O Regime Fundacional

O futuro do Técnico no 15º aniversário do RJIES

Autoria: Diogo Faustino (MEAero)

No passado dia 28 de setembro, foi aprovado (11 votos a favor, 4 contra) na generalidade o Plano Estratégico do IST 2020-2030 [1], em reunião do Conselho de Escola. No cerne da discussão esteve a transformação do Instituto Superior Técnico numa fundação pública com regime de direito privado.

Do que se trata, afinal, este Regime Fundacional?

A Fundação Pública é um dos regimes previstos no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) que já foi adotado, por exemplo, pelas Universidades do Minho, do Porto, de Aveiro, a Nova de Lisboa, pelo Instituto Politécnico do Cávado e Ave e ainda pelo ISCTE. Trata-se de um modelo de gestão da Universidade que mantém a Instituição pública enquanto permite o recurso ao direito privado, nomeadamente, na transição do regime de contrato de trabalho em funções públicas para contratos individuais de trabalho e na maior autonomia na aquisição de bens e serviços, que deixa de estar dependente da autorização do Ministério.

A figura jurídica das Fundações Públicas de Direito Privado é relativamente recente, visto que só passou a estar prevista após a aprovação do RJIES em 2007: era até então completamente desconhecida [2]. Por ser um dos maiores elefantes na sala do Ensino Superior, alvo repetido de críticas por parte dos sindicatos, partidos e do movimento associativo estudantil, contextualizarei de seguida a sua problemática implementação, começando pelo fim.

O 185.º e final artigo do RJIES é curto e tem dado que falar: “A aplicação da presente lei é objecto de avaliação cinco anos após a sua entrada em vigor.” No entanto, no 15º ano de vigoração deste regime, a sua implementação permanece sem qualquer tipo de avaliação pela tutela. Neste contexto, surge o recentemente publicado “Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (2007-2022) – Contributos para uma revisão fundamentada”, estudo encomendado pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup).

Este estudo atribui culpas ao RJIES no que diz respeito à precarização do corpo docente e dos investigadores, tal como na deslegitimação política dos órgãos, especialmente junto dos estudantes: as eleições para os órgãos são caracterizadas por elevadas abstenções (superiores a 90%) entre os estudantes do Ensino Superior. Estes valores de abstenção verificaram-se novamente nas últimas Eleições dos Representantes dos Estudantes no Técnico (14 e 15 de dezembro de 2022), em que se registaram 900 votos válidos em mais de 10000 estudantes presentes nos cadernos eleitorais. Porquê?

Logo à partida, a mercantilização do ensino superior foi um dos fatores que levou a que se instalasse um sentimento na massa estudantil de que não passam de clientes: uma larga maioria dos estudantes não sente interesse nem tem disponibilidade para participar ativamente na vida política das instituições. Sobretudo quando se tratam de decisões que não os afetarão diretamente mas à próxima geração de recém chegados ao Ensino Superior. Isto representa a quebra total da noção de comunidade e solidariedade estudantil, reinando a atitude de “cada um por si”.

Para além disto, o RJIES, que foi proposto no governo de José Sócrates por Mariano Gago, o antigo dirigente estudantil da AEIST e, mais tarde, professor catedrático do Técnico, avançou pela primeira vez com o término da paridade entre docentes e estudantes [3] nos órgãos de governo das instituições, conquistada após o 25 de Abril.

A redução da participação dos estudantes e dos funcionários não docentes nos órgãos de gestão das Instituições de Ensino Superior parece dar a entender que os interesses por detrás do regime não são compatíveis com uma gestão democrática com a participação de todos os elementos do Ensino Superior.

O racional por detrás desta rutura do papel dos estudantes na gestão das suas instituições baseou-se na alegada falta de responsabilidade dos estudantes, que “bloqueavam” o funcionamento dos órgãos. Alegou-se que os estudantes eram frequentemente instrumentalizados e usavam a sua representação para gerar conflitos [4].

