Girassol

Certo dia, olhava o sol no céu e surgiu-lhe um enigma. Questionou-se o girassol: então, sou eu que giro por causa do sol? Ou é este sol que gira por causa de mim? Não conseguia decidir, desde semente que rodopiava.

Imagem de destaque gerada com o DALL·E 2

Autoria: Patrícia Marques (LEFT)

Há quanto tempo existem girassóis? A minha avó disse-me que viu uns quando ia para a primária. Quando ia trabalhar para o campo. Mas eu acredito que eles já existiam antes, afinal, a minha avó não é assim tão antiga. É do tempo em que se faltava à escola e ia para o campo. Não sei de que idade era este girassol. Era só um de muitos.

Era uma vez um girassol. Um girassol num campo tão grande, tão grande que o sol nunca de lá se escondia. O sol nunca se escondia do céu, só ia rodando e rodando, até regressar à posição original. O sol conhecia este e cada girassol. Não falam a mesma língua, afinal, ninguém sabe se o sol é mudo. Gira e gira, sem dizer porquê. E gira também o girassol. Como é suposto de qualquer girassol, ele seguia os raios de sol. Em conjunto com as suas pétalas e caule, aponta para o céu, como quiser o sol. Do mesmo modo que uma criança com fome segue com a boca a colher da sopa. Não sabe bem, é como lhe é dito que coma.

Certo dia, olhava o sol no céu e surgiu-lhe um enigma. Questionou-se o girassol: então, sou eu que giro por causa do sol? Ou é este sol que gira por causa de mim? Não conseguia decidir, desde semente que rodopiava. Já havia sol antes de mim? Guardou a questão para si. De dia para dia, observava os girassóis do campo e todos eles a girar, sem duvidarem. Sem resposta, pensou: sou tolinho, todos eles sabem. Se perguntar, troçam de mim.

Não é que, num dia de forte sol, um outro girassol se vira para ele e, envergonhado, diz: tenho de confessar algo. Paira uma dúvida junto de mim. Acho que o sol gira por minha causa. Então, não é que, sempre que rodo, ele gira também? Eu cá não tenho a certeza. Só sei que andamos todos a rodar, a rodar todos os dias. E o sol roda também, sem parar.

Gera-se um nervosismo. Entusiasmado por partilhar da dúvida, mas descontente por não ter resposta, o girassol admite que não sabe. Perante a dúvida, sem resposta neste campo tão grande, tomam uma decisão. Concordam: vamos continuar a girar. Imaginem se parássemos, o sol parava também? Não sabemos quem gira quem. Mas, se o sol parar, talvez todos parem. E o que acontece? Todos param, a ordem desvanece, o caos aparece e sabe-se lá o que é que acontecerá, que consequências haverá no solo, nos ventos, nos pássaros. Que desastres acontecerão no céu? E assim, rodam com todas as incertezas, incertezas que podem encher o campo infinito de girassóis. É somente com vigor que os girassóis e o sol continuam a rodar, um sobre o outro, o outro sobre si mesmo, sem nunca pararem.

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