Nulla Dies Sine Linea

Autoria: António Luciano, MEMec

H1

Foi em vão que projetei, porque eu sei,

Tenho os traços sobre os traços, que eu não tracei.

Neste plano que me está circunscrito,

Assisto a todo o devaneio passar proscrito,

E admito, erro em ainda ficar banzado

Ao ver o que foi projetado a preceito,

Sair irremediavelmente enviesado,

Seguindo a tua pauta, 

Brasonada dos teus padrões, das tuas cifras,

Onde se radiculam as tuas incongruências,

Do que coincide, do que intersecta, do que é tangente,

Delineado pela tua sentença, obtusa e providente.

Sob o teu domínio amplexivo,

Combato a tendência em inscrever-me em mim,

Quando é lá fora que se desenha o mundo,

Dominar o gesto no espaço e tempo, e assim,

Seguir temendo perder o enquadramento,

Se não conseguir marcar o momento.

H’1

Pela razão que deixa a consciência bissectada,

Metade considera que tentar nem vale a pena,

A outra impele a diretriz, que a comparar, o resto não vale nada,

E avanço, com vontade plena, para os braços do sofrimento,

Porque eu sei, que já está traçado este afastamento

Onde palavras que, escritas, por dizer,

Jazerão num fosso de rascunhos preteridos,

Onde se vão esquecer.

Então que se faça do meu sangue aguarela

À medida que o teu escárnio dilacera, rasga e fura,

Pigmento fulminante, mancha e tinge o alvor da tua tela,

Enquanto tento não perder o foco,

À procura do meu ponto de fuga.

F2

Projeto toda a fé em mim,

Numa crença além da opacidade da segunda dimensão,

Se é amétrica, amorfa, reta ou espirala indefinidamente,

Se é curvilínea, ou de acabamento contundente,

Se tem cor, refrata, encandeia ou é invisível

Se o é, ou não,

Se é indescritível.

Eis a orla, emergente,

Do revolucionar da geratriz da esperança,

E faz-se dela um compromisso, vigente,

Com um sonho insubmisso,

Que não me concede que desista

Enquanto tudo aquilo que existe,

Continuar aquém daquilo que eu quero que exista.

F’2

Foi então que projetei, porque eu sei,

Tenho um engenho a ribombar, que me faz ver,

A verdadeira grandeza do que eu via,

Quando fazes a imensidão do espaço escurecer,

À luz da tua geometria.

Tudo é passante, é urgente definir a tempo,

Recusar o anagrama do sentido, pelo sentimento,

Sem nenhuma hesitação, sem nenhum rebatimento,

Ah, mas por mais que eleve a força,

Jamais redesenhará este traço inamovível,

E ainda que ninguém ouça,

E o que projeto seja inatingível,

Gravarei na ponta seca do meu grito,

Que duas retas paralelas se encontram no infinito.

ξ

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