A sustentabilidade no Técnico anda sobre rodas: O percurso do PSEM

Autoria: Tomás Vieira (LEMec)

Num mar de núcleos protótipos de veículos focados na engenharia de alto desempenho e inovação tecnológica, o PSEM destaca-se no Instituto Superior Técnico (IST) pela conciliação de ambos da maneira mais energeticamente eficiente possível. O Diferencial sentou-se com o atual Líder de Equipa, Gonçalo Barreto, e o ex-Diretor Técnico, Vítor Gonçalves, de modo a entender como a engenharia de carros de corrida pode também ser verde. 

Pé no acelerador, sem gastar (muita) energia: O início do projeto

Curiosamente, o nome “PSEM” nasce devido ao nome da sua primeira competição, Shell Eco Marathon, cunhando o acrónimo do núcleo como Project Shell Eco Marathon (PSEM). Contudo, com a expansão para outros horizontes, o projeto ganhou um novo e atual significado para as letras: “Projeto de Sustentabilidade Elétrica Móvel”. Esta mudança de nome foi alavancada pelo convite, em 2013, da empresa de automação Siemens para que a equipa representasse o IST na sua competição, a Greenpower, na qual até hoje competem. Na estreia, saiu o protótipo GP14, o primeiro do que se tornaria uma série de cinco, aos quais a equipa procura acrescentar um sexto em 2025. No entanto, o seu caminho, por mais que ascendente, começou com o GP14 a não chegar sequer à pista por não conseguir andar. 

A competição em que se inserem, decorrente maioritariamente em Inglaterra, apenas faz contas com as duas melhores prestações da época, algo que “logo à partida nos mete em desvantagem”, uma vez que há oito corridas por época e “nós no máximo conseguimos ir a três” devido ao desafio logístico. Nisto, e corajosamente, a equipa vê-se obrigada a adotar a mentalidade: “dessas três, se queremos lutar pelo campeonato, temos que ganhar logo duas.” Contudo a batalha não se vence apenas aqui, já que há sempre múltiplas equipas empatadas que disputam o troféu numa final internacional onde a pontuação é maior. Nisto, a primeira corrida ganha pelo PSEM foi em Navarra, Espanha, em 2022, evento no qual a equipa tenta sempre marcar presença. Um ano mais tarde, ganharam as suas primeiras corridas em Inglaterra, culminando na primeira vitória de campeonato em 2023 com o GP23. Aliás, em 2023 ganharam todas as corridas que conseguiram acabar, só uma é que não conseguiram devido a falha técnica.

À tutela de um regulamento, todos os participantes estão submetidos às mesmas condicionantes, por exemplo: “o nosso motor é de 240 Watts, que é a metade da potência de uma torradeira e as nossas baterias são duas de 12 Volts de chumbo.” O objetivo é desenhar e construir um protótipo elétrico altamente eficiente para corridas, algo transversal a muitos outros núcleos, contudo “qualquer outro núcleo dentro do Técnico usa motores e baterias melhores do que as nossas”, sublinhando que “o nosso objetivo é focar na eficiência, com estas componentes fazer o máximo”, comenta Gonçalo. Consequentemente, a prestação propriamente dita é a avaliação direta da eficiência energética de cada carro, isto porque numa competição onde a principal métrica é a maior distância percorrida numa hora, apenas domina quem bem gere os seus recursos (limitados). 

Em contracorrente com outros núcleos do IST e, simultaneamente, um dos aspetos que mais entusiasma os membros, é o prazo a que se impõem para a construção do carro. O PSEM adotou, nos últimos anos, uma renovação periódica de protótipo, levando como mote: “Estamos sempre a tentar inovar, mesmo que isso signifique começar do zero”, afirma Vitor. O processo de design e fabrico assumiu assim um ritmo bianual. Como consequência disto, registam que, dentro das competições, por mais que não sejam a equipa mais antiga, são geralmente a que fez mais carros.

O modus operandi do grupo é já bem definido: “temos duas grandes fases da época, a fase do desenho e a fase de construção.” A teoria e a prática estão bem separadas, e o caráter dos respetivos trabalhos manifestam-se mais expressamente na presença dos membros: “Há semanas em que um membro pode vir cá [à oficina] todos os dias e há semanas ou há meses em que se calhar não precisa de vir cá de todo”. Estes dois períodos tendem a coincidir, respectivamente, com o primeiro e segundo semestre, mas os dirigentes admitem que a linha não é rígida, há pequenos avanços e atrasos que transbordam para o semestre adjacente. ”Este ano optou-se por adiantar logo a carroçaria, porque é uma coisa que demora mesmo muito tempo e onde é preciso bastante dedicação”, pelo que é necessário evitar situações como “[em segundo semestre] ainda estão a desenhar as peças do carro e o chassi do carro”. Harmoniosamente, o ciclo de vida do protótipo “termina” no fim do segundo semestre, com a competição de Navarra.

