Entrevista NucleAR: “Curso sustentado à base de uma loja de impressões no Braço de Prata”

Autoria: Ângela Rodrigues (LEFT) e João Dinis Álvares (MEFT)

O Diferencial entrevistou a direção do Núcleo de Estudantes de Arquitetura, NucleAR, composta por Joana Bento, Nuno Urbano e Tomás Ribeiro, sobre o estado atual do Núcleo e do Curso de Arquitetura. Aqui se expõe a decadência de um curso até agora ignorado pelo Instituto Superior Técnico e pela Associação de Estudantes.

Joana, Nuno e Tomás são alunos do 3º ano e tomaram posse do NucleAR no dia 21 de setembro. Em 1998, fundou-se, no Instituto Superior Técnico, o curso de Arquitetura. “O NucleAR foi criado poucos anos depois do curso ter sido criado”, acrescentou Tomás, “por volta dos anos 2000, como uma iniciativa de estudantes, não só na perspetiva de criar uma associação que defendesse os alunos [do curso], mas também como um grupo de alunos que pudessem promover uma série de atividades e iniciativas paralelas ao curso”.

“E, infelizmente, [o NucleAR] serve para algumas coisas para as quais não deveria servir.”

Este artigo, devido à grande quantidade de problemas abordados, está dividido da seguinte forma: As Atividades do NucleAR; O Curso de Arquitetura e os Problemas Acumulados com os Anos; A Plotter do NucleAR – O Sustento do Curso; O Corpo Docente, os Problemas da Avaliação em Arquitetura e o Espírito do Curso; Saúde Mental e Como se Sobrevive.

As Atividades do NucleAR

Já chegaram a ser Secção Autónoma da AEIST, mas em 2019 saíram porque de nada beneficiavam com isso. Sobre as atividades que costumam desenvolver, destaca-se o “5×5”.

“Fazemos todos os anos e é uma seleção dos projetos finais do ano, 5 de cada ano”, explicou Joana. “São os professores que escolhem e depois nós tratamos da exposição e, pronto, é uma maneira também de nos mostrarmos, porque o curso de Arquitetura não é muito conhecido aqui no Técnico.”

Para além disso, o NucleAR organiza visitas a obras, ateliês, conferências relacionadas com o curso, “vai sempre tentando complementar um bocadinho o curso, porque, claramente, aqui [no curso] tu não sais preparado [para a parte mais prática]. É uma irrealidade completa, é aquela bolha académica. A não ser que faças um estágio durante o verão, sais daqui com uma ideia muito escassa do que existe para além do Técnico”. A direção do núcleo referiu ainda que querem organizar jornadas do curso, que até ao momento nunca foram feitas.

Sobre a preparação dos alunos mal saem do curso, “tu notas perfeitamente que as pessoas chegam ao quinto ano e estão ali todas um bocado à nora, do género, o que é que vou fazer a seguir?”

“O NucleAR tem a responsabilidade de dar cultura. Construir cultura para os alunos.”, que é algo bastante necessário nos projetos. “Temos muitas cadeiras de engenharia e a história fica um bocado de lado.” E a “história é a única coisa que nos dá cultura.”

Costuma ser neste ponto que os alunos de arquitetura são fortemente julgados nas avaliações, pela falta de referências e cultura relacionados com outros arquitetos de renome. Afirmaram ainda que “em Lisboa há muita cultura arquitetónica que se pode ver e que as pessoas nem sabem que está cá”. É por este motivo que os alunos costumam ir a um país escolhido para ver um projeto, palácio, etc., tendo este ano sido a Alemanha. Estas viagens são organizadas pelos professores, e, por norma, todos os anos têm a sua viagem. São também os professores os responsáveis pelo roteiro, selecionando vários pontos de interesse relacionados com o tema do projeto do ano e com cultura arquitetónica no geral. Convém mencionar, no entanto, que “é uma viagem totalmente paga pelos alunos, sem o apoio do Técnico para praticamente nada.” 

Outra das iniciativas do NucleAR é o Projeto Relâmpago, no qual se distribuem os alunos por grupos, “onde os mais novos aprendem com os mais velhos e durante uma semana faziam um projeto, não tinham aulas”, algo que era assegurado pela Coordenação do Curso. No ano passado, o projeto foi feito em parceria com o Técnico Sustentável e, como normalmente os alunos se dirigem para o sítio sobre o qual vão fazer o projeto, neste caso tinham de encontrar um sítio para poderem trabalhar no Técnico. Acabaram por fazê-lo na Biblioteca do Central, mas ainda assim dizem que houve uma falta de vontade por parte do próprio Técnico: “eles queriam um projeto feito pelos alunos de Arquitetura, de graça, e não nos davam um espaço para trabalhar.” E ainda foram ameaçados de que, se estragassem alguma coisa, teriam de pagar todos os danos.

