A Escassez (promovida) da Excelência

O sistema de ensino do Instituto Superior Técnico pretende ensinar-nos a pescar. Mas faz questão que, no processo, encontremos mares tempestuosos, peixe escasso e que atinjamos a costa sobre os destroços do barco onde partimos.

Autoria: Maria Teresa Parreira, MEBiom (IST)

Um recente comunicado do atual Presidente do Instituto Superior Técnico, Professor Rogério Colaço, tem gerado ondas dentro da comunidade estudantil do mesmo Instituto. Em causa estão dois pontos: o óbvio uso de discurso falacioso; e o desvendar de um problema sistémico que se enraíza nos valores da “melhor faculdade de engenharia do país”.

O e-mail em questão foi enviado sexta-feira, 29 de janeiro, constituindo a 26ª comunicação do novo Presidente a toda a comunidade do IST relativa à atual pandemia. O seu início aproxima-se de um texto lírico:

“- No momento em que, a cada dia que passa, centenas de famílias choram o luto de quem parte inesperadamente;

– no momento em que milhares de profissionais de saúde tombam de cansaço físico e psicológico para ajudar quem deles precisa;

– no momento em que centenas de milhares de portugueses ficam no limiar da subsistência por perderem os seus rendimentos;”

A tensão emocional é acumulada até este ponto. São factos, é o tombar da certeza do quotidiano, realidades cruas que alguns de nós experienciam em primeira mão, ou que são bradadas sem cessar pelos meios de comunicação. O texto segue: “…quaisquer comportamentos que visem obter benefícios em proveito próprio tirando partido desta situação, são inaceitáveis.”

Fraude nas avaliações, “devido ao momento dramático que o país atravessa”, será fortemente punida, diz o comunicado. Este argumentum ad passiones caiu mal no seio dos estudantes do Instituto. Não por ser irrazoável considerar que, com o recurso a formas de avaliação virtuais, os níveis de fraude vão aumentar; mas sim porque o apelo à emoção transmitiu um toque de altivez e foi simultaneamente  sentido como um murro no estômago dos estudantes que, além de poderem estar sob uma ou mais das condições enumeradas pelo Professor Rogério, estão ainda sob a constante, muitas vezes sufocante, pressão que o IST coloca sobre os seus alunos, ao elevar a importância das avaliações aos astros.

Antes de prosseguir, coloquemos para já algumas cartas na mesa: objetivamente, o corpo de estudantes do IST não é inocente de fraude; não são “coitadinhos”, tolhidos pela pressão académica; os próprios estudantes não se consideram inocentes de fraude; nem esperaram nunca que o percurso pelo ensino superior fosse um passeio no parque.

Porém, a realidade do ambiente fomentado pela filosofia do Instituto tem de ser, igualmente, exposta – exames amontoados em semanas demasiado curtas, projetos cujo único objetivo parece ser justificar a carga horária associada aos ECTS de uma cadeira – os alunos que se aventuram em Erasmus reportam frequentemente sentirem que estão de férias, subitamente experienciando semestres com tempo livre. Tal como ouviram todos os estudantes quando consideraram o IST como a escola para albergar a sua formação universitária, “difícil não é entrar no Técnico, é sair.” 

Reformularia estas palavras: difícil é sair com excelência. Pois esta instituição, que afirma exatamente “[promover] um Ensino Superior de excelência”, tem como tradição punir a mesma, interpretando-a como sinal de que a exigência é insuficiente. Se a média de notas de uma cadeira sobe repentinamente de um ano para o outro, com ou sem mudança de professor, o mesmo tem de justificar extensivamente a elevação das notas. Não raras vezes, as avaliações no ano seguinte são mais morosas, refletindo a censura da excelência que o próprio IST afirma promover. Por contraste, professores que são continuamente alvo de queixas da partes dos estudantes (no final de cada semestre, os alunos do IST têm a oportunidade de responder a questionários sobre as cadeiras realizadas) são mantidos no corpo docente, sem qualquer alteração dos moldes de ensino da cadeira em questão, independentemente de poderem ser parcialmente responsáveis por médias de notas anormalmente baixas.

Este minar de bons desempenhos é sentido pelos estudantes como sabotagem da parte da sua própria instituição. Assim, a comoção inconformada sentida pelo corpo estudantil após o comunicado supracitado foi, acima de tudo, o transbordar do barril destes ressentimentos, partilhados pela maioria dos que passaram pelo Instituto Superior Técnico. Numa tentativa de minimizar a ocorrência de fraude, esta e outras faculdades estão a desprezar o valor dos exames como demonstração dos conhecimentos adquiridos – se o aluno nem possuir tempo para formular uma resposta por si, não terá certamente tempo para consultar a mesma. Quase um ano após a transição abrupta para novos modelos de ensino, o IST, que clama primar pelos seus métodos e valores, continua a decidir que a pedagogia deve ficar em segundo plano, num esforço que prejudica todos: os dissidentes, é certo, mas também aqueles que testemunham, impotentes, o dissipar do seu trabalho.

Independentemente da importância relativa das “boas notas” na faculdade, os alunos merecem sentir que escalaram a íngreme montanha que é o curso de uma forma devidamente reconhecida pela sua alma mater. A exigência não tem de baixar para alimentar o ego dos estudantes, mas deve abdicar-se desse elitismo forçado que contorna o valor da aprendizagem. Sem dúvida, a fraude é severamente condenável; porém, para o IST, a excelência também.

Não pedimos que nos forneçam o peixe. Mas, se vão ensinar-nos a pescar, que não nos roubem a cana quando notam que estamos a ser bem-sucedidos.

Publicação em parceria com o jornal Crónico

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