Autoria: Filipa Rio (MEEC), Francisco Raposo (MEFT), Sofia Calado (MEEC)
Como são as vivências dos estudantes provenientes das ilhas, após a sua mudança para o continente? Como muda a relação que têm com a ilha? No final de 2023, entrevistámos quatro alunas do Instituto Superior Técnico (IST) acerca das suas decisões de estudar em Lisboa e a adaptação ao meio académico, com o intuito de apresentar um retrato da vida de estudantes insulares nesta faculdade. Têm pelo menos um ponto comum: todas decidiram tomar um passo do tamanho do mar, deixar as suas casas nos arquipélagos de Portugal e vir estudar na capital.
Começámos por entrevistar a Sara Sousa, do Funchal, na Madeira. Entrou no IST no ano letivo de 2021/2022, altura em que o MEPP foi implementado, encontrando-se neste momento no 3º ano da licenciatura em Engenharia Aeroespacial (LEAer).
Confessou logo de início que não nasceu no Funchal, mas que possui uma ligação muito forte com a ilha, já que viveu lá desde os seus 2 anos e a maioria da família, incluindo os pais e a irmã mais nova, continua lá. À pergunta sobre as maiores diferenças entre a Madeira e Lisboa, Sara rapidamente apontou que a vida na Madeira para si era muito menos célere, enquanto, na capital, as pessoas são muito mais stressadas e o ambiente mais agitado. A mudança para o continente, juntamente com a adaptação à faculdade, foram fatores que contribuíram para esta análise.
Decidiu no secundário que queria ir para o IST, assim como muitos dos seus amigos também estavam interessados nesta faculdade ou na Faculdade de Engenharia do Porto, já que ingressar numa faculdade em Lisboa ou no Porto facilita a logística das viagens para casa, devido à sua proximidade aos aeroportos. Veio para Lisboa com mais quatro amigos que, segundo a Sara, foram ”um grupo de apoio bastante forte que no início foi essencial, porque estávamos todos a passar pelas mesmas dificuldades”. Sem eles, a Sara não consegue imaginar como teria sido a transição para Lisboa e para a faculdade.
Em termos de alojamento, ela revela que sempre se sentiu privilegiada, porque teve condições para procurar habitação com antecedência. Porém, conhece pessoas que não tiveram essa mesma sorte. Tenta ir a casa pelo menos duas vezes por semestre, em alturas com menos avaliações. Planear uma viagem de avião é um processo demorado e longo, já que em certas alturas do ano, como a passagem do ano que a Sara nos falou, é preciso comprar com bastante antecedência os bilhetes de avião.
“No ano passado, vim para Lisboa no dia 1 de janeiro [..] e a Madeira na passagem de ano…”, disse, referindo-se aos conhecidos festejos de Ano Novo que se procedem na ilha da Madeira todos os anos, “tive de reservar o voo para aí em julho.”
Quando questionada sobre as maiores dificuldades do morar longe da família e da ilha, a resposta foi imediata: “Eu tenho uma relação à distância com os meus pais, […] vejo a minha irmã tão poucas vezes que eu noto esse crescimento como se fosse uma pessoa de fora, por vezes nem parece que sou irmã dela.”
“É estranho ir de férias para o sítio que é a nossa casa.” Apesar das saudades que sente da ilha e de gostar muito de ter crescido no Funchal, a Sara não se imagina a ir para lá trabalhar, já que as oportunidades de trabalho na sua área são escassas. No entanto, não deixa de lado a hipótese de lá viver quando for mais velha.
Em segundo lugar, entrevistámos a Margarida Cordeiro, que cresceu na Madalena, na ilha açoriana do Pico, é aluna do 1º ano do mestrado em Engenharia Biomédica (MEBio) e entrou no ano letivo 2020/2021.
