Autoria: João Carranca (MEIC-A), Mariana Campos (MEAer)
Milhares de estudantes do IST passam parte substancial dos seus dias em Lisboa. Muitos vivem no concelho, outros fazem diariamente a travessia, vindos de outros pontos do distrito. O Diferencial sentou-se com Carlos Moedas, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e alumni do IST, para discutir temas como a habitação, residências universitárias e os transportes públicos.
Carlos Moedas tomou posse como Presidente da Câmara Municipal de Lisboa em 2021. Desde então, enfrentou um conjunto de desafios estruturais, em particular a crise na habitação. Modernizar o sistema de transportes públicos e melhorar os índices de sustentabilidade da cidade são também alguns dos principais desafios do mandato e que mais preocupam os mais jovens.
Habitação
O executivo de Carlos Moedas tem proposto medidas no sentido de tentar aliviar a crise de habitação que a capital vive, nomeadamente, um programa de apoio à renda, que visa dar um apoio a quem esteja a gastar mais de 30% do seu rendimento mensal na renda da casa, particularmente direcionado a profissionais deslocados.
“A nossa ideia era construir, no fundo, um esquema em que o privado ganharia menos do que ganhava no normal da sua atividade, mas não perdia dinheiro. E aí é que começou a dificuldade com a oposição, porque a oposição continuava a insistir que tinha que ser uma parceria em que o público ganhava tudo, e isso não é possível.”
O programa não foi, entretanto, viabilizado pela oposição na Assembleia Municipal, mas Carlos Moedas não acha que a porta esteja totalmente fechada.
“Estamos a trabalhar com a oposição. Sempre em diálogo. Portanto, ainda há hipótese. E isto é mesmo franco e sincero. Neste momento ainda não conseguimos chegar a um apoio. Mas há hipótese.”
Numa fase inicial, o plano é começar pela construção de 550 habitações nas freguesias de Benfica e Parque das Nações, mas há depois a ideia de expandir o projeto a outras localidades.
“A questão é onde é que estão os terrenos, não é? Nós temos em Lisboa ainda muitas áreas de potencial de construção, áreas que muitas vezes estavam abandonadas. É o caso do Vale de Santo António. Estamos aqui a projetar para além de 3 mil fogos. A questão é onde é que há espaço, onde é que há viabilidade”.
O autarca defende também que os índices de habitação pública em Lisboa estão-se a aproximar do resto da Europa mas admite que não é suficiente.
“Em Lisboa, nós temos 66 mil pessoas a viver em cerca de 22 mil apartamentos de habitação pública, dá por volta de 13% da população do concelho, mas o parque público tem nitidamente que aumentar muito mais em Lisboa, até porque eu tenho 6 mil pessoas em lista de espera.”
Sobre a origem do dinheiro que tem usado para aumentar o investimento em habitação, nomeadamente para executar o aumento de 40% previsto para a área no orçamento de 2024, Moedas remete para os fundos europeus.
“Uma grande fatia vem dos contratos com a União Europeia, no programa que eles criaram do Next Generation EU, vulgo PRR, e em que nós somos seguramente o município em Portugal que mais assinou programas. Só em contratos vamos ter 560 milhões de euros que eu assinei, mais 200 milhões de euros que pomos de capitais próprios, portanto, estamos aqui a falar acima de 700 milhões, quase 800 milhões de euros para habitação.”
Carlos Moedas fala ainda do tema dos licenciamentos, fazendo a separação entre aqueles que considera serem os três principais tipos de licenciamento.
“Primeiro há as pequenas obras de ampliação,e essas estamos a conseguir entre dois meses a três meses, e isso é uma grande parte dos licenciamentos. Depois, os projetos de até 1800 metros quadrados, em que passámos de 7 meses para 5 meses,e depois nos projetos acima de 1800 metros quadrados, passámos de 12 para 10 meses.”
Menciona também a recente alteração da lei no âmbito da habitação que muda a dinâmica dos licenciamentos do ponto de vista da Câmara na sua interação com os munícipes.
“Antes as pessoas metiam um projeto de arquitetura, que era aprovado, depois havia uma licença de construção, e depois, simplificadamente, quando tudo estava terminado, ia-se lá ver se a obra estava consoante o projeto e havia uma licença de utilização, quer dizer que a pessoa já podia ir para lá viver, já podia vender e transacionar o seu imóvel. Com esta mudança da lei, deixa de haver a licença de utilização e a própria licença de construção, e, portanto, no fundo, as pessoas só têm que informar a Câmara (..) Tem a vantagem de que acelera muito estes processos, mas pode ter o inconveniente de que, se a fiscalização não funcionar, as pessoas podem fazer um mamarracho qualquer e depois ninguém para aquilo.”
