Autoria: João Carriço (LEQ) e Tomás Vieira (LEMec)
O ano era 2021 e os alunos do Instituto Superior Técnico (IST) sentiram, sem qualquer teste-piloto, o crash-landing do Novo Método de Ensino e Práticas Pedagógicas (MEPP). Alterando em boa parte muitos dos planos curriculares e adotando um método de avaliação contínua, o que mais feriu a comunidade foi o novo calendário escolar e o inovador sistema periódico adjacente à sua implementação. Estamos agora em 2025 e o descontentamento sentido é palpável, mas paradoxalmente pouco discutido.
Entre conversas de corredor e protestos informais de professores em sala de aula, quem vive este sistema percepciona uma atmosfera de desagrado. O principal inimigo identificado é o tamanho dos períodos letivos, de até sete semanas, e a excessiva carga de trabalho consequente ao longo dos quatro períodos existentes em cada ano. Contudo, por mais que na ótica do aluno o rigor possa parecer sempre um ataque, tanto a experiência como a opinião geral e externa parecem ter apenas um sentido. Este artigo visa ilustrar que o jogo de “percepções” espalhado pelos últimos documentos oficiais é muito mais factual e preciso do que meros alunos aborrecidos com a sua reprovação a Física I.
Descontentamento Estudantil
Os alunos situam-se na base da pirâmide académica, ou seja, é uma máxima que a análise do seu proveito e conforto académico não só seja ouvida como seja tida como métrica para a aferição da qualidade de uma escola.
Nisto, logo no primeiro ano do Novo Modelo de Ensino (NME), foi realizado um referendo pela Associação de Estudantes do IST (AEIST), com o intuito de auscultar a posição dos alunos em relação à sua nova realidade académica. Foram ouvidos 1933 estudantes e apesar de pouco mais de metade dos inquiridos se revelarem favoráveis à existência de uma componente obrigatória de avaliação contínua, 75% concordaram que deve existir uma alternativa à mesma. A avaliação contínua foi, ainda, considerada excessiva por 68% dos inquiridos, uma vez que esta, segundo a AEIST, resulta em “2/3 semanas, em cada período, de grande exigência e consequente impacto negativo na saúde mental e no sucesso académico dos estudantes”.
Ainda no mesmo inquérito, a maioria dos estudantes relata preferir o calendário escolar composto unicamente por dois semestres por ano, em oposição à segregação dos mesmos em períodos, tendo acima de 80% dos inquiridos que frequentaram o IST pré-MEPP respondido que o NME dificulta a aprendizagem e não deixa tempo suficiente para a realização de projetos. 91,93% consideram ainda que a implementação do NME não foi adequada, e foi resposta frequente que a aprendizagem experimental (um dos objetivos do MEPP) não foi implementada e que o estudo autónomo não é incentivado.
A sobressaturação em elementos de avaliação não só ofusca a possibilidade de realizar atividades extracurriculares, como também cria diversos problemas de gestão do estudo e do trabalho autónomo. O inquérito realizado pela AEIST revela ainda que os estudantes consideram que o NME traz prejuízo à sua saúde mental, destacando sintomas como falta de sono e stress constante.
Ainda no que toca à experiência estudantil, não é de todo correto afirmar que estas vozes não são ouvidas pelo Conselho Pedagógico ou Comissões de Avaliação, uma vez que há documentos de análise onde constam estas mesmas queixas. Para efeitos de exemplo, no relatório da Comissão de Avaliação de Eficiência Formativa do 1º Ciclo do IST (2024), cuja metodologia passou exatamente por entrevistas a alunos, há excertos como “sensação de falta de tempo”, “aumento do absentismo”, “indefinição do conceito de «trabalho autónomo»” e “falta de planeamento de algumas unidades curriculares”. Neste último é reforçado, novamente, o problema do calendário escolar e dos períodos, chegando até a haver relatos de alunos que escolhem universidades para Erasmus com “calendários mais leves”, culminado na opinião “lá parece que há mais tempo”. Ainda neste raciocínio há uma tangente a fazer: segundo o CAMEPP, um dos alicerces ou talvez uma das janelas de oportunidade para que houvesse esta reestruturação profunda foi a alteração do decreto lei 65/2018, de 16 de agosto. Neste, houve a limitação da existência de Mestrados Integrados, implicando assim uma reestruturação do ensino. Consequentemente, este novo paradigma permite a repartição do percurso Licenciatura-Mestrado em duas instituições. Deste modo, o IST, estrategicamente, tem interesse em conquistar o talento que capta após o secundário e desenvolve ao longo da licenciatura, para que os alunos continuem na instituição depois da licenciatura. No entanto, se existe já esta necessidade, registada no relatório, de escolher universidades mais moderadas para Erasmus, é preciso fazer a pergunta se o mesmo sucede para a escolha da continuidade dos estudos.
FEUP vs IST – Ingresso no 1º Ciclo
Por mais que não exista propriamente relevância estatística nem tempo suficiente para que esta realidade transborde para dimensões como o Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES), há que salientar um fenómeno. Neste sentido, dados das classificações de entrada nos cursos comuns (11) das duas, argumentavelmente, melhores faculdades de engenharia do país apontam para uma perda de terreno do IST.


