Autoria: Catarina Gonçalves (LEBiom)
Tenho uma moldura vazia há demasiado tempo, demasiados dias, demasiadas semanas, demasiados meses, já quase a tornar-se há demasiados anos. Tinha uma tarefa de encontrar uma fotografia, imprimi-la, e colocá-la na moldura. Tão simples. Mas parece que tal fotografia não existe. O problema é atribuir uma importância tão grande à escolha de uma fotografia. Será que, depois de a imprimir, encontro uma outra que seja ainda melhor, que me inspire ainda mais? Ou será que a fotografia que deve ser colocada na moldura de madeira ainda não existe? Ou, pior, será que a fotografia que me levaria a olhá-la com um sorriso nunca vai existir?
Comecei a pensar que estava a complicar demasiado uma tarefa tão simples, e até poderia dizer tão banal. Mas percebi que a complicação não apareceu de repente, como intrusa não convidada; já está presente há demasiado tempo e a dificultar a minha vida.
Olhei para a palavra fotografia, olhei-a com olhos de ver, olhos não apressados. Vi a palavra grafia lá escondida e, na minha cabeça, lembrei-me das palavras “escrita”, “leitura”, “ensino”, “escola”. Lembrei-me do quão complicado foi olhar para uma lista, que a mim me parecia quase infinita, e escolher um curso, um rumo à minha vida. Sei que escolher um curso e escolher uma fotografia é completamente diferente. Mas, do tão complicado que foi escolher o curso, e a pressão e a importância que lhe atribuí, acho que, desde então, tarefas simples também se tornaram complicadas. Mas fui ainda mais atrás, a outros tempos, e lembrei-me que já desde há demasiado tempo, atribuo muito importância a escolhas simples. Penso, pondero e tento escolher. Volto a pensar, a ponderar, a tentar escolher. Ainda não está decidido. Voltar a pensar, a ponderar, … tenho mesmo de escolher. Fico a pensar tanto, a ponderar e, no final, penso: deveria ter escolhido a outra opção.
Pesquisei e aprendi que a palavra fotografia vem do grego e significa “gravar ou escrever com luz” – de photós (luz) e gráphein (escrever, gravar).
Escolher uma fotografia tornou-se quase uma crise existencial. Um conflito para encontrar a luz (“photós”), um conflito de encontrar o meu propósito e um conflito de decidir e delinear um caminho para o futuro. Como se todas as indecisões por que passei e passo continuassem todas juntas naquela moldura, aí permanecessem, sem sair, e me impedissem de decidir e agir.
Olho para a moldura todos os dias. Aquela moldura tornou-se o reflexo de todos os momentos em que não consigo decidir e lembra-me todos os dias do que ainda não decidi. Vejo também nela espelhado o medo de tomar decisões erradas, o medo de me perder, o medo de algures no caminho esquecer os sonhos ou o que é importante. Aquela moldura lembra-me que, se queremos mudar algo, temos de escolher inevitavelmente uma opção, um rumo, uma fotografia.
Talvez a fotografia que colocaria há uns anos seria completamente diferente da fotografia que colocaria agora (se a conseguisse escolher). Talvez as pessoas fossem diferentes, talvez o espaço fosse diferente, talvez o sorriso fosse diferente, talvez a maturidade fosse diferente. Talvez o significado fosse diferente. O que fotografaria hoje seria diferente do que seria captado ontem.
Gostava de uma fotografia que juntasse tudo. Todas as pessoas com quem já falei muito, todas as pessoas que já me fizeram rir muito, todas as pessoas que me conheceram em pequena, todas as pessoas mais próximas de mim hoje, todas as pessoas que lembro com carinho e saudade, todos os lugares que lembro com sorriso e nostalgia, todos os momentos chave que ficam retidos na memória – às vezes sem saber bem porquê – mas que lembramos como bons tempos.
Gostava de uma fotografia que mostrasse também os meus sonhos, o que quero, os meus objetivos. Gostava de uma fotografia que me lembrasse que a vida é efémera e que os problemas de hoje são rastos de memória de amanhã.
A fotografia que não encontro concretiza a ideia que o tempo passa e tudo está a mudar. É o símbolo da crise existencial que bloqueia, que não quer largar o passado, ou não quer pensar num futuro confuso e incerto.
Depois de pensar tanto e de olhar para a vida em retrospetiva, de tentar encontrar a origem para a indecisão, ainda não sei qual fotografia escolher, ainda estou indecisa.
A moldura continua vazia…