Residências Universitárias
A inauguração da residência Manuel da Maia, em frente ao Campus da Alameda do IST e com capacidade para 320 estudantes, cuja execução se iniciou no mandato anterior, aumentou a oferta disponível para os estudantes deslocados, mas não resolveu o problema de falta de camas para aqueles que vêm de fora da capital estudar.
O Presidente da Câmara já havia anteriormente referido outros projetos a serem pensados pelo seu executivo no âmbito das residências universitárias, nomeadamente planos para 900 novas camas. De acordo com dados disponibilizados pelos serviços da câmara municipal, essas 900 camas serão construídas na freguesia de Marvilla, havendo ainda planos para mais 120 camas na freguesia de Benfica. Moedas refere que a câmara tem a obrigação de lançar projetos deste tipo sempre que possível: “Os preços dos privados para residências são muito elevados e, portanto, nós temos que contrabalançar com os preços públicos mais baratos.”
Ensino Superior em Lisboa
O Ensino Superior na capital é muitas vezes alvo de discussões e análise. Para além do constrangimento trazido pela subida dos preços da habitação, há quem refira a excessiva centralização de instituições de Ensino Superior em Lisboa como insustentável e prejudicial ao desenvolvimento de outras regiões. Moedas mostra-se relativamente conservador em relação ao tema.
“Eu, como Presidente da Câmara de Lisboa, gosto de ter as universidades em Lisboa e, portanto, eu devo defender o meu território. Lisboa, centrando-se na inovação, na tecnologia, precisa dos melhores. A minha ambição é que Lisboa seja o ponto mais alto do talento e da arte, mas não quer dizer que eu não esteja de acordo que o sistema universitário esteja em todo o país.”
Para além disso considera que existe ainda espaço para construir novos campi, com um estilo “urbano”, à semelhança do modelo de campus universitário que existe, por exemplo, em Nova Iorque, onde, naturalmente, o tipo de instalações universitárias que existem não se comparam em tamanho aos grandes campi em Boston ou noutros pontos dos Estados Unidos.
O atual Presidente da Câmara reforça a necessidade de atrair o melhor talento para a capital e dá o exemplo do Instituto Superior Técnico: “Não quero fazer nenhum desprimor aos professores do Técnico, mas o Técnico é muito bom porque tem os melhores alunos e a função dos professores do técnico é não estragar os alunos. Essa atração de talento é essencial.”
Posiciona-se ainda firmemente contra uma maior igualdade na distribuição de fundos pelas instituições de ensino superior.
“É muito perigoso quando se vê estas discussões de : “Devia-se dar o mesmo dinheiro a todas as universidades”. Devia-se dar o mesmo dinheiro a todos os projetos universitários. [..]Há projetos melhores do que outros. Há projetos que são estrela. E a esses nós temos que dar mais dinheiro.”
Lisboa vs Europa na atração e retenção de talento jovem
É conhecida a dificuldade que existe em Portugal de competir a nível de salários com o resto da Europa, especialmente em profissões que exigem trabalhadores altamente qualificados, como os engenheiros. Trata-se de um problema ao qual Lisboa não escapa, no entanto, o atual executivo tem assumido o objetivo de projetar a cidade como uma capital da inovação, que se destaque precisamente na atração de talento. O Presidente admite dificuldades na concretização deste objetivo e aponta, em particular, para a situação económica do país nos últimos 20 anos como entrave. No entanto, refere também que já há resultados positivos a apresentar.
“Só nestes dois anos, trouxemos 54 empresas tecnológicas para Lisboa. Trouxemos 12 unicórnios [empresas valorizadas em mais de 1 mil milhões de euros] que de outra maneira se calhar não tinham cá escritório. Não chega, mas é uma grande ajuda para o país, porque nós somos o motor económico do país.”
Transportes públicos
Uma das medidas do programa eleitoral de Carlos Moedas para as autárquicas de 2021 no âmbito da rede pública de transportes é soterrar a linha de comboio entre a estação de Algés e do Cais do Sodré. É uma medida para muitos controversa já que inviabiliza uma das mais movimentadas ligações de toda a Lisboa. Muitos questionam em particular, quais seriam as alternativas durante o processo de obras para acomodar as necessidades dos munícipes e de quem vem de fora.
