Entrevista B Fachada: “Os tempos no Técnico foram os tempos em que mais fumei”

Autoria: Francisco Raposo (MEFT) e João Dinis Álvares (MEFT)

Na passada segunda-feira, B Fachada retornou, juntamente com o filho mais velho, à sua primeira faculdade. A entrevista que se segue, transcrita, relata a história de como é que chegou ao Técnico, o que passou enquanto esteve cá e o que se seguiu.

O interesse pela física, matemática e pela ciência em geral (embora desgoste de química) sempre esteve presente na vida de Bernardo Fachada, melhor conhecido por B Fachada. Na verdade, o Técnico não lhe era de todo desconhecido. O seu pai, José Fachada, foi professor assistente do Departamento de Matemática desta faculdade. Este foi o primeiro professor a lecionar a cadeira de Combinatória e Grafos, que é atualmente dada pelo seu colega de gabinete da altura, Pedro Rodrigues. De acordo com B Fachada, já nos tempos do seu pai a cadeira tinha “um esquema de avaliações marado”.

Começou o seu ensino em Queluz, na Escola Básica Monte Abraão. Seguiu para Cascais e, a partir do quinto ano, frequentou também a Escola Oficial de Música, na Avenida 5 de Outubro. “A viagem diária entre Cascais e a Escola de Música era uma hora para lá e uma hora para cá”, lembrou B Fachada, apontando do Bar de Química para o sítio onde o Conservatório ficava. Quando chegou ao décimo segundo ano, tornou-se impossível conciliar as onze horas semanais obrigatórias no Conservatório com o tempo perdido em viagem e com o ensino secundário. Chegou a passar pelo Hot Clube de Portugal para tocar Jazz, mas “não era a mesma coisa. Assim, prescindiu do seu percurso musical para se dedicar com mais afinco aos objetivos académicos. O mesmo continuou a suceder-se quando, em 2001, entrou no Técnico, na Licenciatura em Engenharia Física. Esse facto serviu de catapulta para muitas das perguntas que foram colocadas.

Uma das coisas que B Fachada notou logo a partir da primeira aula foi o facto de ser o único que sabia utilizar LaTeX para escrever relatórios, hábito que adquiriu do seu pai.

Não sendo LaTeX algo fundamental, isso levou-o a concluir que, apesar de ele e todos os colegas estarem sujeitos ao mesmo grau de exigência desde que entraram no Técnico, a preparação prévia de cada um era diferente. Aqueles que vinham do Colégio Militar, do Colégio Francês ou escolas similares estavam muito à vontade com certos tópicos que os estudantes de escolas públicas, tais como ele, ainda não tinham tocado. 

“O Técnico é muito difícil e uma pessoa é muito nova [quando vem do secundário] e tem de ter alguma noção de como é que se vai aproveitar o esforço de tirar efetivamente o curso, porque os cursos mudaram muito pouco à medida que o ensino secundário foi caindo muito. O ensino foi democratizado, o nível do ensino subiu muito, mas a verdade é que os conteúdos do secundário foram encolhendo, encolhendo, encolhendo, encolhendo, e as cadeiras do Técnico nunca mudaram e isso tornou-se quase ostensivo da parte do IST.”

B Fachada recorda os tempos em que, na sua primeira cadeira de programação, se aprendia Fortran F90, numa cave do Departamento de Física. A cave continua exatamente igual, como atestam os autores deste texto. A diferença, no entanto, é que agora se aprende C++ (e, com o MEPP, Python) em vez de Fortran. Na sua segunda cadeira de programação, aprendeu Java, que já o cativou. Aliás, ainda hoje mantém vivo interesse pela programação, interesse esse que está a tentar passar aos filhos, tendo tentado introduzir através de um Raspberry Pi, para que comecem a experimentar. Recentemente, aprendeu BASIC e quer constantemente pôr à prova as suas capacidades de programador através de várias propostas (infrutíferas) de colaboração com a sua esposa, Mané Pacheco, artista plástica. “Nunca perdi a minha costela do Técnico”, disse B Fachada, lembrando estes anos em que fazia diretas semanais para acabar projetos de programação.

Aquilo era uma maluqueira, era um projeto daqueles por semana que nós tínhamos que entregar à meia-noite de sexta. E o meu colega de grupo desistiu logo no início do semestre.” Esse colega, tal como o próprio B Fachada, nunca se sentiu realizado no curso de Física, tendo desistido do curso bastante cedo. No caso do seu colega, este era filho de José Tito Mendonça, antigo presidente do Departamento de Física e professor catedrático reformado. Para além disso, recorda também um grande gosto por circuitos, assunto que o interessava “desde miúdo”, mas que ainda assim lhe demorou dois semestres a fazer. A cadeira de Sistemas Digitais, no entanto, diz que nem sequer chegou a terminar. Menciona ainda a cadeira de Termodinâmica: “Eu adorava aquilo”.

Um dos eventos mais caricatos aconteceu logo na primeira aula prática de Mecânica Clássica, onde o professor pergunta: “Vocês já sabem primitivas, não é?”, algo que não era nem é ainda hoje contemplado pelo programa nacional de ensino.

Questionado sobre se participara na vida associativa, disse que não fez parte de nenhum núcleo nem da Associação de Estudantes, justificando esta última como um meio político no qual não se queria envolver. B Fachada defende que os estudantes de ensino superior devem ter espaço para explorar outras áreas de conhecimento e encontrar novas maneiras de se expressarem: 

“Pelo menos, ajuda uma pessoa a não ter essa sensação de que está a afunilar muito depressa numa idade em que ainda não tem 100% de certeza [do que quer fazer].”

