MEPP: Será que podemos voltar atrás? Entrevista a Rogério Colaço, Presidente do IST

Neste tempo de transição, os alunos do Instituto Superior Técnico têm estado reticentes em ver a mudança do plano curricular como algo positivo. Em diálogo com Rogério Colaço, o atual presidente do IST, tentámos compreender melhor qual o contexto e as causas desta mudança, de que forma o MEPP poderá beneficiar ou prejudicar os alunos e se é possível ser revertido.

Fotografia de Rogério Colaço. Fonte: Técnico Lisboa [1]

Autoria: Joana Abreu (LEFT) e Tomás Oliveira (LMAC)

Esta entrevista, realizada no dia 17 de dezembro de 2021, tem como objetivo colocar um conjunto de questões pertinentes a Rogério Colaço, Presidente do Instituto Superior Técnico, para mais tarde elucidar os alunos da nossa faculdade no que diz respeito à adoção do novo Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas (MEPP). Com este desígnio em mente, tentámos colocar as perguntas que achámos mais úteis, e, para isso, pedimos ajuda à comunidade dos estudantes do IST através do Instagram do Jornal Diferencial

A entrevista é constituída por um total de onze questões principais e encontra-se dividida em três partes. Numa primeira abordagem, iremos falar da essência do MEPP: da sua origem e das suas vantagens vis-à-vis às suas desvantagens. Imediatamente depois, compondo a maior parte da entrevista, vamos escrutinar alguns dos maiores problemas respeitantes ao MEPP, assim como averiguar possíveis soluções. No final, iremos abordar o futuro do MEPP e que outras medidas se poderão avizinhar. 

Esperamos que, com a leitura desta entrevista, os leitores reflitam de forma mais informada sobre a utilidade do MEPP e que tenham algumas ideias criativas sobre possíveis mudanças futuras. 

Joana: Como surgiu a ideia do novo MEPP? Quando foi primeiramente pensado? A quem ou a que entidade é atribuída a ideia?

Presidente Rogério: Vou começar pelo fim. A entidade a quem é atribuída a ideia é o Instituto Superior Técnico, que entendeu há sensivelmente quatro anos que estávamos na altura de, aproveitando a implementação da reestruturação curricular que iria ser imposta nos mestrados integrados pelo decreto-lei 65/2018. O decreto-lei 65/2018, como é do vosso conhecimento, terminou com os vossos mestrados integrados nas engenharias, nomeadamente, e, na altura em que saiu o decreto-lei 65/2018, o Presidente do Técnico de então, o Conselho de Gestão, o Conselho Científico, Pedagógico, o Conselho de Escola entenderam que se deveria aproveitar essa necessidade de reestruturar os cursos para olhar de uma forma mais profunda para a oferta de formação, para o modelo de ensino do Técnico e, aproveitando isso, fazer uma reestruturação mais profunda que tinha e tem como objetivo principal melhorar a experiência formativa dos alunos do Técnico no seu percurso de licenciatura e mestrado

