Bernardo Santos, anterior presidente da AEIST: “Muitas vezes, o problema é mesmo sensibilizar os estudantes”

Autoria: Filipe Valquaresma (MEAer)

Bernardo Santos, o anterior presidente da direção da Associação dos Estudantes do IST, foi entrevistado pelo Diferencial. Nesta conversa, abordamos vários temas relativos ao recém-terminado mandato, que terminou no passado mês de novembro de 2023.

Os altos e baixos do mandato

Quando questionado sobre as principais conquistas da direção no seu mandato, Bernardo Santos destaca em primeiro lugar os investimentos que a AEIST pôde fazer, por exemplo, a nível do desporto universitário. Apesar de se ter iniciado “no mandato passado”, esta maior aposta no desporto permitiu dar às equipas da AEIST melhores condições, havendo, por exemplo, equipas cujos equipamentos “não eram alterados há cerca de dez anos”. Uma das principais bandeiras da sua direção sempre foi o desporto universitário, para poder munir os estudantes-atletas do IST com “as ferramentas necessárias para que pudessem atingir os patamares que são capazes de atingir”. Este esforço permitiu que houvesse “muito mais estudantes-atletas a querer participar e a fazer prática desportiva”.

Bernardo Santos destaca também o papel da AEIST nos vários fóruns inter-associativos em que tem assento, como a Federação Académica de Lisboa (FAL), o Encontro Nacional de Direções Associativas (ENDA), a Federação Académica do Desporto Universitário (FADU), ou a Associação Desportiva do Ensino Superior de Lisboa (ADESL). Segundo o antigo presidente, a “AEIST sempre participou muito ativamente nestes fóruns”, com material político e tendo até uma influência considerável neste meio.

A par do esforço investido na política externa, Bernardo Santos salienta também o reforço na aposta no que apelida de “política interna”, uma postura de maior proximidade com os órgãos deliberativos do IST, como o Conselho Pedagógico, o Conselho Científico, ou mesmo o Conselho de Gestão e o Presidente. 

Esta proximidade é especialmente importante face à baixa representatividade que os estudantes têm nestes órgãos, salienta Bernardo Santos, que, de forma “quase inédita” foi frequentemente convidado a participar nestas reuniões, constituindo um “reconhecimento” do valor da AEIST.  

Um outro aspeto igualmente importante para Bernardo Santos é o dos serviços prestados pela AE à comunidade, como é o caso da Secção de Folhas. Nesse campo, realça como um sucesso ter conseguido resistir à subida de preços dos seus serviços, apesar da crescente inflação que se viveu. Esta manutenção de preços, em prol dos estudantes, apenas pôde ser feita através de uma gestão financeira “rigorosa” e “controlada”.

Sobre a “experiência do estudante” que a AEIST procura proporcionar: a nível de eventos como o Arraial, eventos culturais, de emprego e empreendedorismo, ou feiras do livro, refere que o feedback tem sido sempre “em geral positivo”.

Quando questionado, por outro lado, acerca dos pontos baixos do mandato, o ex-presidente responde que, apesar de não ter corrido mal, há aspetos onde há ainda “espaço para crescer”. Um destes é a dificuldade em comunicar e a envolver os estudantes, facto que atribui ao grande número de estudantes que compõem a AEIST. De facto, envolvendo “cerca de 12 mil estudantes”, a AEIST é comparável em dimensão a uma associação académica de uma universidade, aponta.

Na sua opinião, a orgânica do associativismo no IST é bastante complexa, envolvendo núcleos, secções autónomas da associação de estudantes, e outros grupos organizados de estudantes como as comissões de praxe, o que leva a uma dinâmica “um bocadinho diferente” e que, por vezes, seja difícil garantir a “coesão e espírito académicos” entre os estudantes. Num total de 72 grupos estudantis, segundo contabiliza Bernardo Santos, o “maior desafio” é mesmo o de “sensibilizar os estudantes” para as diferentes atividades e linhas de ação que se desenrolam. 

A solução que o antigo presidente aponta para este desafio é a de apoiar mais os grupos estudantis e secções autónomas: é “essencial” que a AEIST tenha as “ferramentas para poder ajudar cada vez mais os grupos estudantis e as secções autónomas”, não só em apoios financeiros mas também em termos logísticos.

Representação Externa da AEIST 

Para o estudante menos atento, pode ser por vezes difícil acompanhar a participação da AEIST nos fóruns externos, ou até compreender o porquê de uma moção apresentada ou de um voto num determinado sentido pela sua associação dos estudantes. 

