Enquanto estou inspirado

Autoria: Tomás Faria (LEMec)

O que vai ser de nós 

Quando me morrer a inspiração?

Vou ficar derradeiramente a sós

Sem companhia da criação?

E se for falar de tudo?

Dos ribeiros, dos sapos,

Das ondas do mar e dos lagos,

Do sol que se põe e nasce,

De aspirar o ar da boca do amante 

Que tira o fôlego de rompante,

De uma aventura jubilante

Em idade de forte viajante,

Da perfeição do relógio

E da crueldade do tempo,

Que, se não existisse, era inventado.

De um coração partido

Que nos braços da mãe procura abrigo,

De todas as coisas que fazem mal,

Do que deu o nome a Portugal,

Da desigualdade social,

Do que é verdade universal!

E se for falar do que sinto,

Do que me sai por instinto,

Do que me faz querer ser extinto,

Das palavras com que pinto,

E dos problemas que, ao rir, finto?

Do que é belo,

Do que é urgente calmamente,

Do suor que gasto em memórias,

Do que fiz que transformei em histórias…

Há palavras que nunca vou dizer.

Acontecimentos que nunca vão acontecer.

São factos que não posso contornar.

O que vai acontecer se me esquecer

Daquilo que não consigo lembrar?

Vou esperar por esse dia

Como quem declama poesia

Mas, também, como quem espera D. Sebastião:

A olhar para a neblina 

Com uma mão no coração.

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