Voltando ao seu percurso no Técnico, as dificuldades que sentiu não eram só suas: todos as sentiam, o que se refletia nas taxas de desistência do curso, cerca de 50% logo no primeiro ano. Outra das linhas comuns com os estudantes atuais era o tempo de viagem, que lhe foi sempre penoso. Apesar de viver em Cascais, a cerca de trinta quilómetros do Técnico, acordava todos os dias às seis da manhã, e às seis e meia já fumava o seu primeiro cigarro do dia: “Os tempos no Técnico foram os tempos em que mais fumei”. Essa preocupação, juntamente com a sensação de que “as portas estavam a fechar” à medida que ia estudando cadeiras mais abstratas, foram o principal catalisador da sua saída do Técnico, três anos depois de ter entrado. “Não estava a ver nada que eu fosse gostar mesmo”.

Mal saiu do Técnico, ingressou na Licenciatura em Estudos Portugueses, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), derivado do gosto profundo que tinha por literatura, desde pequeno. Este curso também o desiludiu, porque sentiu que não havia tanto interesse nas cadeiras e a organização não era tão boa, já que era uma faculdade bastante recente. Porém, houve três professores que deixaram uma marca duradoura na sua carreira artística: Abel Barros Baptista, professor de duas cadeiras de literatura brasileira, Gustavo Rubim e, acima de tudo, Alberto Pimenta, tendo escolhido todas as cadeiras que lhe eram  possíveis com este último. Sobre Alberto Pimenta, B Fachada deixou claro que foi “de propósito para lá para conhecer e para ter aulas com ele”, que“é o poeta principal para mim do século XX e que mais me influencia”.

A entrada na FCSH representou também um retorno à sua carreira musical. 

Quando entrei para a FCSH conheci logo o Luís Nunes, que é conhecido por Benjamim, hoje em dia. Conheci-o logo e ele tinha o seu projeto e precisava de alguém para tocar com ele, e eu disse-lhe que também fazia umas coisas. Ele emprestou-me um gravador para eu gravar as minhas primeiras canções, era um gravador de cassetes de 4 pistas. Depois, editei o primeiro EP, comecei a tocar com ele, depois fiz mais uns EP’s e ainda fui de Erasmus, em Granada.

A estes primeiros EP’s seguiu-se um mês na Bélgica, durante o verão, onde gravou o que ele considera o seu primeiro trabalho a sério na música, o álbum Viola Braguesa. A partir daí, “os concertos começaram a estar esgotados e cheios”. Nesta altura, já tinha passado três anos na FCSH. Ainda voltou à faculdade no semestre seguinte, mas as cadeiras já não lhe eram interessantes e acabou por nunca mais lá voltar. Brincando, referiu que “não desisti, só não cheguei a acabar.”.

A reação dos pais à constante mudança de percurso não foi assim tão positiva:

Eles não gostaram por várias razões. Primeiro, e isso eu também percebo como pai, é um comportamento desistente, que é sempre um mau sinal. Eu já tinha saído da música a dois anos de fazer o oitavo grau. Portanto, a formação musical na prática não servia para nada. O Técnico também ficara a meio. O Hot Clube [de Portugal] também [não dava] nada. A literatura também não me permitia nada.”

Porém, por mais que o seu futuro parecesse incerto para os pais, mal abandonou a FCSH arranjou maneira de viver do seu trabalho criativo.

Depois do lançamento do álbum Viola Braguesa, foi convidado por Jorge Cruz para fazer parte dos Diabo Na Cruz. Enquanto parte da banda, teve oportunidade de atuar no campus Alameda do Técnico, no Arraial do Caloiro 2010, e também na FCSH. Não atuou só nas suas antigas faculdades, tendo visitado outras, enquanto “one-man Tuna”. Por esta altura, a sua carreira musical já tinha descolado, o que fez com o seu pai se apercebesse que esta tinha futuro. Isto foi um passo significativo porque, na altura,  “não havia maneira de um gajo ser músico”.

Sobre as marcas que ambas as faculdades deixaram na sua vida, admite que do Técnico retirou “a cultura de trabalho e a perceção de que as coisas custam a fazer e de que o trabalho tem que ser organizado”; da FCSH, destacou a cadeira de Linguística Portuguesa, “porque aprendi a ter consciência fonética da pronúncia, que foi uma coisa importante para depois eu conseguir escrever com sotaque bastante carregado“. Confessou que este é um dos seus “truques” ao compôr.

A questão do sotaque fez relembrá-lo de um projeto com Romeu Bairros, artista açoriano, em que o foco era criar músicas adaptadas ao sotaque próprio da região. “É preciso ter consciência do sotaque”, enfatiza. Isto revela-se também pela quantidade de concertos que tem na região do norte, onde regularmente retorna e sente grande apreço precisamente por ter um sotaque distinto.

Desde que saiu da faculdade, “levo uma vida bastante contemplativa, tenho tempo para pensar e tenho tempo para formar ideias. Estou sempre a fazer o meu trabalho, o meu músculo criativo está quase sempre a trabalhar”. Este músculo criativo estende-se a tudo: “se for um amigo que tem um restaurante, eu vou de certeza chegar lá e dizer «isto está bom, mas e esta entrada aqui, uma coisa aqui dramática…»”, disse ele expressando-se vigorosamente com os braços, no bar de Química.

Olhando para o futuro, perguntámos-lhe sobre o próximo álbum.

“Gostava que saísse na primeira metade do próximo ano, mas não sei se vai. Devia, sim, até porque eu já estou a ver a próxima sabática ao fundo do túnel.”

“Já estou cansado. Já faz 10 anos desde a minha [última] sabática e estou a precisar, porque eu estou sempre sozinho, eu toco sozinho, o trabalho é muito desgastante.”

“Eu eventualmente preciso de descansar de mim próprio.

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