Nesse sentido, Bernardo Santos ilustra, utilizando como exemplo o ENDA (Encontro Nacional de Direções Associativas, um fórum de estudantes do ensino superior, representados pelas respetivas associações de estudantes ou académicas). Nestes encontros, existe uma Comissão Organizadora que fixa a agenda, definindo os temas a debate. Afirma orgulhosamente que a AEIST redige “sempre” moções para apresentar, apresentando-os previamente no seio da FAL, a Federação Académica de Lisboa. Estas moções, garante, vão de encontro ao que é decidido pelos estudantes do IST “em casa”, isto é, na sua Assembleia Geral de Alunos, o órgão deliberativo máximo da AEIST, respeitando assim as tomadas de posição deste órgão.

Na mesma linha, o sentido de voto da AEIST nestas votações é sempre bem estudado: os representantes estudam sempre em detalhe as posições prévias e respeitam-nas, tomando novas decisões que julguem mais adequadas quando surge a necessidade, uma vez que “estão mandatados para o fazer”.  Neste aspeto, questionado sobre se acha que os estudantes são devidamente informados sobre como são representados, Bernardo Santos responde que talvez até se pudesse “fazer um relatório”, mas tem dúvidas sobre se isso iria resolver o problema: idealmente, “as AGA podem servir para discutir estes assuntos”. 

A participação estudantil no IST e as Assembleias Gerais de Alunos

O “principal desafio” da associação, a dificuldade em mobilizar os estudantes, é especialmente visível através da participação nas assembleias gerais de alunos ou na participação nos atos eleitorais: apesar de ser composta por cerca de 12 mil estudantes, não é invulgar que haja um plenário com apenas duas dezenas de estudantes. 

A que se deve esta fraca mobilização, e qual é o papel da direção na resolução deste problema? Para Bernardo Santos, este problema assenta principalmente em dois eixos: no “desinteresse” e na “falta de informação”.

“Acredito que a maior parte seja mesmo desinteressada”, afirma o antigo presidente, acrescentando também que, “muitas pessoas podem não saber a importância” de uma AGA, “o órgão máximo da AEIST”. Outros, porém, por fazerem parte de uma instituição que requer “muito esforço académico”, tomam a escolha de, no fim do estudo, preferir gastar duas horas, “o único tempo [que têm]” numa atividade lúdica do que ir a uma assembleia geral de alunos, quando confrontados com a escolha. 

Ainda assim, defende que, mesmo que seja “remar contra a maré”, a solução passa por informar mais: “A participação acaba por ser um reflexo da dinâmica que existe”, pelo que apenas um “enfatizar da importância” trará mudanças.

Apesar de estas campanhas de sensibilização serem “trabalho da Mesa [da Assembleia Geral de Alunos]”, podem passar por divulgação física ou digital, continuando uma aposta que já se fez anteriormente.  

O Orçamento Participativo e as críticas

À semelhança de anos anteriores, a AEIST lançou um orçamento participativo por forma a financiar projetos de estudantes do IST que pudessem beneficiar a comunidade a nível académico, profissional, científico, artístico, cultural, ou desportivo, numa tentativa de envolver a comunidade na sua “tomada de decisões”. 

Neste ano, houve apenas um projeto aceite, o “Bar Aberto Grátis”, tendo como primeiro proponente o aluno Leonardo Pedrosa, projeto este que foi eleito pelos estudantes e realizado a 26 de outubro.

Este projeto foi, nas palavras do antigo presidente, “polémico”. Para isso terá contribuído o facto de ser uma candidatura única apesar de o regulamento prever o financiamento a dois projetos, bem como a abertura de uma segunda fase de candidaturas, caso necessário.

Bernardo Santos justifica: era “impossível, em termos contabilísticos”, abrir uma segunda fase. Isto porque, segundo o regulamento, o projeto “tinha de ser concluído até dia 1 de outubro”, quanto às despesas efetuadas.

Em termos de adesão, “é lamentável” que tenha havido um só candidato, defende. Enumera algumas de “imensas ideias” do que se poderia fazer com um orçamento deste tipo: “um evento mais cultural onde se pudesse fazer um maior investimento” ou “a pintura de um mural numa das paredes do nosso instituto”, por exemplo.

Além disso, defende que a divulgação foi “cuidada”, através de panfletos e de meios digitais, mostrando alguma “pena” e incompreensão pela baixa participação.

