de esperar longos anos por novas músicas e What Now é novamente uma destas situações.
Enquanto que o seu debut foi laureado pela Pitchfork por levar a voz, sonoridade e o soul a novos extremos, Howard pegou nas características que tão bem conhecia e aprimorou-as. Destemidamente, a nativa do Alabama constrói as suas canções sobre ritmos groovy e um instrumental complexo e minuciosamente trabalhado que, por vezes, oscila entre suaves interlúdios a momentos de assertividade que associamos a grandes cantoras soul. Talvez a melhor forma de descrever a obra seja como Psychedelic Soul, deixando-nos hipnotizados e a apreciar cada instante que passa, seja na instrumentalização ou na poderosa voz de Howard.
Dependendo do género, a minúcia pode ser mais ou menos crucial. Enquanto que no punk quase que desejo que as guitarras desafinem, em certos projetos, como este, prefiro que a obra seja mais coesa, que todos os momentos pareçam bem avaliados. Nesse aspeto, What Now sobressai como um álbum atentivo e muito refletido, que me permite entrar na obra e ficar nela até ao último segundo.
Para terminar, sublinho a palavra que mais associo a este álbum: sofisticado. Para todos aqueles que gostam de obras subtis, poderosas e bem construídas, para os fãs do soul que procuram algo contemporâneo para acompanhar o género, deixo então esta recomendação. – Tomás Fonseca
Where we’ve been, Where we go from here, Friko
Durante o mês de fevereiro, sempre que começava a escutar um álbum pensava: “Será que este é um candidato à minha lista de projetos do mês?” A verdade é que, pessoalmente, fevereiro foi um mês um pouco desinteressante. É certo que não é possível ser lançado um álbum estrondoso mensalmente, porém, entre projetos pouco cativantes a simplesmente aborrecidos, senti que o mês deixou algo a desejar.
Contudo, um projeto que, de certa forma, me interessou foi o Prelude to Ecstacy, da autoria de The Last Dinner Party. Embora recomende o álbum a todos os amantes de indie contemporâneo, como Boygenius, pôs-me pensativo sobre o indie enquanto género. Cheguei à conclusão de que, dado o facto de se tratar de um estilo musical com bastantes anos e agora popularizado pelas redes sociais e facilitado pela simples produção e instrumentalização, chegámos a um ponto em que, enquanto audiência, o género parece saturado. É difícil encontrar um álbum que ou execute o indie na perfeição ou que inove de uma forma impecável. Portanto, embora lançamentos recentes não sejam de todo medíocres, comparando com os gigantes que partilham a sonoridade, ficam um pouco aquém e sentem-se apenas como desinteressantes.
Esta foi a minha mentalidade até dia 23 deste mês, dia em que ouvi Where we’ve been, Where we go from here, de Friko. Apercebi-me logo na música de abertura de que este projeto se tratava de algo muito especial. A verdade não se encontrava longe: é, de momento, o álbum que mais gostei este ano. O grande apelo pelo projeto é a fenomenal capacidade da banda conseguir escolher a dedo que elementos emprestados quer incorporar nas suas músicas, sem nunca perder a sua unicidade e identidade própria. O produto final é uma mescla de géneros que, espantosamente, combinam em harmonia e que, enquanto ouvinte, tanto soam inovadores como impecavelmente conseguidos. São estas as características que mais procuro na música. Newton afirmou “Se vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”: os jovens de Chicago aplicaram exatamente o mesmo método à sua forma de arte.
Ao longo dos 36 minutos, a banda aventura-se pelos territórios do noise pop, shoegaze, punk, chamber pop, criando uma obra surpreendentemente coesa. Abrindo com três vigorosas músicas que, desde logo, apontam para o sentimento de juventude que nos acompanha ao longo de toda a obra, rapidamente alteram o ritmo, passando para a gentil e suave balada “For Ella“. Grande elemento de destaque é o vocalista, que tanto soa entusiasmado e perseverante como incerto e ansioso, e que em muito me fez lembrar Isaac Wood, ex-vocalista dos Black Country, New Road. Em “Chemical“, voltamos à energia que tanto caracteriza os anos iniciais da vida adulta. Até ao final do álbum, optam por alternar entre rajadas de ânimo e ondas de enternecimento. Terminam então com “Cardinal“, ave presente na capa do álbum, com uma despedida que apenas me deixou a desejar mais: mais projetos, mais inovação, mais deste jovem duo que com apenas uma baterista e um guitarrista vocalista fizeram tanto.