Bom, concretamente, o que aconteceu nessa altura: foi nomeada, pelo Presidente do Instituto Superior Técnico de então, o Professor Arlindo de Oliveira, uma comissão que tinha membros de todos os departamentos, que era coordenada pelo professor Pedro Brogueira, do Departamento de Física, e essa comissão o que fez foi, durante um período alargado, um ano, um ano e meio, ver e fazer um levantamento das melhores práticas de formação em engenharia a nível internacional, uma consulta aos empregadores de alumni do Técnico, aos parceiros do Técnico, a várias individualidades da área do Ensino, à A3ES. E, no final desse trabalho, foi elaborado um documento, um modelo de ensino e práticas pedagógicas, e esse documento, que foi aprovado pelos diferentes órgãos do Técnico no início de 2019, se a memória não me falha, tinha um conjunto de linhas mestras para a reestruturação dos cursos do Técnico, e essa linhas mestras, de uma forma geral, contemplavam a formação por ensino, ou a formação do ensino à base de projeto, ou seja, com uma proximidade maior entre os estudantes, os professores, os laboratórios e os empregadores, uma das linhas, um dos vetores de reestruturação dos cursos. O outro vetor importante era o aumento da flexibilidade dos planos curriculares, no sentido de permitir aos alunos escolherem em parte um bocadinho o seu percurso, em áreas, digamos, para além da sua área de tronco comum, e que lhes permitissem alargar a sua experiência para além daquilo que é a sua formação de base, Engenharia Civil ou Engenharia Física ou o que fosse, linhas que lhes permitissem alargar a sua experiência. Depois, outro vetor importante, outra linha importante de reestruturação dos planos curriculares e do modelo de ensino foi introduzir unidades curriculares de Artes, Humanidades e Ciências Sociais por forma a alargar o espetro da formação dos estudantes do Técnico para além das cadeiras técnicas e das engenharias científicas e reforçar a componente de empreendedorismo, sobretudo para os anos mais avançados, do 2º ciclo. Estas foram, essencialmente, as linhas mestras, que foram passadas às coordenações de curso. Simultaneamente, houve a questão de se tentar reduzir o número de unidades curriculares que o estudante tinha simultaneamente em contacto e uma das formas de poder fazer isso é a divisão do semestre em dois subconjuntos. E, portanto, essas foram as linhas mestras que foram passadas às coordenações, aos departamentos. Foram elaborados planos curriculares estruturados com estas linhas mestras, foram aprovados, submetidos à A3ES e entraram em vigor agora este ano 2021/22 em setembro.

Joana: Essa entidade de que falou é a A3ES?

Presidente Rogério: A A3ES é a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, que é uma entidade independente que tem como missão avaliar e acreditar todos os cursos de ensino superior conferentes de grau, ou seja, quando se cria um curso novo ou quando se faz uma reestruturação curricular, a A3ES é a entidade que avalia esse curso novo ou essa reestruturação curricular e que acredita ou não. E, no caso de acreditar, dá autorização para que esse curso funcione. É uma autoridade nacional. No nosso país todos os cursos têm de passar pela avaliação e acreditação dessa entidade.

Tomás: Há alguma desvantagem inerente que consegue identificar nas novas mudanças?

Presidente Rogério: A ideia é que tudo isto sejam vantagens. Não havia aqui nenhum tradeoff no plano inicial. Mas essa avaliação será feita ao longo deste ano, e as coisas, que espero que não sejam muitas, que seja necessário corrigir, e provavelmente vocês vão falar de algumas delas que já estão identificadas, tentaremos corrigir e o que estiver a ser bem feito manteremos ou iremos melhorar. 

Dito isto, há uma coisa que talvez valha a pena referir. Um dos objetivos também principais deste novo modelo de ensino e práticas pedagógicas, para além de aumentar a flexibilidade curricular e a preparação dos estudantes, é prepará-los melhor para um mercado de trabalho que é muito flexível e muito dinâmico neste momento, como vocês sabem. Tinha também aqui um objetivo que é importante e é importante que o diga e que seja referido, que é: efetivamente, a taxa de eficiência de formação do Técnico não é muito elevada, ou seja, em média, os nossos estudantes, para fazerem a licenciatura e o mestrado, que são cinco anos, três mais dois, levam em média sete anos, ou sete anos e meio nalgumas formações. E isso é uma ineficiência do nosso sistema que tem de ser corrigida, tem uma origem que tem de ser corrigida. Porque o Técnico recebe os melhores estudantes do país. Neste momento, 85% dos estudantes do Técnico entram com mais de 16 no Técnico e entram com 17 ou 18 anos, o que quer dizer que nunca repetiram nenhum ano no seu percurso académico até chegar ao Instituto Superior Técnico. Portanto, quando chegam ao Instituto Superior Técnico, se levam mais do que cinco anos, seis ou sete, como eu disse, é porque há perdas de eficácia que têm de ser corrigidas, e o objetivo do MEPP foi também esse. Aumentarmos aqui a eficácia formativa do nosso talento, que são os nossos estudantes, que são de facto alunos de exceção, chegam aqui como alunos de exceção e saem daqui como profissionais de exceção também, levam é um bocadinho de mais tempo do que o que seria desejável ou que seria teoricamente possível, e, portanto, o objetivo do MEPP também foi corrigir um bocadinho essa ineficácia. Como? Aumentando a proporção de aulas práticas e teórico-práticas, conforme a termos turmas mais reduzidas e aumentando a componente que se chama, em inglês, project-based learning, ou seja, formação à base de projeto, que permite aos estudantes estarem diretamente em contacto com o projeto e sob a orientação do professor, aumentando a eficácia, e depois, promovendo também uma avaliação contínua predominante em relação à avaliação em deltas de Dirac*, que tem menos eficiência. 

