Ainda é possível acreditar nesta jovem(?) de 60 anos?
O projecto, que começou como um pretexto para evitar novos conflitos entre os países europeus e fugir à atracção das superpotências americana e soviética, e que depois se transformou no maior e mais complexo plano de cooperação económica, social e financeira alguma vez realizado entre múltiplas nações, fez em Março 60 anos. Uma história sexagenária marcada por prosperidade, expansão, desistências e crises – crises económicas, de soberania e de identidade. O seu definhamento e morte já foram profetizados várias vezes durante o início deste século (que só conta ainda com 17 anos…) pelas mais diversas figuras, tanto do outro lado do Atlântico, como ao nível dos próprios estados-membros europeus, e até mesmo por personalidades russas, africanas e asiáticas. Porém, à parte de conjecturas que se estendem desde opiniões pessimistas a whishful thinking, cabe aos europeus decidir o destino desta união, pesando os prós e os contras desta relação.
Ora como falamos de pessoas, a avaliação deste projecto não é feita em moldes puramente racionais e desapaixonados, pelo que a experiência pessoal, a posição dos políticos a nível nacional e a forma como a União é retratada pelos órgãos de comunicação social desempenham um papel relevante na percepção que cada um tem sobre a União. É, por isso, fundamental que exista uma estratégia que promova a imagem do projecto e leve uma mensagem clara e inequívoca sobre os benefícios da União. A questão que se coloca é se esta estratégia tem sido implementada e se tem sido eficiente.
As ideias de pátria, nação e terra são facilmente assimiladas por qualquer um, sendo possível construir à volta delas uma identidade que representa uma comunidade com certas características e valores culturais, à qual é possível estabelecer uma relação afectiva e de pertença. Quando se fala da terra onde se nasceu e cresceu, quando em eventos desportivos como o europeu e o mundial de futebol, e os Jogos Olímpicos, Portugal é representado por equipas ou por atletas individuais; e quando ao nível da arte se é reconhecido lá fora por, por exemplo, o fado e o cante alentejano, fala-se de uma identidade comum. No que toca à União Europeia (UE), esta percepção de pertença a uma comunidade maior do que a nação não existe. A relação é muito menos afectiva e em vários casos é vista de uma perspectiva puramente interesseira por parte dos estados (o exemplo mais claro é o Reino Unido). Não existindo essa relação, a União está mais susceptível ao clima económico. Em alturas de crise e de pouco ou nenhum crescimento económico, é fácil para os políticos cavalgar as ondas de descontentamento e, com discursos eurocépticos e nacionalistas, colocar as culpas na elite burocrática de Bruxelas e propor a saída da UE como a solução dos seus problemas.
Muitas vezes, a UE não é capaz de arrebatar as capas dos jornais nem ganhar destaque nos órgãos de comunicação social. Legislação, por mais importante que seja, deliberações da Comissão Europeia e questões debatidas no Parlamento Europeu (PE) passam ao lado de grande parte dos cidadãos. Existe pouco conhecimento quanto às funções que cada instituição europeia desempenha, a forma como as pessoas são escolhidas para os cargos, o que são e quem são os membros do PE, como é que os partidos políticos nacionais se encontram organizados em famílias políticas distintas no PE, etc. A actuação da UE é subtil e a imagem que se faz passar é aquela que é muitas vezes definida pelos políticos e comunicação social nacionais. Burocracia, regulação excessiva, perda de soberania, governação franco-alemã, elites europeias altamente remuneradas – tudo isto são chavões que constam das críticas, mais ou menos válidas, que se apontam à União. Críticas que vão construindo e cimentando a percepção do cidadão comum sobre a mesma. E relativamente às suas conquistas e trabalho feito? Se não for a UE a falar, quem falará sobre os fundos para a agricultura, para o desenvolvimento tecnológico e científico, a partilha de conhecimento e de pessoas entre universidades e centros de investigação espalhados pela Europa, os projectos de intercâmbio cultural, programas de mobilização como o Erasmus, o Interrail (só para dar alguns exemplos)?
Os tempos são diferentes e exigem formas diferentes de comunicação. Num mundo onde somos constantemente bombardeados com informação nas mais diversas plataformas, é importante marcar uma posição e enviar uma mensagem clara que se eleve acima do ruído. A União tem de mostrar de uma forma vincada, directa e pessoal aos cidadãos europeus aquilo que vale. Os extremistas, nacionalistas e terroristas há muito que aprenderam a fazer uso da comunicação como a principal arma. Se a União não souber usar esta ferramenta de forma eficaz, não receberá os méritos do seu esforço e será olhada com desconfiança e enfadonho, como muitas vezes sucederá no fim do Erasmus: o estudante preenche um inquérito com n perguntas sobre a sua experiência e a ideia que fica no fim é a já tão familiar noção da burocracia europeia, e não um sentimento de partilha e de pertença a um projecto que já conta com 60 anos.
Texto: Miguel Martinho