Ao dinheiro que não foi gasto num segundo projeto, porém, foi dado outro uso: este pôde ser aplicado para “alavancar as bolsas de mérito desportivo”, que não estavam inicialmente orçamentadas. Neste aspeto, a Universidade de Lisboa está “a anos luz” de outras instituições, uma vez que, na sua opinião, não efetua adequadamente este reconhecimento do mérito. 

A relação entre a AEIST e os órgãos de escola do IST

A AEIST representa os estudantes do Técnico. Além dela, os estudantes são também representados por colegas seus nos variados órgãos de escola, havendo muitas vezes alguma sobreposição, porventura devido a serem já pessoas com maior apetência ou interesse na política e representação estudantis. Bernardo Santos é, ele próprio, um dos dois representantes dos estudantes no Conselho de Escola, por exemplo.

Quando questionado sobre a relação da AEIST com os órgãos de escola do IST, e como pode contribuir para a defesa dos interesses dos estudantes, Bernardo Santos regozija-se com a aproximação que afirma ter havido, ao longo do seu mandato, entre a associação e  estes órgãos.

Enquanto presidente da AE, “acabava por ter um bocadinho o contacto com os estudantes, seja com a vice-presidente [estudante] do Conselho Pedagógico, com os estudantes da Comissão Permanente da Assembleia de Escola”, por exemplo.

Ao longo do mandato, teve a oportunidade de poder levar os assuntos diretamente aos presidentes ou vice-presidentes responsáveis de cada órgão, o que é um sinal da abertura e proximidade face à Associação de Estudantes.

Salienta em especial o contacto que teve com a professora Teresa Peña, presidente do Conselho Pedagógico, principalmente pelo “papel essencial” deste órgão na “nossa vida académica”.

Quanto ao Conselho de Gestão, o contacto era feito diretamente com o vice-presidente responsável em função do assunto de que se tratava. Por exemplo, se se tratava de um problema “no âmbito das obras” , podia contactar diretamente o professor Miguel Amado, vice-presidente responsável pelas infraestruturas, ou se era alguma questão “estratégica” podia dirigir-se ao vice-presidente professor Pedro Amaral. 

Como se pode manter o equilíbrio entre uma postura cordata que permita ser ouvido e auscultado frequentemente com uma postura de defesa intransigente dos direitos dos estudantes? Segundo Bernardo Santos, só é possível seguindo duas regras: “Um: havendo sempre educação, e dois: nunca concordando”.

O problema da alimentação

Nas palavras de Bernardo Santos, o problema da alimentação foi como uma “bomba” que rebentou logo no início do mandato. Após uma fase inicial em que a direção recém-eleita ainda se estava “a inteirar de tudo”, os estudantes ficam “sem sítio para comer”.

A partir daí, a postura da AEIST foi sempre “muito reivindicativa” e “aguerrida”. Dentro dos limites da sua atuação, defende, a associação fez tudo o que pôde, ilustrando com o exemplo da tenda: “As pessoas podem considerar que foi, ou não, algo bom a implementar. Mas conseguimos, em tempo recorde, (…) ter uma tenda” para que quem quisesse trazer a comida de casa ou trazer o tabuleiro da cantina “tivesse um sítio onde sentar, para não comer nas escadas”. Além da tenda, a associação colaborou no sentido de providenciar micro-ondas para aquecer refeições, e tentou até “dar ideias”, mesmo em termos logísticos, sobre como otimizar os processos na cantina.   

Assim, acredita, a AEIST foi uma contribuição importante neste “período bastante sombrio” que os estudantes encontraram.

MEPP: Inquérito e Referendo

Em 2023, a AEIST promoveu um referendo à comunidade estudantil, incidindo sobre o novo Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas (MEPP). Adicionalmente ao referendo, que tinha 4 questões de sim ou não, em urna, promoveu também um inquérito aberto a toda a comunidade com o objetivo de “descortinar” em maior detalhe cada uma destas questões.

Desta consulta, foi possível retirar algumas conclusões bastante claras, afirma: “92% dos estudantes considera que o MEPP foi mal implementado”, por exemplo, demonstrando também “uma clara preferência pelo regime semestral”.

Estas conclusões, disponíveis no relatório produzido pela AEIST, foram transmitidas aos órgãos de gestão, garante. A mensagem transmitida foi que “a comunidade tem esta preferência, e existem estes problemas, e queremos discutir as soluções com vocês” , afirma. 

“O MEPP não se resume só a quarters ou semestres”, afirma. “O MEPP é toda uma mudança de autonomia, horas de contacto, (…) e não me chocaria que em 26/27 se voltasse ao semestre.”

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