Autoria: Miguel Ferreira (MEGI)
– Orquídeas? Excelente escolha, Senhor! Que cor pretende?
– Quero um ramo com orquídeas de todas as cores, misturadas o máximo possível!
– Entendi. Ficará um arranjo bonito, mas permita-me dizer que por regra só se oferece um arranjo de uma cor, pois cada uma tem um significado diferente consoante a pessoa a quem se vai oferecer…
– Eu sei disso. Sei que as vermelhas expressam a paixão e as cor-de-rosa a sensualidade. Também sei que as amarelas simbolizam a amizade e as roxas a admiração; as laranja o orgulho; azuis a paz; brancas a pureza; e verde a esperança. E por saber isso tudo é que pretendo que todas estejam presentes neste ramo, pois simbolizam tudo o que a minha Mulher simboliza para mim, que é TUDO.
Foi assim que João justificou a sua ideia à florista, com um sorriso saudoso e cheio de significado. Era o aniversário de Diana, a mulher da sua vida, e foi assim arranjar o seu presente antes de ir buscar a sua filha Beatriz à paragem de autocarro, que veio de fim de semana mais cedo da universidade para visitar a mãe.
Durante a viagem, depois do tradicional interrogatório sobre o ponto de situação de cada Unidade Curricular, da meteorologia, e das banalidades do quotidiano de cada um, deu-se um silêncio constrangedor, que já se desvalorizava pela frequência com que tem ocorrido ao longo do último ano, e que passou a ser abafado pela música da rádio. A viagem seguia e João já se resignava em fazer o resto do caminho sem mais nada dizer: havia muito assunto por onde ele podia engrenar conversa, mas estava incerto sobre que temas poderia encaixar tendo em conta a ocasião do dia. Já Beatriz debruçava-se sobre a janela, com um olhar tão vazio que tanto se podia traduzir num sono de olhos abertos, ou numa cogitação sobre tudo o que se estaria a passar na sua vida.
– Pai… como é que tu soubeste que a Mãe era a mulher com quem querias passar o resto da vida? – perguntou Beatriz repentinamente.
Apesar de João nunca ter esperado que Beatriz lhe fosse colocar aquela questão, o motivo para tal surgir não lhe pareceu muito difícil de explicar: ele sabia que o namorado, que era da mesma turma no secundário, tinha ido estudar para uma cidade diferente, e provavelmente estaria a pensar se a sua relação à distância tinha pernas para andar ou se não passava de um cadáver adiado que estava a constranger os melhores anos da sua vida. As relações entre os nossos Pais são sempre uma referência, e Beatriz pôde testemunhar diariamente o casal mais apaixonado que alguma vez vira. Era uma questão complexa, e de resposta exigente, mas João viria a responder de forma imediata por ser algo que já tinha orbitado inúmeras vezes o seu intelecto, sobretudo nas noites passadas sem Diana. João pronunciou-se com um orgulho especial pelo facto de a questão ter vindo da sua filha, com cada palavra revestida de gratidão pela oportunidade apresentada para se abrir um pouco mais para falar sobre a mãe:
– Sabes filha, desde que pude trocar olhares com a Mãe que soube que havia algo de muito especial, apenas inicialmente não conseguia saber o quê… quando me mandaram para a fila da frente a Português, ao lado da tua mãe, nem sabia a sorte que me tinha calhado em poder partilhar a sua companhia durante aquelas horas. Eram as pequenas coisas: a forma como ela olhava para mim para tirar uma dúvida, ou para partilhar um sorriso por algo que tinha acontecido na sala. Aqueles breves momentos passaram a ser a melhor parte do meu dia, mesmo que não soubesse decifrar exatamente o que ela estaria a pensar do outro lado, e eu mantinha-me cético que alguma vez fosse passar disso.
“E foi esta minha insipiência que fez com que tivesse de ser ela a tomar a iniciativa e a roubar-me um beijo quando estávamos a sair de um dia de aulas. Mas a partir daí o seu olhar passou a ser como um livro aberto para mim, e bastava fixarmo-nos durante um instante para sabermos exatamente o que cada um estava a pensar.
“Foi assim que descobri que havia algo especial que queria ter para sempre comigo, pois apaixonava-me de novo em cada ocasião que olhava para ela. Houve maus momentos em que nada me destruía mais do que ver o seu ar de desiludida quando me encarava, e não conseguia parar de pensar no que teria de fazer para reverter a situação. No entanto, muitas vezes chegava uma altura em que por muito que tivéssemos discutido ao telefone, ao nos voltarmos a ver rapidamente riamo-nos um para o outro, porque o Amor prevalece sempre enquanto for verdadeiro.
“E é isto, bastava olhar para a tua mãe para saber que era com ela com quem queria passar o resto da vida, pois os olhos são o espelho da alma e nada mais me fazia feliz do que quando irradiavam felicidade. Pode parecer que era demasiado novo para ter essa ideia tão fixa, mas sinceramente nunca pensei no que poderia ter sido se tivesse feito as coisas de forma diferente, e é por isso que sei que estava feliz.”
Ainda Beatriz estava a processar tudo o que o seu pai lhe tinha dito e já estavam a chegar ao destino. Ela queria dizer algo, nem que fosse para agradecer a sua partilha e expressar a sua comoção, mas assim que viu as portas do cemitério sentiu uma aura tão pesada que a dor tirava o som das palavras ainda antes de ela as proferir. Tinha passado apenas um ano desde a última vez que viu a Mãe, e naquele momento Beatriz apenas lembrava a sua frustração em não se ter despedido.
Diana partiu poucos dias depois de o seu estado de saúde ter piorado na sua doença prolongada. Havia esperança de ainda voltar para casa após ter estado internada, por isso João disse à Beatriz que tudo ia correr bem e para se focar nos Exames Nacionais. Foi durante o seu exame de Matemática que João foi chamado pelo Hospital a referir que era uma questão de horas para Diana partir e os dois decidiram que não valia a pena chamar a filha. João não fala muito sobre o que ali foi dito para a filha não se castigar mais com a sua ausência, mas ele reconheceu que perdeu uma oportunidade para abordar esse assunto durante a sua resposta à pergunta desta viagem.
“Vá, beija-me, que tenho medo de que depois de fechar os olhos não vos volte a ver mais”, foram as últimas palavras de Diana antes de se encararem e abraçarem pela última vez. E foi este último olhar que ficará para sempre vincado no João, num momento com tanto significado que não consegue partilhar com mais ninguém: um último momento em que bastaram instantes para os seus olhos dizerem tudo o que ficou por dizer. O último adeus ao seu Amor, de Sempre e para Sempre.