O Curso de Arquitetura e os Problemas Acumulados com os Anos

A maior parte dos cursos não tem grande noção de que a cadeira de projeto, para nós, é 80% do nosso tempo. É um caso único no Técnico. É um curso que tem uma cadeira principal, fundamental, que estrutura tudo;  as outras são um bocado satélites que a vão complementando e andando à volta dela. Os professores não percebem isso, principalmente os professores dos Departamentos de Engenharia, que dizem para os alunos irem às aulas, mas em entrega de projeto ninguém vai às outras aulas.

“É projeto dia e noite.”, disse Nuno. “É normal e necessário.” E, para agravar isso, os professores normalizam esse comportamento. “Eles chegam lá de manhã, às oito, e eles sabem perfeitamente que nós estamos ali há dois, três dias, se for preciso. […] E mesmo os professores do projeto não percebem muito bem que nós também temos de parar um bocadinho para conseguir trabalhar nas outras cadeiras.”

“Em todos os cursos de arquitetura, há gente a fazer diretas para acabar uma maquete ou um dos outros projetos. No Técnico, o problema é que, ao longo dos anos, foram-se normalizando algumas coisas que não deveriam ter sido normalizadas. O que nós sentimos no curso é que, de facto, andam há muitos anos a acumular vários problemas institucionais e a descoordenação entre cadeiras é gritante.”

Referiram ainda que, com o MEPP, sendo o único Mestrado Integrado no Técnico, sempre tiveram a vantagem de não serem tão afetados por esta mudança mas “alguns professores viram isso mais como uma desculpa para não se mexer [no curso].” Um dos problemas fundamentais é a coerência letiva entre os projetos de ano para ano, onde os professores regentes de Projeto não querem saber do que se fez no ano anterior. “Por exemplo, nós, no primeiro ano, o projeto final foi fazer um percurso urbano, uma coisa muito conceptual. Passamos para o segundo ano, e de repente tínhamos de fazer uma escola de hotelaria e um hotel com 5000 metros quadrados. Passas para o terceiro ano e afinal é só fazer uma casa de 250 metros quadrados. Isto não faz sentido nenhum. A aprendizagem tem de começar por uma escala reduzida e evoluir progressivamente para uma maior”

A questão da cadeira de projeto acaba por piorar uma vez que a avaliação é muito subjetiva, e dependente do gosto do professor que avalia. “Não nos podemos esquecer de uma coisa que é, boa parte dos nossos professores de projeto não são professores full-time aqui. [Ser professor cá] é um emprego relativamente secundário, porque têm ateliers lá fora e vêm cá umas horas por semana dar a aula de projeto e vão embora. Acabamos a sentir que por vezes não há muito compromisso, parece que os alunos é que lutam pelo seu curso”

Um problema gritante é também as condições de trabalho nas salas de projeto. No passado ano letivo, num dos anos, não havia espaço para toda a gente na sala e os alunos ficaram numa situação extremamente precária: “tu precisas de fazer uma direta e fazer uma maquete enorme, mas tens de ficar no corredor. Nós simplesmente não tínhamos espaço para trabalhar. E muitas vezes somos incomodados por órgãos de gestão ou pelo corpo de seguranças. As pessoas estão cansadíssimas, a trabalhar em condições precárias e ainda têm de ouvir raspanetes por tentarem desenrascar um espaço de trabalho. Sentimo-nos completamente abandonados à nossa sorte.

“Tudo em Arquitetura é desenrascado. É tudo feito em cima do joelho. Se o pessoal de outros cursos do Técnico se queixa das más condições que têm nos seus laboratórios, nós então é mesmo darem-nos um pau e uma pedra para a mão e dizer «façam-me aí alguma coisa». […]”

Aquilo que nós sentimos é que somos ignorados pela Direção do Técnico, que eles parece que se esquecem que têm um curso de Arquitetura. […] Eles não conhecem a nossa realidade e não percebem. «O melhor curso de arquitetura do país?» Como é que este é o melhor curso de arquitetura do país? Se isto é o melhor do país, meu deus, o que é que se está a fazer no resto? Por exemplo, nós, no nosso primeiro ano, fomos visitar a faculdade de arquitetura da Universidade do Minho e podemos dizer com confiança que dá dez a zero às instalações que há aqui, no Técnico. […] As coisas por aqui estão cada vez mais a cair de podres, mas este estranho orgulho bacoco continua.