Citando a análise de Luís Magalhães: “Nas 11 Licenciaturas comuns, em 2024 a FEUP lidera em 5, o IST em 1 (Ambiente) e empatam (Δ ≤ 5%) em 5 (Mecânica, Materiais, Informática, Minas, Civil). Em 2021, o IST liderava em 5 Licenciaturas comuns, a FEUP em 4 e empatavam em 1. De 2021 para 2024 a diferença da soma das notas mínimas IST-FEUP em Licenciaturas comuns passou de +80,3 para -44,0 uma descida do IST em relação à FEUP de 124,3 pontos.”
A análise carece também de duas ressalvas: Em 2024 a FEUP admitiu mais 13 alunos do que o IST nas Licenciaturas comuns como também a noção de que a classificação mínima de acesso exclusivamente não é de todo o dado absoluto que captura todas as dimensões do fenómeno. Este apenas majora a análise visto que “é o único dado relevante para a percepção pública de notoriedade.” Em suma, e numa linha mais preditiva, há que equacionar a possibilidade de uma crescente percepção exterior menos positiva.
Descontentamento dos Docentes
Em primeira análise, o modelo periódico pode não ser o mais favorável ao estudante, mas admite-se o contrário para o docente. Isto pois, teoriza-se que um dos aspetos motivadores do NME é que este facilita os encargos de investigação dos docentes. Esta hipótese parece bastante sólida até porque o empacotamento de aulas num ou dois períodos deixará o docente livre para a investigação no resto do ano. No entanto, a suposição é logo invalidada, para a generalidade dos professores, quando se olha para o Inquérito para Monitorização do Funcionamento e Organização do Período (IMFOPs) de 2021/22 realizado pelo Conselho Pedagógico. Já que 62% dos docentes discordaram totalmente que “o regime de leccionação por períodos facilitou a gestão das tarefas de docência/investigação”. Ainda neste, em resposta à pergunta “O novo Modelo de ensino e práticas pedagógicas facilitaram o processo de aprendizagem dos alunos”, 60% discordaram totalmente. Neste consta ainda que 84% dos docentes inquiridos (quase 60% do total do IST) estavam alinhados: concordavam na existência de uma carga de trabalho excessiva, excesso de avaliações e ritmo acelerado.


Paralelamente, desde o começo da idealização deste modelo, há registos de cartas abertas, atas e, generalizando, apelos de professores para que se travasse o ocorrido. Dentro destes, um caso notável é o documento elaborado pelo Departamento de Matemática (DM) que assinado pelo à data coordenador, Pedro Girão, e todos os subcoordenadores das áreas científicas dentro do DM ilustrava a incompatibilidade do bom ensino da Matemática para com o sistema proposto.
Manifestações singulares são ainda mais numerosas, mais famosamente, temos o caso da professora Cláudia Antunes, professora associada do Departamento de Engenharia Informática, que assumidamente aceitou o novo modelo “sem hesitação”, mas que retrocedeu numa carta aberta ao Presidente do IST em novembro de 2022. “Sobre o Estado do Ensino No Técnico” conta com diversas críticas ao “resultado catastrófico a que chegamos” invocando, por exemplo, que “Sete semanas […] não chegam para explorar alternativas e tomar decisões informadas”. Finaliza com “temos a obrigação de reconhecer o erro”, sublinhando um compromisso para com os alunos, algo que se lê facilmente como respeito. Luís Magalhães, antigo professor no DM, na sua “Última Lição”, denuncia o MEPP e o seu calendário como um fator desestabilizador da qualidade de ensino no IST. Pedro Lima, também professor no DM, considera que a implementação do MEPP desumanizou o IST. Defende que este não estimula a aprendizagem e apenas formata os alunos para serem avaliados, submetendo-os a uma pressão excessiva.
Revisão do PERCIST
Recentemente, em fevereiro de 2025, o presidente do IST propôs uma revisão dos princípios enquadradores para a reestruturação dos cursos de 1º e 2º Ciclo do IST (PERCIST). A ideia final é permitir “às coordenações e departamentos do IST, caso assim o entendam, caminhar para uma implementação predominantemente semestral das UC nos ciclos de estudo de Licenciatura e Mestrado”, ou seja, voltar atrás na questão da organização dos períodos letivos. No documento enquadrador, e como em muitos cujo objetivo é implementar uma mudança profunda, há uma extensa contextualização e explicação do problema identificado. Por mais que isto seja verdade, é impossível negar o eufemismo e enfatização das qualidades, tendo em mente todos os dados apresentados neste artigo. Isto pois secções como: “Efetivamente existe uma perceção, nomeadamente entre professores de carreira do IST, de que o funcionamento em quarters é «pior» do que o funcionamento em semestres” jogam com expressões conotantes de subjetividade aquando da existência de dados bastante diretos. No entanto, outros como “a perceção do impacto positivo do ME-IST é negativamente afetada pelo regime intensivo de funcionamento do calendário Escolar” e “a organização em períodos de sete semanas tem grandes fragilidades” não só admitem a existência do problema como o caracterizam em “A sensação de pressão constante” e “sem tempo para experimentar e errar sem receio”.
Linhas Finais
O IST como, uma instituição prestigiada em Portugal, tem como expectativa que o resultado da aferição da sua qualidade de ensino seja, no mínimo, positiva. A realidade, contudo, mostra o contrário: tanto os alunos como os docentes não se encontram satisfeitos com a atual metodologia de ensino e de avaliação praticada no IST. Os impactos desta aversão prolongada ainda estão por calcular mas excedem uma mera opinião singular negativa.