É claro que fazer avaliação contínua é um processo de aprendizagem também para os professores, e, portanto, temos de fazer este caminho em conjunto. A avaliação contínua não é transformada de um delta de Dirac em vinte ‘deltazinhos’ de Dirac porque isso não é avaliação contínua, é avaliação discreta com mais pingos. É um processo em que temos todos de trabalhar em conjunto, de o fazer, mas que tem de ser o caminho para nós aumentarmos aqui a eficácia da nossa formação, dos nossos estudantes, dos objetivos. É outra das vantagens que se espera do MEPP. Desvantagem esperemos que não haja nenhuma. Como eu disse, se houver, temos de corrigir… Porque a ideia é não haver desvantagens nenhumas nem para os estudantes nem para os professores.

Tomás: Sendo assim, já falou sobre as vantagens do MEPP em relação à nossa aprendizagem. Poderá dar uma palavrinha sobre as vantagens na entrada no mercado de trabalho?

Presidente Rogério: Sim. No trabalho que a comissão que propôs as linhas mestras para a estruturação do MEPP fez, houve duas questões que foram levantadas com bastante frequência, que é os estudantes do Técnico terem uma aprendizagem muito focada nas suas linhas de especialização, o que não é uma coisa necessariamente má, porque as pessoas de facto são especialistas naquilo que fazem e têm uma formação excelente e de qualidade e uma enorme capacidade de trabalho, mas o mercado de trabalho é muito dinâmico, e, ao longo do tempo, pode variar.

Quer dizer, um aluno que acabe um curso de Engenharia Mecânica no Técnico, muito provavelmente, nos seus 40 anos de vida ativa, não vai só fazer Engenharia Mecânica, portanto, vai estar em vários sítios da mesma empresa ou em vários sítios de outras empresas ou em várias empresas que têm coisas diferentes. E, portanto, um currículo excessivamente focado pode ser prejudicial para os alunos, e daí o aumento da flexibilidade, a criação de Minors e/ou a criação de projetos integradores que podem ser alargados a toda a cadeia de produção, por forma a permitir ao aluno ter visões mais abertas dum processo de criação ou dum processo de projeto, permitir aos alunos ter alguma intervenção sobre o seu percurso académico. Eu não quero ser só Engenheiro Civil, também gostava de aprender um bocadinho sobre Cibersegurança e Biotecnologia. Portanto, alarga-me os horizontes, e depois uma componente de formação em Ciências Sociais, que nós não tínhamos aqui muito alargada, e que agora aparece de forma explícita, promovendo entre os alunos a ida a outras faculdades, ouvir outras pessoas, outras culturas, outros professores, outra linguagem. E este esforço que foi feito foi no sentido de abrir o espetro formativo, que é sempre uma vantagem competitiva para as pessoas no mercado de trabalho, quando saem da sua universidade, da sua faculdade, neste caso. 

Joana: Como sabe, tem havido muita controvérsia: muitos professores e alunos têm-se queixado do novo modelo de ensino. E queríamos saber se no início, quando o criaram, também houve alguma controvérsia e alguma discórdia ou se foi unânime.

Presidente Rogério: Primeiro, a cultura do Técnico é uma cultura em que se promove o espírito crítico, a controvérsia e as opiniões livres, e portanto o Técnico é uma casa grande, tem muitas pessoas, e como vive numa cultura de espírito crítico e de opinião livre, e é assim que deve ser e faz a força da nossa casa, dizia eu, acho que é normal haver pessoas que gostam mais, outras que gostam menos, outras que criticam mais, portanto, isso é a nossa maneira de ser no Técnico. Uma vez, um painel de avaliação da A3ES veio aqui avaliar um curso de que já não me lembro, dizia-me no final, na última reunião, precisamente isso. ‘Nós já fomos a várias faculdades avaliar o curso’ não me lembro de quê, talvez de Engenharia Civil, não tenho a certeza. ‘E há uma coisa que é completamente diferente no Técnico. É que os alunos e professores no Técnico ou amam ou detestam.’ Isto é o pior do mundo ou o melhor do mundo, quer dizer, não há uma coisa no meio. Ou é péssimo ou é bestial. Isso faz parte da nossa cultura, é mesmo assim. 