A Plotter do NucleAR – O Sustento do Curso

Um dos grandes problemas referidos pela direção do NucleAR está associado à existência de uma única plotter para todos os alunos e à inexistência de outros equipamentos. “O Técnico não nos dá nada […] alunos de arquitetura de outro lado têm impressoras 3D, têm corte a laser, têm várias plotters. Nada disto está à nossa disposição”.

Ao contrário do que acontece com outras faculdades, a plotter existente não é concessionada a uma empresa, mas de gestão própria do NucleAR. No entanto, a utilização da plotter está sujeita ao pagamento de uma subscrição por parte dos alunos, de modo a suportar os custos. “O ideal seria o Técnico não cobrar a plotter e termos mais capacidades  de fazer corte a laser. Até podiam cobrar o corte a laser, mas em vez de estarmos a ir a uma loja lá fora e cobrarem-nos um rim, podiam fazer um preço mais simbólico. […] o Técnico subsidiaria para nós termos aquilo a um preço mais acessível. Numa altura de aumentos brutais de custo de vida, estas coisas colocam um fardo enorme nos alunos, em particular os deslocados.”

Apesar de referirem que a existência de corte a laser facilitaria o seu trabalho, consideram que a questão da plotter é completamente essencial para o funcionamento do curso. Atualmente, a plotter gerida pelo NucleAR não lhes pertence. É fruto de um ato de caridade por parte de alguém não ligado ao IST, uma vez que, após uma avaria, não foi possível consertar a plotter antiga por falta de dinheiro. “Nós tínhamos uma plotter nossa, só que ela avariou e não tínhamos dinheiro para a arranjar. Então, o senhor a quem nós comprávamos o papel e os tinteiros, arranjou-nos uma plotter de alguém que não a queria. E ele literalmente ofereceu-nos a plotter de graça. Nós compramos-lhe os rolos e os tinteiros e ele deixa-nos ter a plotter. Não nos cobra sequer a manutenção. Ele ajuda-nos muito, é impecável. Este curso funciona porque esse senhor sustenta o curso à base de pura caridade. O senhor não tem nada a ver com o Técnico. Trabalha numa loja de impressões, no Braço de Prata, que faz manutenção de impressoras. O Técnico nem sonha que isto é a realidade.”.

A direção do NucleAR referiu que o LTI de Civil também tem plotters, mas aí os preços são mais elevados e o serviço não é muito fiável. Para além disso, estas plotters só estão disponíveis durante o horário de funcionamento do LTI, o que não é compatível com a cultura de diretas implementada no curso de arquitetura. “O LTI também tem plotters, só que depois eles também têm de fazer o seu lucro […] a plotter deles é muito lenta a imprimir, imprime com qualidade dúbia e fecha ao início da noite. O bom da plotter [do NucleAR] é isso. Nós que vamos fazer muitas noitadas precisamos de ter uma plotter à noite disponível para nós usarmos. Com a subscrição, os alunos podem imprimir o que quiserem, mas depois temos de impor algumas regras por causa dos painéis e das manchas de tinta ”.

“Mas a verdade é que a plotter sustenta o nosso curso. Os próprios professores sabem que a plotter é importante. Nós tivemos uma reunião com eles no início do ano e disseram que eles próprios, principalmente os de projeto, iam fazer pressão ao departamento e ao Técnico para nos ajudarem a sustentar a plotter.”, refere Nuno.

De modo a tentar que este serviço fosse providenciado pelo Técnico, no ano passado, o presidente responsável pela plotter reuniu com o conselho de gestão, mas a solução encontrada não era favorável para os alunos, pois a ajuda dada não permitia que deixassem de pagar o serviço e implicava um maior controlo de segurança da plotter. Relativamente à segurança, “Uma das opções era a nossa plotter ir para o LTI, mas deixava de ser 24 horas por dia. Outra solução seria um leitor de cartões, mas nós não temos dinheiro para instalar isso, nem conseguimos arranjar isso. […] A condição para eles nos darem apoio financeiro é termos segurança para controlar abusos.”.

