Mandar no Técnico ainda é coisa de homens? Análise à paridade de género nos órgãos do IST e entrevista a Isabel Ribeiro

Autoria: Catarina Curado (LMAC), Filipe Valquaresma (MEAer)

O nome da instituição, mesmo na forma carinhosa, sempre foi no masculino: “o Técnico”. Ao longo dos seus 114 anos de história, o nome do seu dirigente máximo também o foi: “o Diretor” ou “o Presidente”, e nunca “a Diretora” ou “a Presidente”. No mês da mulher, foquemo-nos numa análise à paridade de género e à representatividade feminina nos órgãos de decisão do nosso Instituto nos últimos anos.

Para entender esta evolução, o Diferencial entrevistou Isabel Ribeiro, uma das mulheres a ocupar um alto cargo de gestão no Técnico nos últimos anos, tendo vindo a desempenhar, entre outras funções, os cargos de vice-presidente do Conselho de Escola, entre 2014 e 2016, e de vice-presidente do Conselho de Gestão, na área de Gestão Administrativa e Financeira, até 2013.

De acordo com os seus estatutos, que datam de 2013, são órgãos do Técnico o Conselho de Escola, o Presidente do IST, o Conselho Científico e o Conselho Pedagógico, bem como o Conselho de Gestão. Para além destes, somam-se, “com competência consultiva”, a Assembleia de Escola, o Conselho de Departamentos e de Estruturas Transversais, o Conselho de Unidades de Investigação e o Conselho Consultivo.  

De entre os órgãos com capacidade de decisão, o Conselho Pedagógico (CP) e o Conselho Científico (CC) são, respetivamente, os órgãos de gestão pedagógica e de gestão científica do IST. Por outro lado, o Presidente é o órgão “de mais elevada responsabilidade de gestão da escola”, que nomeia o Conselho de Gestão (CG), responsável pela “gestão administrativa, patrimonial e financeira do IST”. O Conselho de Escola é “o órgão de decisão estratégica e de fiscalização do cumprimento da lei, dos Estatutos e, em particular, da missão do IST” sendo responsável por, entre outras responsabilidades, eleger o Presidente. 

É sabido que, apesar dos vários esforços ao longo dos anos, o género feminino é ainda uma minoria no IST. As alumnae são galardoadas através do prémio Maria de Lourdes Pintasilgo, e o capital humano do IST procura dirigir-se para o equilíbrio através do programa Gender Balance, que engloba políticas de recrutamento e de recursos humanos, programas de divulgação dos cursos do Técnico para um público feminino, entre outros. A estas iniciativas, que apelida de “muito meritórias”, a professora Isabel Ribeiro, catedrática jubilada do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (DEEC) e ex-titular de vários cargos na estrutura do IST, acrescenta o destaque a uma medida onde, “depois de gozada a licença de maternidade ou de paternidade,” permite que os docentes possam “estar um semestre sem dar aulas”. 

Mas como está, então, a paridade de género nos lugares de decisão no IST?

A lei n.º 26/2019, a mais recente sobre o tema, regula a “representação equilibrada entre homens e mulheres no pessoal dirigente e nos órgãos da Administração Pública”. Esta lei aplica-se, entre outros, “aos órgãos de governo e de gestão das instituições de ensino superior públicas”, aplicando-se, portanto, ao IST. 

Com esta lei existe a obrigação de se respeitar a proporção mínima de “40% de pessoas de cada sexo nos cargos e órgãos”, onde o incumprimento implica a nulidade do órgão. Esta definição de “representação equilibrada” tem de ser verificada no momento da candidatura, sendo inválidas as listas que não respeitem este critério.  

Os números mais recentes sugerem que estamos a tender para um equilíbrio, que acompanha a distribuição de género na comunidade académica, mas a passo lento. Tal como seria talvez de esperar no mundo da Engenharia, os órgãos de gestão no IST são, sem exceção, maioritariamente masculinos, mesmo estando dentro dos limites estabelecidos como “equilíbrio” em termos de paridade de género. 

A Assembleia de Escola, um órgão consultivo, tem sido liderada por mulheres nos últimos anos, com Teresa Duarte na presidência desde 2024, sucedendo a Ana Teresa Freitas, que ocupou o cargo entre 2021 e 2024. No entanto, e apesar de até ao final do mandato anterior o Conselho Pedagógico ter sido liderado por Teresa Peña, nenhum dos atuais órgãos de decisão do IST é presidido por uma mulher. 

Isabel Ribeiro tem “muito orgulho de dizer que esta escola, em termos de órgãos de gestão, tem vindo a ter as coisas equilibradas em termos de homens e de mulheres,” mesmo antes da existência da “regra escrita”, o que, na sua opinião, “mostra que é o mérito, é a excelência das pessoas, homens ou mulheres, que as leva aos órgãos de gestão.”

Isabel Ribeiro, professora catedrática jubilada do DEEC. Foto cedida pela própria

No que toca à moldura humana do IST em termos de pessoal docente, a professora Isabel Ribeiro não tem dúvidas: “do ponto de vista de carreira académica, ainda se nota que as mulheres que chegam às posições de topo, como catedráticas, ainda são um número muito, muito reduzido. Mesmo aquelas que concorrem a auxiliar ainda são poucas.” Isto constitui, para si, “uma incógnita”, atestando que, no cômputo geral “há mais doutoradas mulheres do que homens”, não entendendo como é que chegam aos concursos para professor “mais homens que mulheres”, embora admitindo que conheça melhor a realidade do seu departamento, e ressalvando que pode não ser um fenómeno transversal. 