Fotografia: PSEM

Poupança na energia, mas não na inovação: A engenharia 

Ao longo dos anos de competição, o núcleo assistiu não só à inovação exterior como também à interna, em direta comparação para com os adversários. Neste sentido, o PSEM foi o pioneiro na Greenpower na utilização global de fibra de carbono na estrutura do carro. Apoiados no objetivo de reduzir o peso, para diminuir o dispêndio energético na locomoção, este corte adicionou mais um quilómetro por hora de velocidade média ao protótipo. A relevância da massa manifesta-se amplamente, cujo extremo revela-se na escolha do condutor. Isto porque, para um carro entre os 60 e 65 quilogramas, o peso do condutor é “extremamente importante para a eficiência”, levando os diretores a uma triagem dos possíveis condutores.

Inspirados na engenharia dos tanques de guerra: “inovámos, novamente, em algo que nunca foi feito na competição”- referindo-se ao sistema de controlo de direção por alavancas implementado em alguns dos protótipos anteriores. Apelidado entre os membros de “Superman Steering”, este salta o convencional volante e está ligado diretamente às rodas, reduzindo o peso, evidenciando, novamente, o grande objetivo do núcleo.

Salientam também as recentes melhorias aerodinâmicas, uma vez que podem não ser perceptíveis, mas “todas as superfícies, todos os raios de curvatura são muito bem escolhidos para que o carro penetre o ar de maneira mais eficiente possível.” A linha global, e algo transversal a todo o projeto, é a otimização na eficiência de aspetos que outros núcleos podem mais facilmente negligenciar, dado a missão única do PSEM.

O outro grande “S” do projeto, (além da sustentabilidade), é a segurança, uma vez que que todos os pequenos “roubos” em prol da eficiência podem deixar o carro mais propenso a conduções perigosas. “Já aconteceu o carro capotar, [inclusive] deu múltiplas cambalhotas”. Nisto, afastam quaisquer alarmes pois confiam nos atuais avanços e precauções que tomam, salientando a espuma em sítios estratégicos, o caráter deformável de certas partes do veículo e uma protuberância na carroçaria, roll hoop, que impede o contacto da cabeça do condutor com o solo em caso de acidente. Por fim, confessam ter feito escolhas menos ótimas à ótica da engenharia da eficiência energética, mas com razões mais valiosas em mente: “Nós escolhemos conscientemente baixar o chão do carro, sabendo que era uma coisa que ia prejudicar a aerodinâmica, no sentido de ajudar a prevenir acidentes mesmo com um piloto inexperiente.”

 Ajudas, parcerias e esfera interior: O núcleo

Em termos de apoio institucional, destacam a disponibilização do espaço, a oficina, como também os concursos que o Técnico dispõe com os parceiros (ex: Santander e Caixa Geral de Depósitos) que podem não cobrir na totalidade, “mas contribuem para grande parte” do financiamento. Além de toda a promoção mediática e inclusão em eventos promovidos pela faculdade, o núcleo vê grande apoio na parte burocrática no faculty advisor que lhes é atribuído pelo Técnico. De um ponto de vista prático, e em contrapartida, consideram-se atualmente bastante independentes, fazendo jus à nomenclatura de “núcleo de estudantes”. Tangencialmente, as parcerias que estabelecem com outras entidades externas, de três naturezas distintas – monetárias, técnicas e logísticas – relatam ser alicerce essencial à continuidade do projeto. Entre comida para viagens, transporte, alojamento, até ao fabrico de peças metálicas, são muitas vezes “salvos” pelo trabalho de relações externas e patrocínios.

A estrutura interna do Núcleo divide-se em seis departamentos: Aerodinâmica, Projeto Mecânico, Eletrónica, Software, Marketing e Gestão. Não negando a sua interdependência, na qualidade de diretores assumem que tentam fazer os departamentos “o mais independentes possíveis”, para que haja liberdade no trabalho dos membros. Não obstante e para além dos líderes de cada departamento, existem coordenadores inter-departamentais, isto porque “por exemplo, Eletrónica têm de caber dentro de uma parte específica do carro e Projeto Mecânico não pode estar a fazer um chassi que não é para essa carroçaria.” No que toca ao recrutamento, são muito sucintos: querem alunos motivados, sem quaisquer preferências de cursos ou requisitos. “Qualquer pessoa pode juntar-se ao departamento se cumprir as tarefas que lhe são atribuídas […] ao todo, são dois meses e meio de recrutamento.”

O futuro do PSEM (e além)

Ambos os entrevistados admitem que o atual foco é a finalização do próximo protótipo, o GP25, mas confessam ter planos mais ambiciosos e que excedem o propósito óbvio do núcleo. Concretamente, o PSEM será embaixador de uma nova iniciativa em Portugal – uma competição da classe F24+ ao longo da Marginal, junto à praia de Santo Amaro de Oeiras. Planeiam abranger escolas secundárias que competirão entre si com Kit Cars, ou seja, com carros que não são feitos de raiz, onde as principais componentes lhes são fornecidas, equiparável a um “Lego® muito complicado”. Relatam ser um plano em ideação há mais de cinco anos, mas a equipa está otimista e determinada a “levar o gosto pela engenharia” para as escolas portuguesas

Fotografia: PSEM

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