“Era um problema que nós tínhamos muito no passado: os abusos e a utilização indevida da plotter.”, refere Nuno.

“No ano passado a plotter teve de ir para a sala do terceiro ano, porque houve obras na sala do NucleAR onde os alunos podiam ir o dia todo. Essa nossa sala estava sempre aberta. Ninguém vigiava nada. Este ano ela ainda está lá na sala do terceiro ano, e felizmente os abusos caíram a pique”.

Um dos problemas com a plotter ao longo dos anos tem estado associado às regras de utilização e a abusos face às mesmas. De modo a poderem utilizar este serviço, os alunos de arquitetura têm de pagar o tal valor simbólico que permite sustentar os custos, mas isto nem sempre é bem visto por alguns alunos que consideram que têm direito a utilizar a plotter por pagarem propinas. De facto, isto seria compreensível se o serviço fosse providenciado pelo IST, mas não o é. “[…] é compreensível as pessoas estarem chateadas de pagar propinas, têm que pagar a plotter, o material, têm que pagar impressões de painéis fora do técnico… Tudo no nosso curso é um custo extra”.

Quando questionados sobre o porquê do LTI não fornecer um serviço adequado às suas necessidades, a direção do NucleAR descreveu o LTI como “a sala de computadores de civil”, pelo que nunca existiu uma grande preocupação em existir uma impressão de alta qualidade. “[…] nós, em arquitetura, temos de ter mais preocupações extra com isto,  porque se vai apresentar um painel A0 ou A1 a um professor, e está tudo pixelizado, vais levar na cabeça, e com razão.”.

Atualmente, de modo a conseguirem imprimir com a qualidade necessária, o NucleAR tem um acordo com a Copitec, em que quem tiver a subscrição, tem direito a um desconto nas impressões “Mas lá está, isto são tudo serviços que aqui são externalizados, mas que em qualquer faculdade arquitetura decente deste planeta, são serviços ou internos ou são concessionados a alguém que está lá.” acrescenta Tomás.

“Este ano calhou-me fazer a visita aos alunos de Erasmus, quando eles chegaram. Devem perceber que é um bocado humilhante para nós, que estamos aqui a ser a cara do Técnico, ter de dizer a um aluno de Erasmus, que veio para cá um semestre, que cortar a laser, «esquece-lá isso», impressoras 3D, «isso é uma tecnologia rara que nós não temos», plotter, «é a que nós temos, e é bom que vocês se ponham todos a pau, porque senão acaba-se o dinheiro e acabamos também com a plotter». Isto são tudo serviços fundamentais num curso de arquitetura normalíssimo. Mas os alunos de Erasmus chegam cá e percebem,  «ah, esta malta nem os mínimos olímpicos tem».”.

A direção do NucleAR voltou a reforçar que uma plotter é manifestamente insuficiente para todos os alunos, especialmente quando há impressões que são muito demoradas. “Há booklets que demoram 4 horas a imprimir porque são páginas enormes e têm que imprimir tudo de seguida. Nós a querer imprimir planeamentos de maquetes e eles não podem parar a impressão a meio.”

A situação com a plotter é de tal modo dramática que a direção deste ano estava decidida a acabar com a plotter: “No ano passado aquilo estava tão mal que eu este ano já vinha com a ideia que «eu vou dar o benefício da dúvida, vou dar a plotter e no final do primeiro semestre, vai correr tão mal que eu vou acabar com a plotter» […]”.  Tal como já referido, este ano não estão a existir tantos abusos, mas as regras de utilização não estão a ser totalmente cumpridas. “Nós não podemos deixar imprimir os painéis por causa da tinta e disso tudo, porque é caro, e as pessoas vão lá e imprimem na mesma porque pensam «eu pago propinas». Pensam que têm o direito a tudo, mas nós não podemos ter direito a tudo, isto é um privilégio pago com muito esforço dos alunos” reforça Nuno.

Este ano, os preços da plotter tiveram de ser alterados devido à inflação e os alunos queixaram-se dos preços que estavam a ser praticados, apesar destes serem “irrisórios, tendo em conta que se paga lá fora”. Por exemplo, os alunos de 4º e 5º ano têm uma subscrição atual de 40€ por período, para o grupo todo, o que lhes permite imprimir todos os booklets que necessitem para as apresentações que forem pedidas, enquanto um único booklet lá fora pode custar 20 ou 30€ (e eles têm de entregar cerca de 3 por período). “[…] as pessoas estavam sempre a dizer que isto estava muito caro, […] porque as pessoas estão habituadas a que aquilo sempre foi bom, sempre foi barato, agora nós aumentámos os preços porque é necessário e as pessoas não conseguem perceber isso.”.