A Margarida começou por nos confessar que ela, tal como muitos dos seus amigos, cresceu com o mindset de que “no fundo sabes que vais sair da ilha e vais passar meses sem ver a tua família de cada vez e as coisas vão mudar completamente”. Ao mudar-se para o continente, começou por sentir mais liberdade e gostou imenso dos primeiros meses, embora tenha sentido as responsabilidades de viver sozinha: “agora, preciso de tomar sempre conta de mim”. Em relação à adaptação ao IST, considera que é a experiência comum de quem entra, pois “é difícil e um choque na exigência”.
Além da transição para o continente, a Margarida passou também pelo ajuste às restrições do COVID e à implementação do MEPP. Quanto à primeira, destacou como foi particularmente difícil a época de janeiro de 2021, quando o confinamento foi imposto, e voltou para o Pico durante 3 meses: “teve um impacto gigante porque estava a começar a habituar-me a viver aqui, a estar longe de casa e a tentar ter uma vida académica dentro dos possíveis. No Pico, não havia essas restrições e fiquei só a ter aulas online”.
Em relação à segunda mudança, considerou a transição para o novo método difícil, dado que antes sentia ter muito mais tempo para estudar para exames: “lembro-me de não estar stressada todos os dias do semestre, apenas em fases específicas, e tinha mais férias e mais possibilidades de ir ao Pico”.
No que concerne aos preços das viagens, a Margarida partilhou um caso em que efetuou uma reserva mais próxima da data, o que resultou num preço bastante elevado. De notar que, em ambas as Regiões Autónomas, existe um regime de reembolso [1] , em que o valor da passagem de avião é parcialmente devolvido a residentes e/ou estudantes após a viagem, pelo que ela recuperou parte do custo.
Quanto à questão de companhia no seu quotidiano, a Margarida considera que “consegui adaptar-me bem sozinha, tinha familiares cá em Lisboa, alguns tios e primos, mas com quem só estou às vezes, e felizmente mantenho o contacto com amigos mais chegados da ilha”, e quando questionada sobre as diferenças entre as ilhas e o continente afirmou que “lá eu saio à rua e conheço toda a gente, mas há muito menos acessos, por exemplo, nas lojas, enquanto Lisboa é uma cidade muito maior, […], [existe] mais confusão e sinto falta do conforto da proximidade com os meus amigos”.
Por último, acerca da mudança da sua relação com a ilha, revela que “antes sentia que quase não dava valor, porque era apenas o sítio onde vivia, mas é de lá que vêm todas as pessoas que eu amo mais, para além de que é um sítio lindo. Antes, pensava que só queria sair de lá e vir para Lisboa, mas agora quando volto para lá choro todas as vezes de felicidade”. No entanto, a Margarida não se imagina a voltar a viver de forma permanente na ilha, “vejo-me a viver lá apenas durante uma parte do ano, mas tenho amigos que querem voltar para lá porque sentem que é a casa deles”.
Na terceira entrevista, estivemos com a Margarida Pão de Santa Cruz, da Madeira. Entrou no Técnico no ano letivo de 2021/2022 e está no 3º ano da licenciatura em Engenharia Biológica (LEBiol).
Margarida começou por confessar que a maior diferença entre a ilha e Lisboa é agora viver perto dos amigos, enquanto na ilha vivia longe deles. Revela também que a sua maior dificuldade é “não poder ir a casa da [sua] avó num instante quando acontece alguma coisa”. Sente muitas vezes que, como está longe, não sabe instantaneamente o que acontece à sua família, o que acaba por ser frustrante.
No secundário, teve a oportunidade de ouvir uma colega de Engenharia Biológica a apresentar o curso e, achando-o interessante, decidiu incluí-lo nas suas escolhas. No entanto, não era a sua primeira opção, já que esperava ir para a Universidade do Minho com os amigos. “Não fui eu que escolhi o Técnico, foi o Técnico que me escolheu a mim”.
