Autoria: Rodrigo Raimundo (LEFT), Tomás Fonseca (LEIC)
Chegando janeiro ao fim, a equipa do Diferencial reuniu os álbuns que considera os lançamentos mais relevantes deste mês, com uma breve descrição e crítica.
Obsidian Wreath, Infant Island
Formados em 2016 na cidade de Fredericksburg, Virginia, os Infant Island demonstraram a sua capacidade artística logo desde o lançamento do seu primeiro álbum. Neste self-titled de 2018, a banda sedimentou a sua reputação como uma das novas bandas encarregue de difundir o screamo, ganhando, em 2019, uma menção honrosa do The Guardian que os considera um dos projetos a dar “nova vida” ao género, ao lado de gigantes contemporâneos como Portrayal of Guilt.
Após nos deixarem o segundo álbum, “Beneath”, em 2020, a banda começou imediatamente a escrever o que viria a ser “Obsidian Wreath”. Ao permitir que o processo de criação artístico maturasse ao seu ritmo, a obra absorveu diversos eventos e sensações dos últimos quatro anos. Entre eles, destacam-se a pandemia, as alterações climáticas e os protestos em nome de George Floyd. Para este último, a banda lançou uma compilação cujos lucros foram revertidos para apoiar os grupos de manifestantes.
Tendo estreado dia 12 deste mês pela gravadora Secret Voice de Jeremy Bolm, vocalista dos Touché Amoré, uma ideia assenta imediatamente após terminar a obra — este demorado desenvolvimento valeu a pena. “Obsidian Wreath” é uma obra onde o screamo prevalece, porém joga com elementos do blackgaze, levando a uma combinação que tanto soa épica e bélica, como delicada e meditativa. Pessoalmente, sempre apreciei que álbuns de géneros como o screamo ou o blackgaze incluíssem momentos mais instrumentais e absortos, que permitissem um momento de introspeção e compreensão da obra. Um excecional exemplo seria “Irresistable” no “Sunbather” dos Deafheaven. Possivelmente, esta terá sido uma influência da banda, pois “Obsidian Wreath” consegue conjugar o caos com a calma, refletindo tanto esperança como desespero, tanto felicidade quanto agonia.
Depois desta descrição, aqueles que não apreciam géneros mais extremos podem ficar com a ideia que este será um álbum intragável. Porém, a própria banda quis, de acordo com o seu Bandcamp, que este pudesse ser um ponto de entrada para este género, evidenciando o espírito de comunidade, tanto nas diversas participações de artistas no álbum como na própria capa.
Num projeto que lida com a fragilidade da nossa existência enquanto sociedade, as palavras dos próprios artistas encapsulam melhor o tema geral: “It is an album about trudging through the end of the world: where climate catastrophe, the acceleration of capitalist extractive exploitation, the apathy towards social health which has emerged from recent mass death, and an endless stream of other ongoing crises too numerable to be named, constantly haunt the edges of our vision, like a rot that sets in on the borders of being. Obsidian Wreath is an album about the hopelessness of the slow violent decay of the world, about reckoning with a totalizing, impossible condition of reality which never stops confronting you with the question: how do we continue?” – Tomás Fonseca
Plastic Death, glass beach
Pouco depois de publicar o seu debut sob o nome Casio Dad, Classic J conheceu Jonas Newhouse e William White. Estes últimos tinham ficado interessados quando escutaram uma música de J na rádio universitária onde todos estudavam. Assim, trabalhando em conjunto, deixaram-nos “The First Glass Beach Album”, em 2019, agora como glass beach. Com influências de emo e jazz, a sua estreia cativou a atenção de fãs e críticos, que esperavam o próximo desenvolvimento da banda.
Com algumas remixes entre o primeiro lançamento e o presente, este ano regressaram para o seu segundo álbum, produzido por Will Yip, que trabalhou com diversas bandas do universo emo e indie, como Title Fight, Turnover e mewithoutYou. Através de um jogo no seu website, revelaram que o novo projeto se chamaria “Plastic Death”, que nos chegou dia 19 de janeiro. Durante mais de uma hora, a banda expande os seus limites e explora novos géneros, abandonando o emo muito notório do primeiro álbum. De uma forma sui generis, os glass beach conseguem navegar o indie, o math rock, o art rock e o post-hardcore sem nunca perder a sua orientação ou sendo destoante, colmatando numa experiência de rock progressivo deveras única.
Neste álbum de longa duração, a energia, como em “The CIA“, vai alternando com a tranquilidade de músicas como “Guitar Song“, o que leva a que o tempo voe, mostrando o quão contínua e fluída a obra está, resultado do empenho e talento dos artistas. O resultado final é uma obra extremamente bem conseguida, uma experiência curiosa entre diversos ramos musicais, mas emanando sempre uma sensação de fluidez e exuberância, parecendo uma sonoridade quase “aquática”. Enquanto que “Obsidian Wreath” é agitada e furiosa, a banda originária de Los Angeles equilibra com um projeto mais leve e animado, sendo uma audição imperdível deste mês. – Tomás Fonseca
Wall of Eyes, The Smile
Não é habitual surgir um álbum com características dignas de um potencial álbum do ano logo no mês de janeiro, mas a verdade é que é exatamente isso que temos aqui. “Wall of Eyes” é uma experiência, sem dúvida. The Smile é uma banda formada por Thom Yorke e Jonny Greenwood, dos Radiohead, e Tom Skinner, baterista da ex-banda Sons of Kemet.
Com esta constituição é de esperar que o álbum seja um verdadeiro “híbrido” entre Prog Rock e Jazz, e por mais que gostasse de dizer que não, é exatamente isso que este projeto oferece. Com isto não quero dizer que é um mau álbum, como realcei no início acredito que seja um membro do debate de álbum do ano, porém não é propriamente surpreendente. É claramente um sucessor espiritual da discografia da banda, especialmente de “OK Computer”, mas aquém daquele que para mim é o magnum opus da banda, “In Rainbows”.
Mesmo este sendo um álbum incrível e com alguns dos instrumentais mais bonitos que ouvi recentemente, é importante expor alguns problemas. O projeto tem quarenta e cinco minutos de duração, o que por si é uma quantidade de tempo completamente aceitável, porém, o facto de algumas músicas se arrastarem excessivamente não pode ser ignorado. “I Quit” é um exemplo perfeito deste “fenómeno”, e realmente acredito que a omissão desta música do projeto não iria fazer muita diferença. Não é má, apenas desnecessária.
Acredito que seja um projeto que não seja consensual entre os fãs de rock progressivo, por isso acredito que vale a pena dar uma oportunidade. Eu, de facto, adorei. – Rodrigo Raimundo
MADRA, NewDad
Começo por afirmar que em relação a shoegaze, as minhas reviews serão sempre extremas, ou adoro ou detesto. Assim posso dizer que definitivamente amo este álbum. Os vocais são absolutamente incríveis, a instrumentação não é abrasiva como um “Loveless” dos My Bloody Valentine mas possui uma vida própria independente das suas influências.
“Nosebleed” é um autêntico banger, até ao momento, a minha música favorita lançada este ano. A fusão de dream pop com o reverb e paredes de som do shoegaze é feita de maneira sublime. Isto é ainda mais impressionante tendo em conta que este projeto é o debut da banda irlandesa NewDad, cuja influência e reputação dentro do círculo da música alternativa acredito que vá subir exponencialmente se o grupo mantiver esta qualidade consistentemente.
Algo que queria destacar é a presença de duas mulheres na composição da banda, pois embora vocais femininos estejam abundantemente presentes no indie rock, essa abundância normalmente não se estende aos instrumentais.
Enquanto escrevia esta review procurava pontos negativos que sentisse em relação a este projeto, porém folgo em dizer que não encontrei. Isso quer dizer que é um álbum perfeito? Não. Para um álbum ser perfeito, para mim, é necessário trazer algo de novo para a mesa, “The Money Store”, “To Pimp a Butterfly” ou o previamente mencionado “Loveless” são bons exemplos. Com isto dito, é o meu álbum favorito do ano, so far. – Rodrigo Raimundo