“For my kingdom, if I can”
Autoria: Pedro Fonseca (MMAC)
Para perceber quem foram os Velvet Underground, tem de se perceber quem foi Andy Warhol. O artista americano, que dirigiu e produziu a banda nova-iorquina, foi um dos artistas mais influentes e revolucionários do século XX; Warhol foi pintor, escultor, serígrafo, fotógrafo, cineasta… e explorou ao longo da sua carreira a fusão da arte com a publicidade, com a cultura de celebridade, com a sexualidade, com a cultura pop, capturando acima de tudo a essência da vida quotidiana, the thingness of things, a representação da sociedade como algo cujos aspetos mais bonitos e mais feios podem ser conjuntados, podem até mesmo coincidir.
É a exploração desse contraste que melhor caracteriza este álbum, que, de uma maneira ou de outra, aborda todos os aspetos mais icónicos do movimento counter-culture dos anos 60. É abordado o consumo de drogas, com as músicas ‘I’m Waiting For The Man’ e a incrível ‘Heroin’, o hedonismo, em ‘Femme Fatale’ e ‘There She Goes Again’, o romance, em ‘I’ll Be Your Mirror’, intercalando-se com músicas mais psicadélicas, como ‘Venus In Furs’ e ‘All Tomorrow’s Parties’.
O contraste que se sente ao longo do álbum acaba por ser uma consequência natural do formato dos Velvet Underground, que eram essencialmente uma parceria entre Lou Reed, um miúdo judeu de classe média, com uma infância complicada e uma licenciatura em Inglês, que viria a tornar-se um dos guitarristas mais influentes de sempre; e John Cale, músico multi-instrumentista galês que estava em Nova Iorque com uma bolsa para estudar viola clássica, e que mais tarde viria a colaborar com Patti Smith, David Byrne e a Royal Philharmonic Orchestra, entre muitos outros. Sob a alçada de Andy Warhol, foi então produzido este álbum que se destacou não pelo sucesso comercial, mas sim pela influência que teve: de acordo com o músico Brian Eno, “toda a gente que comprou o álbum formou uma banda.”
O maior hit: ‘Sunday Morning’. A primeira música do álbum destaca-se por apresentar uma produção muito mais profissional e exuberante que as restantes faixas, uma vez que foi criada com o intuito de gerar um hit. De um estilo “pop etéreo”, a ideia surgiu de Warhol, que sugeriu um tema de paranoia para a canção (“Watch out, / the world’s behind you”).
A minha favorita: ‘The Black Angel’s Death Song’. Uma série de instrumentos de corda desafinados a tocar de uma maneira estridente, com Reed a ler um poema sem qualquer melodia a um ritmo alucinante. Incrível. Esta música sempre teve uma das minhas letras preferidas, portanto fiquei surpreendido quando descobri que na verdade a música foi escrita combinando palavras aleatoriamente de uma maneira que soasse divertida, sem qualquer significado. Mas suponho que são essas as melhores letras, aquelas que não sabemos o que querem dizer, uma vez que lhes podemos atribuir o significado que quisermos.
O que ouvir a seguir: dos Velvet Underground recomendo o álbum ‘Loaded’. Já sem a contribuição de John Cale, é de um estilo de rock mais americano e mais tradicional; não foi tão influente quanto este, mas não deixa de ser excelente. Os principais intervenientes deste álbum viriam a ter carreiras a solo de bastante sucesso, portanto para quem estiver interessado recomendaria o álbum ‘Transformer’ do Lou Reed, que mais parece um best of do que um álbum de estúdio; recomendaria o ‘Fear’ do John Cale; e, para quem gostou da voz de Nico, o seu álbum ‘Chelsea Girl’.