Em termos de alojamento, a irmã de Margarida vivia em Lisboa há dois anos, o que lhe foi benéfico na transição para a capital. Tenta ir a casa, na melhor das hipóteses, uma vez por mês, e, na pior das hipóteses, uma vez a cada dois meses. Para isso, aproveita as alturas com menos trabalho, e, mesmo se tiver trabalhos, tenta acabá-los todos antes de ir para Santa Cruz, de forma a não ter preocupações.
Em relação ao que sente sobre a ilha, Margarida afirma: “Lá, sinto que estou em casa, mas [ao mesmo tempo] não sinto que estou em casa porque depois tenho sempre na cabeça voltar para Lisboa […]. Não estou em casa nem num lado nem no outro, quando estou cá estou a pensar em ir para lá e, por vezes, quando estou lá estou a pensar em voltar para cá”. Falou-nos das saudades que sente e do quanto gostou de lá crescer, no entanto, não se imagina a viver lá, devido, uma vez mais, às escassas oportunidades de trabalho, não deixando de lado a hipótese de ir para lá um dia morar.
A última entrevistada foi Magda Sousa, do 2º ano da licenciatura em Engenharia Física Tecnológica (LEFT). Passou a sua infância numa freguesia pouco populosa, no concelho de Angra do Heroísmo, na ilha da Terceira. Lá, a vida era tranquila e confortável, “diria até demasiado tranquila para mim”. No 11º ano, “tornou-se claro […] que queria seguir alguma coisa que puxasse por mim”, pelo que Engenharia Física Tecnológica era o caminho que mais lhe fez sentido.
Algo que notou de distinto em Lisboa foi o maior “ritmo e movimento”. “Mais trânsito… Menos vaquinhas”, explicou-nos num tom humorístico. Embora antes de abandonar a ilha tivesse já a noção que era o estilo de vida mais urbano com que mais se identificava, “lá tinha mais ar puro, mais tranquilidade, o prazer de ver o mar todos os dias.”
Ainda que a adaptação ao curso em si, ao ritmo de trabalho, às cadeiras, e às avaliações não tenha sido fácil, como a Magda confessa, a riqueza da vida académica no Técnico, incluindo os seus eventos e projetos, foi para si um conforto que lhe facilitou o processo de adaptação. As atividades extra-curriculares já eram uma parte significativa da sua vida, ainda antes de vir para Lisboa. Hoje, é diretora da ASTRO, uma das secções autónomas do Núcleo de Física do IST (NFIST), e integra o Pelouro de Relações Empresariais da AEIST. “Acho que fez toda a diferença, porque para além de […] conhecer muita gente […] e de me divertir, tem-me permitido crescer como pessoa, em aspetos não relacionados com o curso.”
Não obstante o facto de não conhecer ninguém no curso antes de vir, grande parte dos seus amigos da ilha seguiu o mesmo caminho de vir estudar para o continente. Em relação ao alojamento, considerou essa situação mais fácil, já que havia decidido estudar em Lisboa muito antes da sua entrada na faculdade, o que permitiu tratar do assunto com bastante antecedência. Cá em Lisboa, tem algures familiares com quem mantém contacto, “Tenho primos que às vezes me trazem comida. […] É sempre aquele conforto de se, nalguma situação, [estiver] doente ou mal, tenho alguém perto que me pode ajudar.”
O contacto com a sua terra natal mantém-se, embora de um modo distinto. Costuma ir a casa nas pausas entre períodos letivos já que, apesar de se tratar de uma deslocação de cerca de duas horas de avião, “acaba-se por gastar o dia todo” no aeroporto e nos deslocamentos.
No final, falou sobre como a visão sobre a sua ilha mudou. “«É necessário sair da ilha para ver a ilha», como dizia Saramago, e, em todos os sentidos possíveis, isso é verdade” Vê-se a fazer a sua vida numa cidade como Lisboa, ou mesmo no estrangeiro, depois de acabar o curso. Reconhece que não é um sentimento comum, até entre os seus amigos, e acha que alguns querem voltar, “ pelo conforto do nosso «cantinho». Quando estou lá, aprecio mais certas coisas que não apreciava na altura em que vivia lá”.
Referências: