CARTA ABERTA AO EXMO PRESIDENTE DO INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO

Partilhamos esta Carta Aberta ao Presidente do IST, de autoria anónima. As opiniões expressas são da total responsabilidade do autor original, não representando necessariamente a posição oficial do Diferencial quanto a esta temática.

EXMO Presidente do Instituto Superior Técnico,

Venho por este meio não só condenar o passado e-mail recebido a 29 de Janeiro de 2021 relativo à fraude que se observa na nossa instituição, como dar a minha opinião sobre os métodos de avaliação e como estes devem ser actualizados.

Relativamente à comunicação enviada ontem, tenho a dizer que, pessoalmente, me deixou desiludida. Como aluna desta instituição há 5 anos, nunca esperei que o nosso líder atacasse os estudantes desta forma, acusando-os de beneficiar desta situação, como se o benefício fosse sequer possível num momento como este. Acredito que isto não esteja a ser um bom momento para V. Exª, que com apenas alguns meses de mandato teve de envergar no maior desafio dos tempos modernos. Contudo, não consigo aceitar o terror e chantagem psicológica expressos no passado e-mail.

Efetivamente, referir não só os constrangimentos financeiros que a população em geral está a sentir e o esforço dos profissionais de saúde, como também o luto das famílias pelos que a pandemia levou, como forma de incitar ao exercício das capacidades morais dos alunos não me parece nem justo, nem ético. Porque, certamente, há alunos que não só estão a passar exactamente por essas três tragédias (morte de familiares, crise financeira e terem pais e irmãos a trabalhar como profissionais de saúde) como também estão a passar pela crise de ensino do IST. Para além de chorar os seus mortos, estão a trabalhar em quadruplicado porque os métodos de ensino não foram adequados, juntamente com os métodos de avaliação. Para além de se preocuparem com os pais estarem sem salário há 10 meses, estão também preocupados em passar às cadeiras, para não obrigar os pais a pagar mais um ano de propinas. Para além de verem os seus familiares e amigos irem para a linha da frente lutar contra a pandemia, estão preocupados com a incerteza de como o semestre vai acontecer e as repercussões que terá nas suas teses, mestrados e carreiras. Não me parece adequado incitar ao terror como forma de combater a fraude. A melhor forma de combate é a prevenção e é isso que me leva ao próximo tópico: alteração dos métodos de avaliação e ensino.

O IST, desde sempre, teve polémicas ao nível do ensino. A faculdade diz-se “a mais completa do país”, promovendo “um ensino de excelência, contando com um corpo docente altamente qualificado” quando, na realidade, isto não acontece. Somente depois de frequentar a instituição e “conhecer os cantos à casa” é que os alunos entendem que não só as instalações estão obsoletas, como também parte do corpo docente o está. É de salientar que os alunos compreendem que, com falta de verbas e apoios do Estado, torna-se difícil fazer as actualizações necessárias,porém a crítica não assenta aí. Assenta, sim, na incapacidade de utilizar os recursos existentes de uma forma eficaz. Não há aluno nenhum que se importe com anfiteatros com 50 anos se o professor for excelente. Aliás, já estive presente em aulas com os anfiteatros do Pavilhão Central com a capacidade a 200%, com alunos sentados no chão e a assistir a 90 minutos de aula de pé porque o professor era transcendente. Mas, infelizmente, a verdade é que, em, diria, 70% das cadeiras, as salas estão a 1/6 da sua capacidade porque a maioria da turma não foi cativada pelo professor. Um professor requer mais do que qualificações académicas, requer também qualificações pedagógicas e, efetivamente, a maioria dos professores do técnico peca nestas últimas. E o que choca é a facilidade em colmatar estas dificuldades, apostando em formações, avaliações constantes aos professores, dando atenção aos tão preciosos QUCS, e em como estas medidas não são tomadas.

Com o início da pandemia, todos os alunos ficaram agradados com a atempada decisão da instituição em fechar as portas, mesmo antes de qualquer anúncio do governo ou da reitoria. Pensámos que a nossa direção estava em cima do assunto, pronta a agir e com planos de prevenção e ataque. É por isso que a comunidade está tão perplexa com este semestre. Entendemos que, com indicações do governo sobre como as instituições devem operar, há pouca margem de manobra, mas seria ingénuo pensar que não voltaríamos para casa. E devia-se ter preparado melhor toda esta situação. A polémica roda em torno das avaliações que, passando para online, dão azo a fraude e a dualidades de critérios entre as disciplinas. Mas questionemo-nos: será assim tão diferente do caso presencial? Um aluno que comete fraude em casa não cometerá fraude na faculdade? E a verdadeira questão é: porque é que o aluno comete fraude, acima de tudo? Os alunos com as maiores médias do país? Será porque todos são vilões na história, ou será porque os métodos de avaliação estão, e sempre estiveram, desadequados ao ensino providenciado pela instituição? Não desculpabilizo a fraude, os alunos devem mostrar os seus conhecimentos de uma forma limpa e rigorosa. Mas não estará o problema no facto dos conhecimentos não estarem a ser transmitidos?

Nos últimos meses ouvem-se relatos de professores que 1- Se recusaram a dar aulas por via remota, disponibilizando apenas apresentações, sem acompanhar os alunos; 2- Se recusaram a ter horários de dúvidas; 3- Não se familiarizaram com a plataforma, fazendo com que as aulas não tivessem ritmo; 4- Ocuparam o tempo de aula para, em vez de discutir conteúdos, discutir a pandemia; 5- Justificaram a falta de aulas online por “não terem computador”, entre muitos outros exemplos de má gestão de tempo e recursos. Não houve uma formação generalizada aos professores sobre a plataforma zoom? Não houve formações sobre acompanhamento à distância? Não houve distribuição de equipamento aos docentes? São estas questões que gostávamos que fossem respondidas, para perceber onde está realmente o cerne da questão. Porque se todas estas iniciativas foram feitas, então talvez esteja na hora de olhar para o corpo docente e fazer algumas alterações.

Tal como os professores têm obrigação de se adaptarem aos tempos em que vivemos, também os alunos têm essa obrigação. E os alunos, em todas as cadeiras que fiz, sempre foram cooperativos com os professores, muitas vezes auxiliando com a plataforma. Os professores indicaram, ao longo do semestre, que a assistência às aulas nunca foi tão grande, por via online, e que os alunos se sentem mais desinibidos a colocar questões. Para os professores que realmente adaptaram as suas aulas ao formato online, e demonstraram esforço, tudo correu bem. Fiz 11 cadeiras em tempo de pandemia e tive a sorte de, em todas elas, ter professores altamente qualificados que nos ajudaram a ultrapassar as dificuldades e as notas foram adequadas aos conhecimentos transmitidos. Mas tenho colegas que, das cadeiras que tiveram, passaram a 2 porque os professores não só se recusaram a dar aulas, como envenenaram as avaliações para combater a fraude. E é aqui que a adaptação dos alunos deixa de ser tida em consideração.

Tal como os professores têm dificuldade em mudar para online, os alunos também sentem essa dificuldade. Estudar em casa não se torna fácil quando a casa tem 2 pais em teletrabalho, 3 irmãos em telescola, um cão a ladrar constantemente e um gato a dormir nos nossos apontamentos. Todos sabemos que há UC’s que requerem concentração total e isso, na maioria das vezes, não podia ser atingido. Mas os alunos estudaram, e prosperaram, e ultrapassaram o desafio do semestre para, no final, serem todos postos no mesmo saco de fraudulentos, porque as notas são elevadas. Mas nos casos das UC’s em que há 94% de taxa de reprovação, não se levantam suspeitas de fraude aos professores.

Não será estranho que a academia condene as boas notas mas esteja tão habituada aos fracassos? Não será estranho que chumbar seja mais comum do que passar no IST? Novamente, não defendo a fraude. A transparência é um valor essencial entre os estudantes. Mas não haverá formas mais eficientes de travar estas suspeitas? Porque não adaptar todos os testes a testes com consulta? Porque não transformar avaliações escritas teóricas em trabalhos individuais ou em avaliações interpretativas (case studies)? Porque não exigir que, em todas as avaliações com cálculos, a folha de raciocínio seja entregue? Porque não, em vez de enviar o enunciado por email ou disponibilizá-lo numa plataforma, os professores façam partilha de ecrã, para que os alunos não tenham razões para navegar no computador? Porque não requerer a todos os alunos que permitam a partilha de ecrã, para que o professor possa a qualquer momento ver o que se passa no computador de um aluno que lhe levante suspeitas? Porquê correr atrás do prejuízo em vez de o evitar? E havendo estas medidas para os alunos, porque não impor regras aos professores? Não avaliar conteúdos que não sejam lecionados nas UC’s, obrigatoriamente lecionar as aulas, ter a opção de ensino online para todos os alunos que se encontrem em isolamento profilático, ter mais horários de dúvidas, adequar os tempos das avaliações de uma forma pensada (e não fazer um exame que presencial seria de 2 horas em 1, sem consulta, só porque há pessoas que copiam). Evite-se a fraude, não pondo em risco o trabalho dos alunos honestos. E estranhe-se não só 90% da turma ter 17-20 como também 90% da turma ter negativa.

A excelência desta minha tão querida faculdade, infelizmente, não está no ensino nem nas instalações, está sim nos alunos que a constituem, que se “alistam” sem saber ao que vão, e que na sua maioria saem de lá ressentidos. Quando entrei no Técnico chorei de alegria, achei que estava a seguir as pisadas do meu pai e que ia estudar na melhor faculdade de engenharia do país. Hoje choro de raiva ao perceber que passaram 30 anos e que a universidade está igual desde que o meu pai a frequentou, com os mesmos métodos arcaicos de ensino e os mesmos critérios de avaliação descabidos, e que tudo o que aprendi foi a “desenrascar-me”. Efetivamente, o IST faz os melhores profissionais, não por os preparar com ferramentas para o mercado de trabalho, mas sim porque, passando pelo IST, nada mais é um desafio. Estes são, efetivamente, os mais desafiantes anos da nossa vida, não porque a faculdade é difícil em termos de conteúdos, mas sim em termos psicológicos. Porque, lembremo-nos que, nesta faculdade, entram os alunos com as maiores médias do secundário, o que indica que, em princípio, compreensão de conteúdos e capacidade de trabalho não serão um problema. Contudo, cursos de 5 anos transformam-se rapidamente em 6 e 7 e ninguém estranha porquê. Mas quando um aluno prospera em tempo de pandemia, em vez de ser vangloriado é acusado de fraude e obrigado a repetir exames ou a fazê-los 6 meses depois do acompanhamento da UC.

Concluo apelando a que a interação entre professores e alunos se torne respeitosa. Respeitem e dêem-se ao respeito, porque verdadeiramente os alunos só respeitarão quando forem respeitados, e os professores, com as suas funções pedagógicas, têm a obrigação de elevar os seus pupilos, e não de os destruir. O mesmo se aplica à direção do Técnico, que em vez de salvaguardar a sua fonte de rendimento e de prestígio, acusa-a de beneficiar da maior tragédia do século XXI.

Uma aluna desiludida

30 Janeiro 2021

2 comentários

  1. Eu defendo e subcrevo a aluna desiludida, porque já apresentei à atual e anterior Direção do IST o “Dicionário de Valores” que subscrevi, do mentor da “Escola da Ponte”. Publicado em 2012 na maior metrópole de língua portuguesa.
    O melhor elemento da minha geração de 70 é Trustee na Fundação Calouste Gulbenkian.
    O meu (ou nosso?) maior Professor é Secretário-Geral das Nações Unidas.

  2. Eis um Aliado de Windsor com décadas de Serviço Público e mais de uma década de trabalho no YouTube. Publica bons conselhos para “este tempo” e revelou o seu equipamento:

    Creio que consigo propor uma Bill of Material por menos de 1k Eur.
    Há algum docente interessado em equipamento empresarial recondicionado, com um a dois anos de garantia?

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