Quando somos questionados sobre o que pensamos a respeito do uso de animais para investigação científica, a grande maioria de nós diz algo relacionado ao importante benefício que tais pesquisas contribuíram e contribuem para a Humanidade. Os investigadores e cientistas da atualidade alegam que a substituição total do uso de animais na ciência é impossível. Há quem defenda que existem alternativas eficazes. Mas até que ponto é esta prática eticamente correta?
Autoria: Tânia Stattmiller, MEQ (IST)
Desde a Antiguidade que os animais são utilizados pela Medicina para fomentar o conhecimento do corpo humano. O animal foi tradicional e usualmente considerado como um mero objeto ou instrumento do homem, um meio para os mais diversos fins a que este se propõe, revestindo-se, por isso, de um valor meramente utilitário. Atualmente, mesmo com o nível de evolução científica e tecnológica que a Humanidade alcançou, os animais continuam a ser um meio para o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas.
Segundo a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), entidade responsável pela legislação portuguesa aplicada ao uso de animais, em 2019, foram usados em Portugal 79 447 animais para fins científicos, a maioria ratos, na investigação de doenças infecciosas, cancro e perturbações do sistema nervoso.
É importante perceber que a testagem em animais é um processo altamente legislado. Antes da testagem, o cientista ou investigador tem de redigir um relatório detalhado sobre a experiência que pretende realizar. Este relatório tem de ser, posteriormente, analisado pela DGAV e só depois é dada a autorização, ou não, para se proceder ao teste no animal.
Na União Europeia, a utilização de animais para testes cosméticos é proibida, sendo que esta legislação está em vigor em todos os estados-membros. Para este tipo de testes, existem linhas de pele artificial que simulam a pele humana. No entanto, uma prática ainda recorrente é que muitas das empresas de cosmética da atualidade têm os seus laboratórios sediados noutros países, maioritariamente países asiáticos, para a realização dos testes experimentais, pois, nesses locais, é permitida pela lei.
Ao contrário dos produtos cosméticos, quando nos referimos a fármacos com potencial terapêutico, o uso de modelos artificiais é bastante limitado. A grande maioria dos medicamentos no mercado foi testado em modelos animais, pois apenas estes modelos permitem compreender a interação do fármaco com os diversos órgãos que compõem um ser vivo. Num modelo artificial, apenas é possível compreender a forma como o fármaco atua no alvo, não sendo possível perceber de que forma afetará o organismo na sua totalidade.
Com o avanço tecnológico da ciência, já existem muitos métodos não animais validados que apresentam uma boa alternativa de simulação para fármacos. Algumas destas alternativas compreendem modelos matemáticos complexos, isto é, simuladores, que imitam organismos vivos ou organóides, conjunto de células de um tecido específico, cultivadas in vitro, usadas para estudar um determinado órgão.
Há um enorme número de fármacos que não avançam para testes em humanos por possuírem efeitos secundários incomportáveis, ou por se terem mostrado ineficazes quando testados em modelos animais, tecidos ou modelos matemáticos. O organismo é um sistema fisiológico complexo, pelo que a manipulação de um órgão ou sistema de órgãos pode implicar profundas alterações de outros. Esta complexidade fisiológica dificilmente é simulada em células artificiais ou modelos matemáticos. Tendo por base esta premissa, até que ponto tomaríamos um medicamento cujos testes de simulação da eficácia do mesmo não tivessem sido realizados, previamente, em organismos vivos?
A questão que fomenta mais preocupações éticas é o sofrimento a que o animal está sujeito. A legislação em vigor estabelece, desde logo, que os animais só podem ser usados quando não há alternativa viável e que deve haver uma avaliação de dano e benefício para cada projeto submetido para aprovação. Há determinadas espécies animais nas quais não se permite a realização de testes, como espécies em vias de extinção, animais de rua ou animais selvagens. Só se recorre a animais criados em laboratório. Estes animais têm sistemas imunitários mais fracos e não estão expostos aos mesmos agentes patogénicos dos animais que cresceram na natureza e, por isso, não são criados com o propósito de serem alguma vez libertados.
No ano de 1959, surgiu em Inglaterra o conceito dos Três R’s – reduction, replacement, refinement, advindo de um livro publicado pelo zoólogo William Russell e o microbiologista Rex Burch, The Principles of Humane Experimental Technique. A teoria de Russel e Burch é ainda seguida atualmente, e aponta recomendações práticas para uma utilização de animais mais correta pelo Homem. De acordo com esta ideia, é importante reduzir o número de animais nas pesquisas e adotar qualquer estratégia que resulte num menor número de animais utilizados. Sempre que possível, substituir os animais por modelos de testagem artificial e refinar o processo de condução das pesquisas, garantindo o bem-estar do animal envolvido.
Os cientistas que defendem a realização de experiências em animais alegam, de forma geral, que muitos dos avanços na medicina resultaram da pesquisa biomédica em animais e que o fim desta atividade comprometeria a saúde e o bem-estar humano. Mas será que a solução para a sobrevivência e melhor qualidade de vida do Homem deverá ser feita através do sacrifício de outros seres vivos?