Isto para vos dizer que durante a elaboração do MEPP, eu não sei se levou um ano, ou um ano e meio, ou quase dois, foi discutido muitas vezes, em vários órgãos da escola e no Conselho Científico, no Conselho Pedagógico, em todo o lado. No Conselho de Escola, no Conselho de Gestão houve várias reuniões sobre isso e de facto, é uma reestruturação polémica porque é uma reestruturação profunda e é sempre mais fácil deixar como está do que fazer uma reestruturação profunda e tentar mudar as coisas. Sendo polémico, não foi, de forma nenhuma, e é importante realçar isso, um documento ou uma reestruturação contestada, pelo contrário. 

Houve uma mudança de órgãos da escola em vários períodos do MEPP. Portanto, por exemplo, o MEPP é iniciado com um presidente e é implementado agora com outro. Muda o Conselho de Escola, muda o Conselho de Gestão, muda o Conselho Pedagógico e o Conselho Científico […] Todos os órgãos são diferentes pessoas, estão a ver? Esta mudança envolve quase todos os professores da escola, e alunos no Conselho Pedagógico e na Assembleia de Escola, e portanto, tirando as críticas que sempre há, devemos, se calhar, fazer melhor assim, ou fazer assado. Todos os órgãos, ao longo deste período alargado, que já vai quase em quatro anos, independentemente de todas as críticas e discussão e da maneira profunda com que isto foi olhado durante todo este tempo, todos estes órgãos […] concordaram de facto: isto é uma coisa que é importantíssima para o Técnico, para os seus alunos, para os seus professores, e que, mais do que isso, coloca mais uma vez o Técnico aqui, digamos, na linha da frente daquilo que é a formação em Engenharia no nosso país. 

Portanto, neste momento, este tipo de formação em Engenharia, que é muito semelhante às melhores práticas internacionais, que nós temos, com flexibilidade, com as Minors, com a componente de formação social, com a componente em Artes, Humanidades e Ciências Sociais, com a componente de projetos integradores, é o que se faz nas escolas de topo a nível mundial, nas escolas de Engenharia. O Técnico é a primeira Escola a tentar implementar um modelo destes, numa altura bastante difícil, com este período pandémico que nós vivemos, que traz aqui desafios acrescidos, com um financiamento que é bastante inferior à maioria, a todas, não é a maioria, das escolas internacionais a que nós fomos fazer o nosso benchmark. É um desafio que coloca mais uma vez o Técnico a puxar na linha da frente daquilo que é a formação em Engenharia, em Ciência e Tecnologia no nosso país. Portanto, acho que a escola, de uma forma geral, tem motivos para estar orgulhosa, toda a escola, os alunos, os professores, todos, daquilo que se está a fazer. E agora vamos melhorar as coisas, corrigir as coisas. Basicamente, é isso.

Tomás: O novo modelo de ensino teve em conta o modo como nós funcionamos, como a nossa mente funciona? Por exemplo, sabemos que a nossa aprendizagem é otimizada se for realizada em períodos espaçados, e no entanto, neste momento, temos aulas de duas horas. 