Quando um álbum executa o seu trabalho tão bem como este, todas as palavras parecem poucas para o descrever. Desta forma, apenas posso dizer: ouçam-no. – Tomás Fonseca
Critterland, Willi Carlisle
Antes que um fã assíduo de Willi Carlisle venha deitar abaixo o Diferencial porque este álbum foi lançado a 26 de janeiro e, portanto, não pertence à seleção de álbuns de fevereiro, deixem-me explicar o motivo da inclusão do mesmo. Critterland não é um álbum de country qualquer, como tal era imoral deixar de mencionar esta autêntica obra de arte. Além disso, na seleção de álbuns do ano do Diferencial deixámos de fora o fantástico Zach Bryan (que fica como sugestão adicional), logo esta menção ao mundo do Progressive Country é mais que justificada.
Este é o terceiro álbum do americano Willi Carlisle, e podemos dizer que este senhor conta com uma das discografias mais invejáveis dentro do coletivo de artistas country. É incrível a consistência do nível de qualidade entre os álbuns do artista, onde podemos incluir o seu EP de 2016, Too Nice to Mean Much.
Este projeto abre com aquela que é a minha música favorita em todo um álbum, e dado que é esta a faixa que dá nome ao álbum e serviu de single de lançamento, acredito que alguém na Signature Sounds Recordings (responsável pela distribuição deste álbum) concorda comigo, talvez o próprio Carlisle. De facto, não sei quem escolheu o quê, mas sei que o refrão de “Critterland” nos agarra e não larga até “Dry County Dust” tomar o seu lugar, portanto se durante um MAP de cálculo não conseguires pensar em mais nada sem ser aquele “At the Battle of Critterland”, eu avisei.
Outros destaques ao longo do álbum, que a meu ver possuem um sentimento inigualável, são “Higher Lonesome” e “When the Pills Wear Off”. As temáticas de depressão, abuso de substâncias e solidão são abordadas de tal forma que é possível olhar através dos olhos do próprio artista e sentir a sua culpa. “When the Pills Wear Off” é especialmente pesado, ouvir aquelas histórias e pensamentos é de puxar pela alma de qualquer um. Por esse motivo, esta música é a minha favorita a ganhar o prémio de “Música Mais Triste do Ano”, e tendo em conta que já tivemos um álbum do Thom Yorke este ano (se não viram, este é um bom momento para lerem a review de Janeiro), este prémio significa muito. Sinto que devo fazer uma breve menção à última faixa porque pode não ser para todos, porém se adoras monólogos de sete minutos interrompido por instrumentação aqui e ali, tenho aqui algo que podes gostar. – Rodrigo Raimundo
Spectral Evolution, Rafael Toral
Pela primeira vez, vamos contar com um artista português nas nossas reviews mensais, o que tendo em conta que esta é a segunda edição vale o que vale. Mas tenho o orgulho de vos apresentar Spectral Evolution, um álbum de quarenta e sete minutos e quatorze segundos composto por uma única música.
Para todos os meus amantes de ambient music, isto é uma prova autêntica que nem precisamos de ir além-fronteiras para encontrar do melhor que este género tem para oferecer. Descrevendo este álbum com duas palavras, é uma autêntica experiência. Desde os sintetizadores que imitam aves até aos arranjos de cordas completamente imersivos, não é difícil ficarmos perdidos neste mundo que Rafael Toral criou. Claro que, assim como qualquer outro álbum de que nós aqui falamos, isto é completamente subjetivo, mas acredito que nem que seja um leitor deste artigo encontre algo de valor aqui.
Um dos destaques ocorre por volta do minuto quatorze, onde um chilrear caótico rouba a cena, tanto que quando ele se vai, fica um vazio por preencher. Esta perda do nosso “amigo” com o cantar desgovernado acaba por ser momentânea, mas é realmente um ponto alto em toda a obra. Outro desses momentos altos ocorre por volta do minuto vinte e um, quando um instrumento de cordas rouba a cena. Este momento traz uma energia diferente, mais calma, mais apaziguante.
Embora esta revisão seja evidentemente mais curta, não me é possível criar uma imagem fidedigna àquilo que é esta obra, pelo que não terão remédio senão ouvi-la e tirar as vossas conclusões. Relembrando que este é, de todos os álbuns até agora, aquele que eu diria menos acessível ao ouvinte mais casual, porém é também importante manter a mente aberta e explorar novos caminhos, pois podemos encontrar tesouros como este. – Rodrigo Raimundo