A quem serve a exigência do técnico?

Autoria: Diogo Faustino (MEAer)

O Instituto Superior Técnico existe rodeado por uma mística de exigência. No inquérito ao Perfil dos alunos ingressados no IST, ao qual praticamente todos os recém-ingressados no 1º ciclo de estudos responderam, o principal fator que influenciou os alunos na decisão de prosseguirem com a sua formação no IST foi o prestígio da instituição. É difícil de entrar no Técnico e o percurso formativo é caracterizado por altas taxas de insucesso e de abandono: por cada 10 alunos que entraram na escola, apenas 6 se diplomaram (desde 2013/14 até 2017/18).

O relatório final da Comissão de Análise ao Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas do IST (CAMEPP) defendeu que o percurso dos alunos do Técnico é caracterizado “por dificuldades artificiais introduzidas na lógica de uma cultura do IST” e a escola tem feito alguns esforços para corrigir esta situação. No entanto, algumas das soluções encontradas para resolver a “ineficiência formativa” têm surgido na forma de tratamentos sintomáticos que acabam por esconder o problema real.

A aprovação às UC tem sido uma preocupação constante em vários testemunhos que fui recolhendo, mas cujo rasto até uma indicação ou recomendação oficial dos órgãos da escola tem sido impossível de descobrir.

Num fórum de discussão de docentes, o professor Pedro Lima garante que os professores que não aprovem 80% dos alunos avaliados são obrigados a justificar-se e dizer o que irão mudar para que isso não se repita.

Já esta mensagem do regente de uma unidade curricular, à qual o Diferencial teve acesso, volta a mencionar esta taxa de 80% de aprovação.

Aliás, a própria existência de componentes de avaliação com nota mínima deve ser justificada à Comissão Executiva do Conselho Pedagógico (CP), segundo o Regulamento de Avaliação de Conhecimentos e Competências.

Existe, então, uma desconexão entre as classificações que muitos alunos conseguem obter e o critério mínimo de aprovação à cadeira. Este não é um problema novo: aquando da adoção no IST de uma escala de classificações fundamentada na escala ECTS (processo de Bolonha), para funcionar em paralelo com o sistema de notas 0-20, o antigo Gabinete de Estudos e Planeamento alertava que em 14% das disciplinas, a percentagem de notas 10 excedia 25% do total de aprovados.

Numa instituição justa, um padrão com esta dimensão não pode ser resolvido com o relaxamento dos critérios de aprovação e varrido para debaixo do tapete. A cultura de classificações baixas é uma herança que devemos encarar frontalmente e a fatia substancial de alunos que, no decorrer da unidade curricular, não adquire o conhecimento necessário para a sua aprovação diz mais sobre a qualidade pedagógica da faculdade do que da sua exigência.

Luís Magalhães, na sua cerimónia de jubilação, defendia que era um erro estabelecer objetivos de percentagens de aprovação de alunos em disciplinas desligados da aferição do acréscimo de conhecimento que é conseguido. E a aprendizagem dos alunos é incontornável nesta discussão, porque o problema é, na sua raiz, pedagógico.

Na sua autobiografia, Max Planck escreveu que “Uma nova verdade científica não triunfa por convencer os seus oponentes (…) mas sim porque os seus oponentes eventualmente morrem e cresce uma nova geração que está familiarizada com ela”. E a verdade é que 50% dos professores do Técnico reformar-se-ão nos próximos 10 anos. Mas quero acreditar que esta lógica não se aplica à pedagogia e que é, por isso, urgente um reforço do poder do CP.

As contribuições para a Consulta Pública sobre o Plano Estratégico da escola não foram de todo unânimes neste assunto. Pedro Girão, professor do Departamento de Matemática, pediu um laissez faire e que fosse “diminuído o poder do Conselho Pedagógico para impor regras aos professores do Técnico”. Já o estudante André Breda defendeu que “os regulamentos não podem suscitar dúvidas e têm de ser corajosos na adoção de boas práticas”, lembrando que a linguagem do regulamento é permissiva e que consiste sobretudo em recomendações.

Efetivamente, as 90 vezes em que os verbos “dever” ou “recomendar” figuram no Regulamento de Avaliação enfraquecem aspetos tão importantes como a concentração excessiva de trabalho em certas alturas do semestre, o grau de dificuldade entre data normal e de recurso, a disponibilização dos critérios de correção de projetos e exames e dos enunciados destes últimos. Em banho maria fica também a metodologia a adotar na realização de projetos: “devem ser previstos pontos de comentários intermédios para acompanhar o progresso” e “é aconselhada a indicação de uma estimativa do tempo necessário para desenvolver cada uma das componentes do trabalho”. Assim, a maioria dos projetos realizados em unidades curriculares do IST são uma espécie de “caixa negra” que é submetida às cegas no último minuto possível, avaliada com critérios desconhecidos pelos estudantes sem qualquer feedback para além da nota final, levando a que os estudantes nunca sejam confrontados com o trabalho desenvolvido e não percebam o que erraram e no que podem melhorar num futuro projeto. 

O website do CP está recheado de recursos e sugestões que, implementados, transformariam por completo a experiência estudantil e, quase inevitavelmente, resolveriam a ineficiência formativa. É a diferença entre o Técnico ser uma escola difícil ou ser uma escola onde se aprende muito: nunca serão mutuamente exclusivas mas assumir uma ou outra como prioridade trará resultados em tudo distintos.

No âmbito do programa SmILe,”Smart Interactive Learning”, Sofia Sá, psicóloga educacional e professora convidada no IST, identifica boas práticas de feedback eficaz e recomenda avaliações frequentes que não impactem fortemente as notas finais do aluno: mesmo depois da implementação do Novo Modelo de Ensino, o nosso sistema de avaliação permanece fortemente centrado em exames. Paradoxalmente, esta quebra com o típico exame final, que muitos vêem como “facilitismo”, permitiria aos estudantes aprender mais e melhor: não é isto, afinal, que é a exigência?

Enquanto o poder do Conselho Pedagógico não for muito além da emissão de recomendações, metodologias e ferramentas, estas só serão aproveitadas pelos mesmos professores que já seguem a “nova verdade científica” de Planck e a ineficiência formativa terá que continuar a ser remendada com tratamentos sintomáticos.

Compactuar com este paradigma é aceitar as más práticas, assim identificadas pela CAMEPP: “a erosão acelerada de conhecimentos após o momento de avaliação constitui uma das deficiências claras deste modelo de aprendizagem em que se estuda para o exame”. É um comportamento que se autoperpetua: até os alunos mais dedicados são forçados a optar pelo caminho da memorização para não desperdiçarem tempo de estudo.

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