Presidente Rogério: Quando começou esta situação pandémica em março de 2020, em março e abril e depois nos meses seguintes, eu fui confrontado e vocês com certeza viram na comunicação social. Muita gente a fazer a certidão de óbito do ensino presencial. E eu na altura dei uma entrevista ao Público, salvo erro, e, de facto, vi tanta agitação que disse que achava que ainda era muito cedo para a gente declarar o óbito do ensino presencial e para a declaração “tudo vai mudar”. Bem, e este semestre, este que a gente viveu agora, desde setembro até agora, mostra bem isso. Nós temos estado confinados. Ensino à distância, depois regime misto, depois tivemos um bocadinho presencial e depois em fevereiro deste ano confinámos todos outra vez. Depois abrimos um bocadinho, mas pouco. Estivemos só com as aulas de laboratório no 2º semestre de 20/21 e agora, neste semestre, neste primeiro semestre de 21/22 iniciámos com o funcionamento normal do Técnico. E o que é que eu vi? Vi as aulas cheias de alunos, vi as pessoas todas a regressarem ao campus, etc. E o que é que eu quero dizer com isto? E o que é que isso tem a ver com a pergunta que tu fizeste? O que tem a ver com isto é que eu não acredito que haja mudanças naquilo que é a formação superior e na formação específica como é a formação em Ciências, Engenharia e Tecnologia que nós damos aqui no Técnico de forma muito abrupta. A transmissão de conhecimento acontece essencialmente da mesma maneira há dois mil anos entre os seres humanos. Há uma pessoa da mesma geração mas um bocadinho mais velha, que tem um bocadinho mais de experiência, que aos seus colegas mais novos passa a sua experiência e envia a sua formação. e isso é feito com contacto direto entre as pessoas, o nosso cérebro funciona assim. 

Há experiências, agora, bastante radicais em termos de formação, nomeadamente na formação em áreas de Engenharia, ou em áreas de ICT, por exemplo. Um exemplo muito interessante é o da Escola 42, que começou este ano. Aqui, em Portugal, é uma escola que forma profissionais de Informática perto do Técnico, ali em baixo, em que não existem professores, a formação é gamificada, é formação por gamificação. Portanto, os alunos têm desafios, cada vez mais difíceis, e ao fim de três anos, quando completam, não sei, o desafio número tantos atingem o seu patamar de formação. Portanto, eu devo dizer que não conheço o suficiente estas novas teorias sobre a formação para dizer se elas são boas ou se são más ou se são melhores, ou se são piores. O que eu conheço é a realidade que este, sobretudo este tempo que nós vivemos agora nos mostrou. 

Eu sou um experimentalista. Apesar de nós termos tido capacidade e possibilidade de ensinarmos à distância, quando podemos não ensinar, porque precisamos do presencial, voltamos todos ao presencial. E, portanto, o MEPP, a implementação do MEPP e deste modelo de ensino não foi uma coisa muito disruptiva, foi uma coisa baseada em transmissão de proximidade e presencial, mãos na massa, que é o modelo de formação do Técnico, com os estudantes nos laboratórios, nos computadores, a fazer o seu trabalho em conjunto com os seus professores, com os seus orientadores. Esse é o modelo de formação do Técnico. 

O que tentámos fazer, como eu disse, foi reduzir um bocadinho […] o número de alunos em aulas expositivas, tê-los mais próximos. Depois, o tempo, o tempo… Eu sei que a redução do tempo de assimilação da matéria pode ser um desafio. Disso há literatura, bastante, sobre isso, mesmo sobretudo porque este tipo de modelo de funcionamento com períodos mais apertados foi amplamente testado nos anos 80 e 90, sobretudo nas universidades americanas da costa oeste. Ainda funciona lá, na COA** e na Universidade da Califórnia em San Diego, funciona exatamente como nós funcionamos, tem algumas vantagens e algumas desvantagens, e há alunos que reagem melhor a isso e outros que reagem um bocadinho pior, e portanto, respondendo concretamente, há alunos que preferem estar expostos a menos cadeiras de forma mais intensa, há outros que têm, digamos, curvas de aprendizagem mais suaves, precisam de mais tempo. Há formações, também, que permitem mais ou menos fazer isso. Aprender a trabalhar com uma máquina, a gente pode encurtar o tempo. O conceito de derivada [demora] um bocadinho mais tempo a interiorizar. Portanto, o que é que nós estamos a fazer? Eu volto outra vez à resposta à primeira pergunta. Estamos aqui a ver como é que os estudantes do Técnico reagem ao modelo de ensino. Temos aulas, muito tempo de aulas, duas ou três horas como tu dizias, isso é excessivo e vamos tentar melhorar isso nos horários do próximo ano. Isto assim está mau, vamos tentar encurtar. É a fase em que estamos, é a fase em que estamos.

Joana: Então mas essa questão mesmo das aulas de duas horas, teóricas, pretendem mudar, encurtar as aulas?

Presidente Rogério: Vocês estão a levantar-me uma questão que eu não conheço exatamente.