No seguimento destas problemáticas, surge, claro, o tema motivador do presente artigo. João Caraça relembra as restrições do financiamento público do ensino superior, que, aliadas à “hegemonia da visão mercantilista neoliberal de que a educação é um mercado” [5] (que está claramente presente no RJIES), levaram à progressiva privatização do setor.

A passagem para regime fundacional vem, então, compreendida no Plano Estratégico elaborado pelo Conselho de Gestão do Instituto Superior Técnico, apesar de Rogério Colaço ter admitido em ata de Conselho de Escola que esta transição nunca aconteceria até ao final do seu mandato atual. Entendida como fundamental para a resolução de muitos dos “pain points” (ou problemas fundamentais) do IST, o Conselho de Gestão defende esta transição como facilitadora duma evolução ágil e autónoma do Técnico como uma faculdade de topo a nível europeu e até mundial.

Esta análise aparentemente bonacheirona não passou, ainda assim, incólume nem ao escrúpulo da comunidade [6] nem ao dos conselheiros de escola [7]. 

O ex-secretário de Estado de José Mariano Gago e ex-Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, não deixou de antagonizar a visão apresentada (apresentando uma ainda pior). O seu contributo (cuja leitura recomendo) contém, claro, aspetos estratégicos muito valiosos e pertinentes: a sua experiência, naturalmente, impõe que assim seja. Contudo, acaba por se colocar do lado da adoção do regime fundacional, sugere a saída da Universidade de Lisboa e tem ainda uma tirada de difícil interpretação, onde parece defender que o papel do Técnico enquanto elevador social deve deixar de ser feito ao nível das licenciaturas: é que isso já é feito por outras instituições, sobretudo pelos Politécnicos.

Nada temam, os contributos dos restantes membros da comunidade e docentes do Técnico vêm mais ao encontro das reivindicações da comunidade. Na sua oposição ao plano estratégico, optou-se por realçar o papel do IST enquanto ferramenta de emancipação socioeconómica dos estudantes, sublinharam-se as sérias dúvidas quanto à flexibilização da contratação (que inevitavelmente derrapará para a precarização da classe docente e investigadora); critica-se ainda a redução da estratégia do IST a um mero exercício empresarial, onde a escola de perfil humanista e o valor social do Técnico parecem estar desaparecidos.

O que podemos fazer enquanto estudantes? Terminada a fase de consulta pública, e sabendo que apenas contamos com 2 representantes em 15 conselheiros de escola, a nossa perspetiva parece ser bastante limitada. Podemos contar com a resistência dos docentes e seus representantes, que mantenham e reforcem as bandeiras já hasteadas; podemos esperar pela mobilização para as eleições dos órgãos de gestão, de forma a que se quebre com a lista única que se apresenta aos destinos do IST há duas décadas: uma decisão destas tem que ser decidida em eleição, de preferência com contraditório. Podemos ser ouvidos nas Jornadas da Assembleia de Escola e nas Assembleias Gerais de Alunos.

Esta é provavelmente uma das tomadas de posição no Técnico mais importantes desde o virar do milénio. É importante que estejamos presentes.

Referências:

[1] – https://bb8.tecnico.ulisboa.pt/api/v1/download-watermark-pdf/plano-estrategico-IST-Consulta-Publica.pdf (é necessário aceder com as credenciais do IST) – trata-se de uma versão mais curta (67 slides) do que a votada em Conselho de Escola (164 slides), como revelado na declaração de voto do conselheiro João Paulo Leal.

