Autoria: Ana de Oliveira (Antropologia – ISCTE) e Tomás Vieira (LEMec)
Não obstante os seus estudos, conhece-se sempre colegas, amigos ou até familiares cujo part-time é prestar os ditos serviços de explicações. Estas aulas informais, de caráter preparatório para exames ou não, têm um ator comum: alunos do Instituto Superior Técnico (IST). Estatísticas acerca deste tipo de alunos revelaram-se difíceis de apurar, uma vez que na maioria dos casos a atividade é exercida a cargo individual (freelancing), contrapondo-se à contratação por centros de explicações. Para que se pudesse perceber um pouco acerca desta realidade universitária, o Diferencial entrevistou três alunos do IST explicadores: Manuel Gomes, Leonor Nicolau e Alice Duarte.
Entre anúncios a centros de explicações, panfletos e posters das inúmeras disciplinas lecionadas por um único indivíduo, somos todos expostos à imensidão do serviço. A saturação sentida por quem está fora do meio leva ao natural questionamento: “A escola não é suficiente?”.
Pontos como os salários e a falta de professores surgiram na tentativa de justificar a precariedade do sistema e a consequente procura por explicadores. Apesar disso, os entrevistados sublinharam razões menos políticas. Segundo Leonor, “muitas vezes os pais colocam os filhos na explicação na tentativa de fazer aquilo que eles não fazem sozinhos”. Acrescenta também uma falta de bases dos explicandos, resultante do período de quarentena “tens de lutar, para além da matéria nova, com o que eles não sabem”. Porém, o problema está longe de ser recente, sendo assente numa má cultura de estudo: “há tantas nuances que não consigo apanhar em duas horas e que depois não são estudadas em casa”, remata a explicadora.
Noutra perspetiva, Manuel e Alice relatam ter um público diferente, explicações de natureza mais privilegiada: alunos exemplares e/ou pais que desejam um desempenho de excelência nos exames nacionais. No entanto e pertinentemente, Alice realça: “a explicação nunca vai ser a sala de aula, não é onde deve acontecer a primeira aprendizagem”. Nisto, há quem argumente que aprender diante de um professor e com outros trinta adolescentes tem os dias contados e que o atual sistema de ensino precisa de ser repensado, e nesse mesmo sentido Alice discorre, realçando o caráter complementário das suas aulas: “Tenho espaço para me preocupar com cada aluno, tenho um acompanhamento direto” – dinâmica improvável numa turma convencional. Corroborando, Leonor menciona ainda o caso de alunos com dificuldades especiais ou menos aptos para uma certa disciplina, a que Alice conclui: “acho que este acompanhamento é necessário, mas não acho que isso seja verdade para todos”.
Ao procurar-se saber o enquadramento estatutário destes estudantes, percebe-se que apenas aqueles, dentro de outros requisitos [1], com situação regularizada na Segurança Social podem pedir estatuto de trabalhador-estudante. Com isto em mente, todo aquele que o faça fora de um contrato ou que não passe recibos, à luz da documentação oficial, não reúne as condições para fazer o requerimento. Salvaguardando que, deste modo, o trabalhador não poderá usufruir dos benefícios mesmo que efetivamente trabalhe.
Em termos de remuneração, verifica-se um consenso de uma óbvia vantagem na rota particular: “se tiveres bastantes bases, é dos melhores trabalhos que se consegue encontrar na faculdade”, afirma Manuel.
Embora falemos de um compromisso remunerado, Manuel intervém mencionando o caráter leviano que uma explicação pode ter, diferindo do usual trabalho part-time exaustivo: “Se for uma coisa que gostam de estudar, o tempo passa a correr”. Refere ainda que a proximidade de geração para com os explicandos resulta “num meio descontraído para aprendizagem”.
No campo da conciliação, a matemática do side job nunca se soma a um número de horas preocupantes e, com uma boa gestão de tempo, “cinco ou seis explicações por semana é razoável e fazível” sem que afete o trabalho escolar, afirma Manuel. Todavia, o tempo investido não se resume apenas às aulas: “as minhas explicações requerem todo um trabalho de preparação por trás”, acrescenta. Mas há experiências mais moderadas, tanto Leonor como Alice lecionam menos horas, compartilhando, naturalmente, o sentimento de não-interferência para com outros campos das suas vidas.
Outro tópico bastante sensível é a formação, transversal à atual contratação de professores sem instrução em Ensino. Isto porque a credibilidade como agente educativo passará sempre pelas conquistas e mérito académico na área educativa, aspeto muito importante, mas a competência na área da docência é inicialmente ignorada pelos clientes. Concretamente, isto traduz-se numa maioria de explicadores sem diplomas ou formações específicas. Nesta linha de raciocínio, além dos 20 em exames nacionais, Manuel argumenta que a preparação do IST o torna mais valioso: “bem ou mal, a sobrecarga na parte teórica acaba por nos diferenciar e dar bom nome”. Em contraponto, Leonor afirma não sentir diretamente esta valorização, já que trabalha por recomendação dentro de uma rede de contactos próximos.
A última problemática explorada foi a responsabilidade dos explicadores para com os resultados dos clientes. Nesta, argumentos como “a explicação é uma bengala” e “o grande trabalho e mecanização é feito em casa” foram invocados no sentido de esclarecer que o estudo é sempre do encargo do aluno. A hora dedicada à explicação não é solução mágica, ao que Manuel justifica dizendo: “é muito importante que eles tenham em conta que os resultados não vêm todos de mim”. Apesar de Alice e Leonor não divergirem desta visão, partilham alguma frustração. Ambas admitem inicialmente colocar o seu trabalho em causa na eventualidade de surgirem resultados menos bons, contudo isto apenas as leva a reavaliar e implementar novas metodologias, e, no fundo, a melhorar.
No capítulo dos benefícios, todos enfatizam o desenvolvimento de competências transversais: “não vou dizer que aprendi a ficar melhor matemático, mas acabei por perceber melhor como explicar certos conceitos de diferentes maneiras”, afirma Manuel. Os três destacam a positividade da experiência, reforçando que, para além de recompensadora, permite-lhes, ironicamente, “desligar do mundo académico”. Manuel resume afirmando: “recomendo vivamente: a gestão é gira, é o vosso projeto, uma mini história onde nós somos empreendedores e de uma certa maneira, temos uma carreira”.
Referências:
[1] – Estatutos Especiais para Estudantes, Técnico Lisboa, consultado a 13/11/2024