Em anos anteriores, devido a outras políticas de subscrição como um pagamento anual ou a não subida de preços durante um período de inflação, o dinheiro da plotter acabou “no início do 1º semestre ou a meio do 1º semestre” e foi necessário utilizar dinheiro do próprio núcleo (dinheiro que não tinham) para sustentar a plotter. “No ano passado [também] aconteceu, tiveram de injetar dinheiro. Este ano tivemos de aumentar os preços […] porque a plotter é realmente necessária para o projeto, um bem essencial que nós temos de ter.”. De forma a evitar estar a utilizar dinheiro do núcleo, este ano a direção decidiu separar a conta central do NucleAR da conta da plotter. “É para não haver efeito de contágio. Se a plotter for ao fundo não arrasta ninguém com ela”, explica Tomás, “foi logo uma das nossas primeiras decisões de tesouraria quando tomámos posse”.

“Nós estávamos mesmo convencidos que isto não ia aguentar meio semestre. Se nós gastássemos tudo e a plotter acabasse com o dinheiro, para fazer qualquer outra coisa, não teríamos dinheiro. A plotter consegue mesmo tornar-se uma sanguessuga de dinheiro, basicamente.” Referiram também que algumas administrações anteriores, apesar de estarem endividadas, decidiram manter a plotter em funcionamento porque “seria politicamente incorreto e o fim do serviço levaria o curso a revoltar-se.”.

Nós, este ano, estávamos dispostos a acabar [com a plotter]. Em várias dimensões da nossa administração, nós os três tivemos que tomar esta atitude mais assertiva do estilo de «se a malta não gostar, não gostaram». O dinheiro não estica, o dinheiro não cai das árvores, portanto se for para fazer esta medida impopular, faz-se, e acabou-se. Porque é uma questão de salvar o núcleo”, reforça Tomás.

Nuno acrescentou ainda que “Por isso é que é bom teres a plotter, estás ali às 5 da manhã, vais lá e imprimes, cortas outra vez. Sem ela ias parar de fazer isso, ias parar de funcionar às 6 da tarde e depois começar às 9h do dia seguinte e isso não é sustentável para quem fica a noite toda acordada a trabalhar. Realisticamente falando,[…] se a plotter acabasse amanhã, numa questão de um mês, o curso estaria mergulhado num caos total”.

O Corpo Docente, os Problemas da Avaliação em Arquitetura e o Espírito do Curso

Joana, Nuno e Tomás consideraram que estes problemas existentes no curso também se devem aos professores, que por vezes vivem muito desfasados da realidade do curso.  “Acho que é uma questão também dos próprios professores que não têm grande noção das condições em que nós trabalhamos. O trabalho aparece feito e aparece feito com qualidade, sem dúvida. O problema é que os professores parece que se esquecem do caos que foi para lá chegar. O trabalho é bom no fim, mas muitas vezes o processo para lá chegar foi terceiro mundista.”. 

Uma boa maquete é uma coisa mesmo muito cara. Acho que a maior parte dos outros cursos não têm essa noção. Dizem que andamos sempre a brincar aos trabalhos manuais e não sei o quê. Aquilo não são trabalhos manuais, são coisas de precisão caríssimas.

Para acrescentar a todos os custos que têm com materiais, referiram a falta de condições de trabalho comparativamente a outras faculdades de arquitetura e a exigência dos professores, que esperam trabalhos tão bons ou melhores que os feitos por alunos de outras faculdades mas com muito menos recursos. “Isto tudo feito em salas improvisadas. Porquê? Porque em qualquer faculdade de arquitetura do planeta, exceto no IST, há uma oficina, pequena ou grande, para se trabalhar e até para se fazer a bagunça toda que nós fazemos quando montamos as maquetes. Aqui é, «meus amigos, está aqui uma sala em que a gente tirou as cadeiras de civil e meteu as vossas. Estas mesas estão tão estragadas que até já têm uma colina no tampo e a cadeira está-se a desfazer. Pá, têm dois dias. Força isso. Têm uma máquina ali embaixo para ir buscar comida quando precisarem. Façam uma maquete tão boa ou melhor que as das outras faculdades com um x-ato e um bocado de cola.”