[2] – https://www.esquerda.net/dossier/socrates-e-o-ensino-superior-historia-de-uma-cruzada-por-teresa-alpuim/17504 

[3] – https://www.apesp.pt/xms/files/Legislacao/L_108_1988.pdf (artigo 17º)

[4] – https://www.snesup.pt/wp-content/uploads/2022/12/RJIES_2007_2022_contributos_para_uma_revisao_fundamentada.pdf (página 101-102)

[5] – https://www.uc.pt/governo/cons_geral/docs_aprovados_eventos/balanco_ciclo_conferencias_RJIES 

[6] – https://conselhodeescola.tecnico.ulisboa.pt/consulta-publica-pe-2020-2030/ 

[7] – https://conselhodeescola.tecnico.ulisboa.pt/atas-das-reunioes/ (é necessário aceder com as credenciais do IST)

Leituras recomendadas

A UMinho é uma Fundação. Sete respostas para a discussão que aí vem 

Regime Fundacional: o que ficou por dizer 

Reitor da UC assume posição contra Regime Fundacional 

Entidades da UC dizem não ao Regime Fundacional

Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (2007-2022) – SINDICATO NACIONAL DO ENSINO SUPERIOR Contributos para uma revisão fundamentada

5 comentários

  1. Já conhecemos em Out/2020 a esta “Pedagogia Valsassina da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior”:
    https://expresso.pt/politica/2020-10-11-Ministro-do-Ensino-Superior-infetado-com-covid-19.-Costa-e-todos-os-ministros-testados–falta-conhecer-dois-resultados–deram-negativo
    Um mês depois, foi ainda esta a lição de “biossegurança”:

    Ano Novo, temos de agradecer todos os contributos.

    Há diferentes formas de “Ensino Superior” e Fundações que o promovem:
    https://www.ffms.pt/pt-pt/livraria/universidade-como-deve-ser
    https://gulbenkian.pt/fundacao/organizacao/conselho-administracao/antonio-m-feijo/
    https://gulbenkian.pt/fundacao/organizacao/conselho-administracao/antonio-cruz-serra/
    e neste desfecho,
    https://www.rtp.pt/noticias/pais/ativistas-ambientais-da-faculdade-de-letras-condenados-pelo-tribunal_v1454322
    reconheço um co-autor.

    A Alma Mater tem um grande Professor

    que promove estes Objetivos,
    https://sdgs.un.org/goals
    depois de ter deixado este Protótipo:
    https://istpress.tecnico.ulisboa.pt/produto/seminarios-desenvolvimento-sustentavel-inovacao/

    Esta Fundação tem o nome do “Pai dos Pobres”,
    https://portal.fgv.br/
    mas continuo a defender a educação integral, desde o nascimento,
    https://montessori-esf.org/esf-initiatives
    para melhor servir “De Lisboa para o Mundo”:
    https://unu.edu/

    “Com Paixão pela Educação”, “Ordem e Progresso”, “Jorge Sampaio Sempre”.

  2. No TagusPark há espaço para uma Escola Internacional?
    https://www.isturin.it/
    Esta técnica de construção é espartana,
    https://classroomofhope.org/block-schools/
    https://www.block-solutions.com/faq
    podendo servir como caso de estudo para a
    https://fundacaobelmirodeazevedo.pt/

    Há mais alguém interessado em nova Fusão de Universidades?
    https://tecnico.ulisboa.pt/pt/noticias/campus-e-comunidade/professor-antonio-cruz-serra-condecorado-pelo-presidente-da-republica/

  3. Poderemos convidar o representante da Universidade de Lisboa
    https://www.ulisboa.pt/sites/ulisboa.pt/files/public/bolseiros_vao_pagar_78_euros_por_cama_no_edificio_do_antigo_ministerio.pdf
    para conhecer (tb.) o projetista e o estado do Edifício? Como local de estágio para alguns candidatos nas especialidades de Construção?
    Convém proteger algum vidro do R/C, com uma reprodução em vinil da Notícia. Melhor cenário do que o Saldanha, para fazer cobertura mediática. Convidando a jornalista Ana Petronilho e colegas que a reproduziram.
    Deve ser pedido apoio à UEFA, no contexto do “futebol escolar”?
    https://www.tsf.pt/desporto/uefa-ja-tem-relatorio-de-brandao-rodrigues-sobre-problemas-na-final-da-champions-de-2022-15834134.html

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