“É um projeto de longo prazo que eu estou a começar, que nunca se conseguia fazer num mandato. A linha que vem de Cascais corta completamente a cidade, é um muro entre a cidade e o Rio.”
Neste aspeto, Moedas evoca as mesmas motivações que o seu antecessor, Fernando Medina, nomeadamente que a linha é atualmente um entrave à requalificação de toda a zona ribeirinha.
Sobre como executar o projeto, sem causar transtornos significativos aos munícipes, o Presidente da Câmara levanta várias hipóteses.
“Seja por via do desnivelamento que estamos a estudar, seja outras hipóteses, como por exemplo o comboio de cascais chegar até Algés e depois aí ligar a Alcântara para a linha circular e toda esta parte ser feita, por exemplo, com um transporte como o BRT[Bus Rapid Transit], que é um metro mais ligeiro.”
O desnivelamento permitiria que a ligação se mantivesse praticamente inalterada em termos de capacidade e frequência, já que a linha continuaria a existir mas debaixo de terra. As outras hipóteses envolvem a remoção total da linha e dependem de outros projetos, tanto a nível do metro, como do sistema ferroviário suburbano, já que o executivo camarário coloca completamente de lado a hipótese de não apresentar alternativas a quem faz o percurso atualmente suportado por este segmento da linha cascais. A ligação até Alcântara por via de BRT, exigiria também um projeto novo para uma linha de metro ligeiro que servisse eficazmente os utilizadores da linha de cascais.
Também no tema dos transportes, Carlos Moedas tem defendido ativamente que a tutela do Metro deveria pertencer à Câmara Municipal de Lisboa e não ao governo central.
“O principal serviço do Metro é em relação ao concelho de Lisboa. Quando avariam as escadas do Metro, eu tenho que telefonar ao Metro, quando há um problema, eu tenho que pedir ao Metro. Para além disso, obviamente, as pessoas olham para o Metro e culpam-me a mim, portanto, eu estou na linha da frente.”
Moedas levanta também questões de coerência a nível de política de mobilidade com a separação de tutela entre a Carris Lisboa e o Metro.
“Se a Carris é da câmara, o Metro também tem que ser. A área metropolitana existe, mas não tem a mesma capacidade que a câmara de Lisboa. Lisboa não são só os 546 mil habitantes do concelho, são 546 mil, mais quase um milhão que entram e saem na cidade todos os dias. Eles também são lisboetas, e eu quero que eles venham. Eu é que os trago para Lisboa, e eu é que também, à noite, os posso levar para casa.”
Para o Presidente, as experiências passadas, em que foram preciso coordenar esforços entre empresas de transporte com tutelas diferentes, são mais uma razão para defender outro modelo de operação.
“Eu vi o que é que sofri para conseguir fazer os transportes públicos gratuitos. Tinha que andar, tratar com a Transportes Metropolitanos de Lisboa, que não responde à câmara de Lisboa, responde a todos na AML[Área Metropolitana de Lisboa].”
No âmbito da TML (Transportes Metropolitanos de Lisboa), o líder do executivo camarário critica fortemente o nome dado à nova empresa de transporte metropolitano, Carris Metropolitana, isto devido à semelhança com a Carris Lisboa.
“Tem sido um problema enorme para mim, porque nós tivemos um aumento de queixas brutal de pessoas que queriam queixar-se da Carris Metropolitana, e vinham queixar-se à Carris Lisboa. Eu acho que o nome destas duas empresas ser o mesmo é um erro, é muito problemático. Nós tínhamos e temos uma marca muito forte que é a Carris Lisboa. Isto teve um efeito negativo.”
A GIRA ,e, por consequência, o tema das ciclovias, é das questões que mais levantam polémicas e críticas vindas da oposição municipal. Moedas considera que muitas das críticas que lhe são dirigidas no tema das ciclovias estão desenquadradas.
“Eu penso que é mais ruído político do que outra coisa. O Presidente da Câmara gosta ou não gosta das ciclovias? Eu estou a construir 19 novas ciclovias. Portanto, para quem não gosta, acho que seria um bocadinho exagerado. Agora, as ciclovias têm problemas que nós temos que resolver. Por exemplo, a Almirante Reis, que estamos agora a redesenhar. Também há muita gente que se queixa ali ao pé do técnico da Defensor Chaves que tem cruzamentos que estão mal feitos.”
Considera também que a GIRA não está suborçamentada.
“Nós quando chegámos, tínhamos 1140 bicicletas. Agora já temos 1500. Aumentámos quase 500, e queremos aumentar mais 500.”
Nota: A entrevista foi conduzida em março de 2024.