Esta apatia por parte dos professores também se reflete por exemplo na falta de consideração pelos muitos alunos deslocados, que não têm possibilidade de se deslocar aos sítios para comprar os materiais e necessitam do seu dinheiro para viver. “Os alunos não têm todas as mesmas possibilidades. [..] já gastam o dinheiro para viver e depois têm de gastar mais 200 euros a fazer maquetes num semestre só.”.

Estas diferenças na capacidade económica dos alunos depois vêm a refletir-se na possibilidade de acelerar um trabalho quando é preciso. “Um aluno que não tenha dinheiro para cortar uma maquete a laser e tenha de fazer tudo à mão, está obviamente em desvantagem em relação a outros. E há maquetes que são facilmente uma semana de trabalho. Só a maquete, fora o resto do projeto.”.

Consideram que nem sempre o trabalho árduo desenvolvido é reconhecido pelos professores, sentindo-se até desprezados e injustiçados durante os momentos de avaliação. “Às vezes fazer uma maquete é literalmente um esforço físico até ao limite. Onde é que consegues chegar para conseguirmos entregar o trabalho bem feito e a horas. Até ao ponto de absurdo, por exemplo, de se tu te cortares a fazer uma maquete, tu não te preocupas com o estares cortado, tu preocupas-te se não manchas aquilo. Nós sentimos-nos desprezados enquanto alunos. Andamos aqui a matar-nos a trabalhar para conseguir ter as coisas prontas, e os professores, por muito atarefados que estejam, chegam aqui nas calmas e destroem o projeto de uma ponta à outra, dizem que aquilo é péssimo e apontam defeitos em tudo. E isto não é ensinar, é rebaixar”. 

Relativamente ao processo de avaliação dos projetos, referiram que, apesar de alguns professores efetivamente reconhecerem o esforço dos alunos e mostrarem alguma preocupação, a opinião geral é que o trabalho e a dedicação dos alunos não é muito valorizada. Há professores que não parecem fazer grande esforço para ensinar os alunos, ou simplesmente, não têm as ferramentas pedagógicas para o fazer.”

Os presidentes do NucleAR salientaram também que um dos problemas com a avaliação está também associado à subjetividade do trabalho de projeto, aos gostos dos próprios professores e ao facto de, ao longo dos anos, o corpo docente se ter tornado menos diversificado. “Tu passaste horas a pensar num projeto e eles em 5 minutos destroem tudo porque não é do gosto deles, independentemente de o projeto estar funcionalmente bom ou não. Isto não é como matemática ou como ciência, factualmente certo ou factualmente errado. Muitas vezes chegamos a sentir que os professores nem fazem um grande esforço para tentar entender o nosso projeto em primeiro lugar.”

Este tipo de atitudes por parte dos professores leva a que muitas vezes os alunos andem desmotivados e não estejam a descobrir o seu próprio estilo e a construir um portfólio que gostem, mas a tentar agradar aos docentes. “Tu não estás muito a descobrir o teu próprio estilo, só estás a descobrir o que é que tens que fazer para agradar aos professores. O importante no fim é tu gostares do teu portfólio e nós às vezes andamos aqui a ser punidos com notas baixas que não parecem refletir o trabalho que se está a colocar ali. A criatividade é muito restringida e isso é uma pobreza que o curso está a ganhar. O curso já não está a produzir nada verdadeiramente inovador […] porque é aquilo que aqueles professores em concreto gostam. Isso cansa os alunos, tu às vezes já nem queres fazer, só queres mesmo entregar e não pensar mais naquilo, que não é uma coisa normal para projeto. O projeto devia ser uma coisa trabalhosa mas motivante. Existem mesmo casos de alunos que tentam seguir as referências dadas pelos professores mas, quando apresentam os projetos são confrontados com comentários como «Tu nunca vais conseguir aplicar isso da mesma forma que este arquiteto […] nem devias estar sequer a tentar». Como é que é suposto um aluno sentir-se depois disto?”

“Sentimos que há pouca diversidade de opiniões, o que vai contra um dos princípios fundadores deste curso. O curso nasceu neste bom espírito de trazer uma série de pessoas diferentes com perspectivas diferentes e malta mais disruptiva. A realidade é que ao longo dos anos parece que isso foi-se perdendo. O curso foi caindo numa certa banalidade criativa e num formalismo muito severo. «Se aquele era o projeto inicial de curso que se tinha pensado, esse projeto ruiu, esse projeto acabou»”.