Conselho de Escola

O Conselho de Escola, o órgão coletivo que elege o Presidente e decide sobre a estratégia do IST, nunca foi presidido por uma mulher – aliás, no período em análise (desde 2009) as decisões foram sempre tomadas maioritariamente no masculino. Entre 2009 e 2012, com um total de 22 membros, apenas duas mulheres faziam parte deste órgão: Ana Rigueiro, representante dos trabalhadores não docentes e não investigadores, e Joana Alves, representante dos estudantes, no biénio 2011/2012. Isto significa que, de 2009 a 2010, somente uma mulher integrava este órgão. 

Entre 2013 e 2016, a situação melhorou ligeiramente, com 6 mulheres num total de 25 membros do CE, sendo estas 4 docentes, uma estudante e uma trabalhadora não docente, o que correspondia a 24% de representação feminina. Já entre 2017 e 2020, essa mesma representação manteve-se estável, mas com uma ligeira queda na percentagem, de 24% para 20%. No entanto, no mandato passado, o CE era composto por 31% de mulheres, significando que se tratou de um aumento significativo.

Fonte: website do IST

Recordemos que os mandatos anteriores a 2019 são anteriores à lei referida anteriormente, o que explica estes números abaixo do atualmente permitido.

Presidente e Conselho de Gestão

Analisando agora o CG, observa-se que no primeiro mandato do Professor Arlindo Oliveira (2012-2015), num total de 17 pessoas, apenas 3 mulheres ocupavam cargos no CG, o que corresponde a cerca de 18%. É importante ressalvar que, embora existissem apenas 12 cargos no CG nesse período – um presidente, 10 vice-presidentes e um administrador – 15 pessoas chegaram a ocupar as funções de vice-presidentes em diferentes ocasiões.

Quanto ao segundo mandato de Arlindo Oliveira, que começou em 2016 e terminou em 2019, a representatividade feminina diminuiu para apenas duas mulheres a desempenhar funções de vice-presidente: Palmira da Silva, responsável pela pasta de Comunicação e Imagem, e Maria de Fátima Montemor, responsável pelos Assuntos Académicos.

A partir de 2020, sob a presidência do Professor Rogério Colaço, registou-se um aumento da presença feminina entre os vice-presidentes do Técnico. No primeiro mandato (2020-2023), o número de mulheres vice-presidentes igualou o número relativo aos homens, com cinco representantes de cada género, o que resultou numa participação feminina de 42% no Conselho de Gestão. Já no seu segundo mandato (2024-2027), a percentagem de mulheres desceu para 36%, totalizando, portanto, um presidente, nove vice-presidentes (quatro mulheres e cinco homens) e um administrador.

Fonte: website do IST

Diante destes dados, surge a questão se será possível que este aumento se deva à implementação de quotas ou se realmente podemos afirmar que o Instituto Superior Técnico está a criar um ambiente mais inclusivo para as mulheres, com grandes mudanças no caminho para a igualdade de género. Segundo a Professora Isabel Ribeiro, “no Técnico já nem é preciso ter quotas para mulheres, porque esse assunto já se entranhou.” 

O caminho para o equilíbrio de género nos órgãos de gestão do IST tem sido feito através de imposições legais e medidas inovadoras de apoio à igualdade, como as que já foram mencionadas. 

Uma das medidas de maior importância, de acordo com Isabel Ribeiro, é mesmo a da extensão da licença de maternidade, “porque de algum modo quando uma criança nasce há menos tempo, pois há que mudar fraldas, noites perdidas e portanto um bocadinho da carreira, sobretudo de investigação, vai abaixo. E a prioridade é a vida pessoal.” Concluiu dizendo que “as medidas que esta escola implementa de apoio à maternidade e às mulheres são uma coisa que já se vê a dar frutos.”

Ainda assim, Isabel Ribeiro reflete sobre o seu percurso no Instituto Superior Técnico com orgulho, tendo desempenhado as mais variadas funções. “Nesta casa [só] não fui Presidente do Técnico, Presidente de Departamento e Presidente do Conselho de Escola, mas sinto-me muito tranquila e com algum orgulho daquilo que dei à casa em termos de serviço.”

A respeito dos princípios de paridade na escolha de cargos de liderança, defende que a prioridade deve ser sempre a excelência e só depois o género. “Entre um homem excelente e uma mulher excelente, em igualdade de circunstâncias, eu acho que a mulher ainda deve ser, não digo premiada, mas ocupar o lugar. Entre um homem excelente e uma mulher mediana, deve ser um homem [a ocupar o lugar]. Portanto, eu pugno pela excelência.” E, apesar dos desafios que muitas mulheres enfrentam em contextos tradicionalmente masculinos, garante que nunca sentiu qualquer resistência ou falta de apoio por parte dos restantes membros dos órgãos devido ao seu género.

Para além das políticas institucionais, acredita que alcançar uma maior paridade de género nas áreas tecnológicas passa por sensibilizar desde cedo, para só assim desconstruir a ideia de que são domínios exclusivamente masculinos. Nas suas palavras, “é [necessário] dar a conhecer aos miúdos e às miúdas, desde muito cedo, o que são estas áreas.”
Tendo ingressado no Técnico no ano letivo de 1972/73 e estado ao serviço desta mesma instituição durante 44 anos, concluiu que “o mais importante desta casa são as pessoas, homens e mulheres, alunos, funcionários e docentes: todos. É com estes que a escola se faz e todos têm que ser bem tratados.

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