Joana: As nossas aulas, algumas delas, as teóricas, tornaram-se mais longas. E, por exemplo, não sei se conhece um programa que é o Descobridores, da SIC. Foi lá falar um investigador, o Rui Costa. É um investigador que está muito ligado às questões do cérebro, e ele disse que está mesmo provado que o conhecimento é mais facilmente absorvido se for em períodos espaçados.

Presidente Rogério: Finalmente percebi bem a vossa pergunta. Não vi o Rui Costa a dizer isso, não. De facto devo dizer que nos horários […] do MEPP não foi tido em conta, pelo menos tanto quanto é do meu conhecimento, essa teoria, portanto é a resposta à vossa pergunta. Eu pensava que vocês estavam a falar do espaçamento no tempo, ou seja, levar 14 semanas a aprender Cálculo Diferencial, ou sete. Essa é a minha resposta anterior. 

Joana: Nós recebemos alguns comentários no Instagram sobre as aulas de duas horas serem muito pesadas e, inclusive, algumas pessoas terem duas mais duas seguidas, está a ver?

Presidente Rogério: Sim, mas essa questão das aulas teóricas, há aulas de duas horas e até, eu penso, há alguns horários ou alguns cursos que têm aulas de três horas […]. E eu, de facto, também concordo que isso é longo, portanto temos de ver o que conseguimos corrigir nos horários. Essa queixa, essa queixa ou essa nota já me tinha chegado, mas eu não estava a associar às novas teorias do cérebro. Mas estou de acordo com isso, portanto, de facto, se for muito pesado e se não for eficiente, temos de mudar um bocadinho e temos de tornar as aulas mais curtas. […] Mesmo porque uma aula de três horas é um exercício bastante violento para o professor. A partir de uma hora e meia, vá, duas horas, depende, um professor começa a perder a capacidade de foco e discernimento na última parte da aula. Mas, se há essas situações, temos de corrigir. Portanto, e aí aquilo que eu diria aos estudantes e aos delegados de curso é mandarem essas sugestões para o Conselho Pedagógico ou reencaminhar para o Conselho Pedagógico. Isso é uma coisa que eu acho que se não está a funcionar a gente tem de corrigir e melhorar.

Tomás: Está também provado que só podemos utilizar o potencial completo do nosso cérebro em ambientes calmos. A avaliação contínua, que se traduz em testes semanais e por vezes até diários, não poderá constituir uma origem de um stress constante que reduzirá inevitavelmente a capacidade de aprendizagem dos alunos?

Presidente Rogério: Neste momento não tenho uma avaliação precisa sobre isso. Os níveis de stress, a eficácia nos processos de avaliação, a própria eficácia de aprovação das unidades curriculares está a ser avaliada. No final do 1.º semestre teremos os primeiros resultados dessa avaliação. Neste momento não tenho ainda dados para responder a isso. Percebo que possa ser. Mais preocupante que os níveis de stress (imagino que num curso superior os níveis de stress são sempre relativamente elevados) é a eficácia formativa. Se neste modelo de ensino a eficácia formativa descer tem de se perceber o que é que está a acontecer. 

    O objetivo não é aumentar o stress, é o contrário. Se isso foi um resultado da aplicação, a gente tem que ver o que é que pode corrigir. Se são os quarters que não podem ser, se precisamos de períodos mais alargados, semestres ou não, temos que ver, mas, neste momento, não temos dados ainda. Decorreu apenas um quarter, mais metade de um. Não há notas lançadas, há uma perceção, mas aqui para nós tomarmos decisões temos de ter mais do que uma perceção. Imaginem vocês que 10% dos alunos se sentem desconfortáveis com o novo modelo de ensino e se sentem stressados  e repetem as cadeiras e 90% sentem “OK, acho que isto é bestial”. Os 90% que acham que é bestial não andam a dizer que acham bestial, os 10% que não gostam é que andam a dizer. A impressão negativa tem um impacto maior do que as impressões positivas e, portanto, temos que quantificar as coisas: 90% correu bem e melhoraram as notas e 10% pioraram. Mas neste caso ainda não há dados: a gente não pode cair na armadilha. O sentimento negativo das coisas é sempre predominante face ao sentimento positivo. Por exemplo, um caso paradigmático é o das vacinas: no nosso país 90% das pessoas estão vacinadas, mas os 10% que não se querem vacinar é que são notícia no telejornal, não é os 90%, isso não tem notícia nenhuma. Então, mas eu quero ser vacinado? Quero. Não há aqui notícia. Portanto, temos que avaliar com cuidado e com dados e eles ainda não existem. Aquilo que eu vos posso dizer é que essa avaliação está a ser feita. Há três comissões a olhar para o impacto e para o funcionamento do novo modelo de ensino: uma aqui na área científica, outra do ‘Pedagógico’ e outra que foi nomeada e que trabalha diretamente comigo e que me aconselha e, portanto, vamos vendo. No primeiro semestre, o lançamento de notas vai ser o grande primeiro momento de avaliação e, depois, se tivermos aulas muito longas, o que estiver menos bem teremos que corrigir.