É muito importante perceber uma coisa: um bom arquiteto não faz um bom professor. E claro, há sempre uma certa questão de egos no mundo da arquitetura.”

De acordo com a direção do NucleAR, ao contrário dos outros cursos no Técnico, em que há mais abertura para a discussão dos problemas existentes nas cadeiras, os alunos de Arquitetura não se sentem à vontade para lançar o alerta que o curso tem graves falhas e não está a seguir o seu projeto inicial. “Nós sentimos que temos sempre que comer e calar, que não temos oportunidade nenhuma de levantar a mão e dizer «Malta, isto está um caos, isto não pode continuar assim. Nós os três temos tentado combater a passividade dos alunos, que acabam por conformar-se com situações precárias, talvez por receio de fazer avisos, ou por sentirem que há pouca receptividade do lado docente.

O caos institucional está instalado de tal forma que sentimos que isto não vale o dinheiro das propinas que pagamos. Se o Técnico se quer gabar de ter o melhor curso de arquitetura do país tem de começar a questionar seriamente a atitude do seu corpo docente. A verdade é que há mesmo muita descoordenação entre professores. 

Saúde Mental e Como se Sobrevive

Em termos de saúde mental, consideram que estão mais ou menos a par com o resto do Técnico, mas que têm a vantagem de passar muito tempo juntos durante a realização dos projetos. “O curso de arquitetura pelo menos promove uma coisa. À conta de termos uma sala de projeto só para nós, onde estamos a trabalhar e passar muito tempo, acabamos por conviver muito uns com os outros […] tu estás a fazer direta, mas nunca estás sozinho, tens sempre um amigo para te ajudar. […] Esse ambiente de maior fraternidade é muito bom e ajuda muito à nossa saúde mental.” refere Joana.

Isto não implica que não existam momentos em que sentem que não são capazes de dar conta de todo o trabalho que têm de fazer, acabando por diminuir as suas expectativas. “ Tu passas momentos horríveis quando tu não sabes para que lado te hás-de virar, não consegues dar resposta, por falta de tempo, por enunciados que pedem coisas com uma exigência extremamente elevada. Tu tens que fazer coisas que não tens recursos para fazer e aí tu vais completamente abaixo. Chegas a momentos onde estás mesmo «Eu não sei o que ando aqui a fazer, vou para casa e não faço mais isto». E às vezes é só ter alguma coisa para apresentar aos professores, vais baixando os teus standards de qualidade. Tens de ter muita força de vontade interna para quereres entregar algo com qualidade no fim. Tens de lutar e dizer para ti mesmo «Não vou entregar uma porcaria qualquer, vou entregar uma coisa com qualidade, mesmo que os professores não gostem».”.

“O ritmo de trabalho que nós temos que ter e o quão desmoralizador é trabalhar que nem um mouro para no final levar na cabeça… Porque eu posso matar-me a estudar para um teste numa cadeira teórica e no final saio de lá muito contente, porque tive um 18, mas posso matar-me a trabalhar para um projeto, chegar ao dia da apresentação e sair de lá com o projeto arrasado de uma ponta à outra.”

Há alturas em que já não sabes porque estás a fazer aquilo, quando estás acordado há muito tempo e estás cansado.”, comenta Joana.

“Há alturas em que eu tenho de me mentalizar que a única forma de ter vontade de continuar a desenvolver este projeto, é desvalorizar a opinião dos professores. O que também não é bom porque depois acabamos a ignorar algumas críticas válidas e importantes”, acrescenta Tomás. 

“Às vezes parece que os professores têm dificuldade em meter-se nos nossos pés. O que é estranho, porque muitos deles passaram pelas mesmas coisas quando eram alunos, mas não se consegue quebrar o ciclo negativo”, disse Nuno.

“Muitas vezes também não há um esforço para dar alguma perspetiva positiva na crítica. Não pedimos que os professores ignorem erros graves, nós gostamos da exigência, mas para poder evoluir num projeto eu preciso de saber se há alguma coisa nele a partir do qual eu possa melhorar. Críticas destrutivas só servem para desmoralizar os alunos e não ajudam em absolutamente nada à aprendizagem.”

“Tens é que te rir no fim, ir embora, tomar café e siga para a próxima. É assim que funciona a saúde mental em arquitetura.”

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