Muitos de nós, quando questionados sobre este tema, ficamos incomodados ao pensar no sofrimento e na dor causados ao animal. No entanto, aquilo que é muitas vezes ignorado neste debate é que milhões de animais são mortos todos os anos para fins alimentares. Onde traçamos a linha que distingue o que é animal de estimação, animal para consumo ou animal de laboratório? O que nos leva a considerar o cão como animal de estimação e merecedor do nosso afeto e, ao mesmo tempo, o rato como animal descartável para experiências e a vaca como comida? Hoje, mais do que nunca, é necessária uma maior consciencialização das gerações vivas. Cada vez mais é urgente refletirmos sobre o presente e aquilo que nos rodeia, onde estamos e para onde caminhamos. Existe uma apatia e desconhecimento crescentes na sociedade. A compaixão e a igualdade estão a ser esquecidas e, cada vez mais, a insegurança e a indiferença dominam as nossas decisões.
Não há uma regra universal a seguir que nos diga como devemos agir ou como devemos viver a nossa vida. Somos livres para fazer escolhas, mas estas, por mais ínfimas que sejam, influenciam não só a nossa vida como a de outras espécies. Como ser humano, acredito que não devemos ter o domínio total sobre outros seres, somente porque somos dotados de um raciocínio lógico e de uma inteligência acrescida, tendo livre-arbítrio para exercer esse controlo. Todavia, também sei que é imprescindível o avanço científico e tecnológico. O Homem irá sempre procurar novas e melhores alternativas que assegurem a sua sobrevivência. Contudo, é imperativo certificarmo-nos que as nossas escolhas estão a contribuir para algo produtivo e com significado, não criando, de certa forma, cada vez mais sofrimento.
Pequenas escolhas no nosso dia a dia podem fazer a diferença. Da próxima vez que fores comprar um produto cosmético, tem em atenção qual é a empresa que o está a fabricar e se, de alguma forma, é do conhecimento geral que pratica testes em animais. Se assim for, pensa duas vezes antes de adquirires o produto. Da próxima vez que fores comer um produto de origem animal, pensa se não conseguirias substituir essa refeição por algo de origem vegetal. Com isto, não significa que mudes drasticamente a tua alimentação, mas sim que estás a tomar consciência das escolhas que fazes e, por mais pequeno que pareça, tomarmos consciência das nossas ações já é uma mudança. Este tipo de decisões, transforma, automaticamente, a forma como nos relacionamos com os outros e connosco próprios, mas, mais importante, é o passo fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.
A pergunta final que importa fazer é se o Homem conseguiria viver sem a testagem animal. Independentemente de todas as questões éticas e morais que estão ligadas a este tema, infelizmente, em virtude da avaliação dos riscos para os humanos, os testes com animais ainda são uma prática necessária, não podendo ser abandonados por completo. Enquanto não se conseguir desenvolver modelos artificiais que repliquem o funcionamento do organismo por inteiro, será muito difícil abdicar dos animais no laboratório.
Ainda estamos longe de criar uma sociedade que permita a harmonia entre todas as espécies, no entanto, mais tarde ou mais cedo, a mudança acabará por acontecer. Até lá, cabe ao cientista e ao investigador analisar se o sofrimento causado ao animal é o menor possível e se os benefícios esperados da pesquisa se justificam. Cabe, também, às entidades legisladoras uma maior fiscalização de laboratórios e centros de pesquisa, para que não sejam cometidas atrocidades desnecessárias ao animal. Cabe ao governo de cada país implementar uma lei mais rigorosa que impossibilite às empresas de cosmética vender produtos que tenham sido testados em animais. E, cabe-nos a nós, geração presente e futura, desenvolver novos e melhores modelos artificiais que permitam abdicar do uso de animais na ciência, como um meio para criar igualdade entre todas as espécies.
Referências
[1] DGAV – Direção-Geral da Alimentação e Veterinária
[2] Fim da crueldade? As alternativas da ciência para o uso de animais em pesquisa
[3] ″Todas as empresas nacionais testam cosméticos em animais″
Colega Tânia Stattmiller,
Dificilmente Portugal atingirá “imunidade de grupo” para o SARS-CoV-2 em Outubro/2021, mesmo que todos os cidadãos maiores tenham completado a vacinação.
Não poderemos abandonar as máscaras no 1º semestre do ano letivo 2021/22, devido ao crescente número de portadores “assintomáticos”. Os menores, especialmente o meio milhão de crianças em idade pré-escolar que nem recebeu a vacina BCG, poderão beneficiar de alguma profilaxia que os defenda da evolução do SARS-CoV-2.
3 princípios ativos se destacaram nos meta-estudos de tratamento profilático e/ou precoce:
https://c19early.com/
i) Ivermectina, produzida em Loures pela HOVIONE;
ii) Vitamina D, de venda livre;
iii) Iodopovidona diluída entre 0,5 a 1%, para higiene nasal e oral.
Ainda serão precisos modelos animais ou in-silico para melhorar este protocolo,
https://covid19criticalcare.com/covid-19-protocols/i-mass-protocol/
ou veremos Ciência oriunda dos voluntários da maior escola do país?