Joana: Foi-nos comunicado por um aluno de Engenharia Informática e de Computadores que os alunos que entram no primeiro ano em segunda fase começam o curso quando falta apenas uma semana para a entrega de um projeto e com várias fichas de avaliação em atraso. Certamente este será um problema transversal a todos os cursos. De que maneira é que o método de ensino se poderá moldar aos alunos que entram no curso em segunda fase?

Presidente Rogério: Correto, tem de ser corrigido. É uma das falhas do MEPP. Temos aqui várias possibilidades de solução, tem de ser corrigido. É um dos assuntos mais urgentes. Esse já está identificado. Os que chegam em segunda e terceira fases, os alunos em mobilidade internacional, perdem duas ou três semanas do primeiro quarter. Isso tem de ser corrigido. O Conselho Pedagógico está a pensar nisso, temos que arranjar aqui uma solução. No próximo ano já não irá acontecer.

Tomás: Com o MEPP, deixaram de existir unidades curriculares em semestre alternativo. Infelizmente, este cenário pode prejudicar alguns estudantes que não seguem o percurso universitário habitual. Qual é o motivo desta alteração? Poderão ser realizadas algumas mudanças neste âmbito? 

Presidente Rogério: A questão da retirada das unidades curriculares que funcionavam em ambos os semestres tem 2 fontes: a primeira delas é a reflexão que fez a comissão que trabalhou sobre o MEPP no sentido de, aumentando a componente de avaliação contínua, haver uma taxa de retenção menor nessas grandes unidades curriculares que funcionavam em regime semestral puro. Como tal, isso poderia reduzir a necessidade de um regime semestral puro. E a outra questão é uma questão simples de gestão de recursos humanos: aumentando a flexibilidade dos currículos, a gente não consegue fazer tudo ao mesmo tempo. O corpo docente é um conjunto fechado; se aumentarmos a flexibilidade dos currículos, criando mais ramos para os alunos escolherem, existe menor disponibilidade dos docentes para ter várias unidades transversais a funcionar nos dois semestres. Mas eu entendo esses comentários que já me fizeram chegar e eu entendo a questão da parte dos alunos, a questão dos trabalhadores-estudantes, quer dizer, eu penso que não há nenhuma posição dogmática do conselho pedagógico sobre isso. Temos de perceber como é que corre o primeiro semestre, se isso de facto impacta muitos alunos, o que acontece sobretudo nas unidades curriculares transversais que eram as que funcionavam em regime semestral puro na sua maioria, portanto, os cálculos diferenciais, os eletromagnetismos, ciência de materiais e ver se há, de facto, uma perda grande devido à alteração do regime semestral e se tem de se fazer alguma coisa ou não. Mais uma vez temos de ter dados para tomar essa decisão.

Joana:  O sistema de precedências foi igualmente eliminado. Quais as razões?

Presidente Rogério: O sistema de precedências é um travão a um plano curricular mais flexível e mais dependente da decisão do aluno, do estudante, e depois é um bocadinho retirar autonomia ao estudante. Porque é que há de ser a instituição a dizer que a cadeira A1 tem de ser feita antes da cadeira A2? O estudante, olhando para a cadeira A1 e A2 e para os seus conteúdos, decide. Eu não consigo fazer a A2 sem fazer a A1. Se conseguir, faço, se não conseguir, não faço. O sistema de precedências é assim uma espécie de infantilização dos estudantes do ensino superior. Os estudantes do Técnico são pessoas adultas e são inteligentes: eles decidem se fazem. No final, para terem o seu diploma de 1.º Ciclo, têm que as fazer todas e decidem qual é a melhor sequência a fazer. De facto, o sistema de precedências, neste momento em que nós vivemos, nos anos 20 do século XXI, é uma coisa que não se justifica muito, e isso não vai ser reposto. Esse é um “não assunto”, ao contrário dos outros.

Tomás: Infelizmente, ainda existe, nesta fase transitória entre dois modelos radicalmente diferentes de métodos pedagógicos, muita confusão. A generalidade das pessoas não sabe se as melhorias, por exemplo, continuarão a ser possíveis. Será que pode esclarecer esta questão? 

Presidente Rogério: O guia académico não foi alterado. […] As cadeiras, de facto, mudam todas, ou mudam os ECTS ou mudam os conteúdos, etc. Os estudantes tiveram equivalências das cadeiras do plano curricular anterior para este. Agora, há uma coisa que podem fazer sempre. Por exemplo, imaginem: a cadeira A1, que era do curso antigo, deu equivalência à A1’ do novo e vocês não podem fazer melhoria. Já fizeram, tiveram a Época Extraordinária, mas podem fazer uma coisa, que é recusar a equivalência e inscreverem-se na cadeira A1’ e fazem a melhoria fazendo a cadeira A1’.

A partir de agora podem fazer melhorias normalmente, aqui na transição é que há isto.

Joana: Se depois do final deste ano letivo, a opinião dos alunos for desfavorável, que medidas poderão ser tomadas? Será possível reverter o MEPP atual? Se não, poderão ser efetuadas algumas mudanças?

Presidente Rogério: Reverter o MEPP não é possível, porque o MEPP é muitas coisas, nomeadamente a implementação do 65/2018, que é um decreto-lei. Por isso, não é possível reverter. 

Agora, o que é que é possível? O que é possível é corrigir umas coisas que estão a funcionar menos bem. As aulas que são de muitas horas, o regime demasiado intensivo em algumas cadeiras… Bom, o que for, que vamos avaliar durante este ano.

Nota Final

Foi-nos deixado o desafio por parte do Presidente Rogério Colaço de, enquanto jornal dos estudantes do Instituto Superior Técnico, reunir um conjunto de questões frequentes, bem como as respetivas respostas, realizando um papel de mediação entre a comunidade estudantil e a direção da nossa faculdade, desafio ao qual acedemos e que tentaremos cumprir da forma mais diligente possível num futuro próximo, utilizando como plataforma as redes sociais do Jornal Diferencial.

*Com a expressão “avaliação em deltas de Dirac”, o Presidente Rogério faz uma analogia matemática/física para dar ênfase a quão curto era o espaço de tempo em que a avaliação antes do MEPP era realizada, o que tornava a mesma bastante intensiva para os alunos.

**College of Atlantics

Referências

[1] https://tecnico.ulisboa.pt/pt/tag/rogerio-colaco/ [Acedido pela última vez a 03/02/2022]

Um comentário

  1. Agradável referência ao Neurocientista Rui Costa:

    As propinas de Mestrado na FEUP começam em 1500Eur:
    https://sigarra.up.pt/feup/en/web_base.gera_pagina?p_pagina=propinas_valores%20de%20propinas
    Será adequado constituir um “banco do tempo” para a compensar a propina de 825Eur?
    https://bancodetempo.pt/
    Já há esta experiência de sucesso em Lisboa,
    https://www.ulisboa.pt/noticia/associacao-just-change-e-o-projeto-spot-venceram-o-premio-de-voluntariado-universitario
    esta experiência ainda mais antiga no Japão,
    https://hundred.org/en/innovations/cleaning-tradition#:~:text=In%20Japan%2C%20there%20is%20a,bathrooms%2C%20and%20other%20school%20spaces
    ou a necessidade de “Educateurs Sans Frontières”:

    https://www.youtube.com/watch?v=kzX4NyP_VF4&t=10s
    “A melhor escola do Mundo é a que ensina a aprender”.

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