QUC’s de LEFT: O que correu mal, o que correu bem

Autoria: Ângela Rodrigues (LEFT)

Podemos identificar facilmente os docentes de excelência, pois as suas informações estarão visíveis, por exemplo, num ecrã no pavilhão do respetivo departamento. No entanto, para saber mais sobre os docentes com avaliações menos favoráveis, precisamos de fazer uma pesquisa mais profunda. Consultando os resultados do segundo semestre do ano letivo 2021-2022, 78,5% do corpo docente obteve avaliações positivas, sendo classificado como Muito Bom (44,4%) ou Excelente (34,1%). No caso dos restantes 21,5%, 20,5%  correspondem a um desempenho Regular, enquanto apenas 1% foi classificado como A Melhorar ou Inadequado.

Os inquéritos QUC

No final de cada semestre, a história repete-se: mal abrimos o Fénix temos o anúncio da necessidade de preenchimento dos inquéritos de Qualidade das Unidades Curriculares (QUCs). Avaliamos as UC’s, avaliamos os professores, mas o que é feito com os resultados? O que é feito às cadeiras com piores taxas de aprovação ou cuja docência tenha uma má avaliação? Que critérios são usados na definição da qualidade?

Tendo em conta o regulamento do sistema QUC, as respostas são dadas de 1 (discordo totalmente) a 9 (concordo totalmente). Para uma UC ter um funcionamento inadequado, em termos de docência, é necessário que a média das medianas das perguntas dos grupos 6, 7 e 8 (Proveito da aprendizagem presencial; Capacidade pedagógica; Interação com os alunos) seja inferior ou igual a três. É efetuada a média de todos os professores da cadeira e associando os resultados relativos à organização e avaliação, é obtido o resultado da UC. No entanto, com o critério utilizado para classificar a cadeira, é muito difícil que uma cadeira seja considerada inadequada, pois basta que a taxa de aprovação seja superior a 50% e a organização seja considerada “a melhorar”, mesmo que a média dos docentes seja inadequada, para a UC ser avaliada como tendo um desempenho “a melhorar”. O critério é absurdo ao ponto de, se a taxa de aprovação da UC for de 23%, a organização for considerada “a melhorar” e existirem dois docentes, em que um obteve uma classificação de 2.88 e o outro 6.25, a UC pode ser avaliada como “a melhorar”.

Analisando algumas perguntas do questionário, por muito problemática que a cadeira seja, é difícil atribuir classificações baixas a perguntas como “A bibliografia sugerida foi adequada” ou “O programa leccionado foi o previsto”. Sim, o programa foi todo lecionado, mas o que antes era lecionado em 14 semanas foi lecionado em 7. 

Existem ainda aquelas perguntas em que é complicado responder de forma quantitativa ou pelo menos é difícil fazer a distinção entre diferentes classificações, em que acabamos por inconscientemente atribuir um valor entre os 6-8. Como aluna, considero especialmente difícil responder à secção “A UC contribuiu para a aquisição e/ou desenvolvimento das competências” porque não consigo fazer uma distinção tão clara do que corresponde a um 6 ou qual a diferença entre um 6 ou um 7, por exemplo.

Análise de Resultados 

Analisando concretamente os QUC da Licenciatura em Engenharia Física Tecnológica no 1º semestre do ano letivo 2022-2023, duas das cadeiras com piores resultados (em termos de QUC, não de aprovação) são Fundamentos da Programação e Eletrodinâmica Clássica.

Fundamentos da Programação

Os resultados gerais indicam uma carga horária e docência regulares, organização e avaliação inadequadas, estando a UC sujeita a auditoria. Relativamente à organização, os questionados consideraram que, apesar do programa previsto ter sido lecionado, a UC não estava bem estruturada, nem os materiais de apoio disponíveis foram adequados. Quanto à avaliação, apesar da taxa de aprovação ser de 76%, para os inquiridos, o método de avaliação não foi adequado (mediana 3.5) nem foi justo (mediana 3). É importante ressalvar que apenas 3% dos inscritos reprovou, os restantes 21% não foram avaliados, o que pode estar relacionado com a organização da UC ou mesmo com a docência.O caso da docência é peculiar, pois um dos professores dos laboratórios obteve uma classificação excelente, enquanto o professor das teóricas foi avaliado com 4.25, sendo em todos os parâmetros avaliados com Inadequado.

O problema começa logo quando a frequência às teóricas registada pelos alunos é baixa, apresentando uma mediana de 2, e 87% de quem reportou assiduidade baixa atribuiu-a ao docente.

O docente foi assíduo e pontual às atividades letivas e demonstrou segurança na exposição (medianas 9 e 7, respetivamente), mas estes foram os únicos pontos apresentados como positivos. Os estudantes consideraram que o docente se mostrou razoavelmente empenhado e aberto para o esclarecimento de dúvidas (mediana 4), mas os conteúdos não foram expostos de forma clara, nem atrativa, a participação não foi estimulada e o ritmo das aulas não foi adequado.

No ano letivo 2021-2022, Fundamentos da Programação foi lecionada pelo mesmo docente, mas a avaliação, tanto da UC como do docente das teóricas, foi algo diferente.

Todos os parâmetros estão regulares, inclusive os considerados inadequados em 2022-2023. Analisando a organização da UC, esta estava bem estruturada e os materiais de apoio disponíveis foram adequados, o que representa um grande contraste quando comparado com os resultados do ano letivo seguinte. 

Quanto à avaliação, a taxa de aprovação foi ligeiramente superior (79%). Também neste campo os resultados se apresentam bastante positivos.

Já o docente que em 2022-2023 apresenta uma classificação de 4.25, no ano letivo anterior é avaliado com 7.25. Apesar da assiduidade dos alunos não ser elevada, apenas 56% dos 9 alunos que reportaram baixa assiduidades o atribuíram ao docente, o que não é comparável com os 87% reportados no ano letivo seguinte. Os aspetos menos positivos já estavam associados à exposição de conteúdos de uma forma clara e atrativa, mas mesmo assim a sua avaliação é de 6 e 5, nada comparável com as medianas de 3 e 2.

Sendo o conteúdo programático e o docente os mesmos, o que é que se passou para existir esta discrepância de um ano para o outro? É importante notar que no presente ano letivo, o docente não irá lecionar esta UC.

Eletrodinâmica Clássica

Os resultados gerais da UC, indicam carga de trabalho e avaliação regulares, mas docência a melhorar e organização inadequada. A UC está assim “Em observação”. Os resultados do acompanhamento da cadeira ao longo do semestre mostram que os ECTS estimados rondam os 4.70, o que é claramente uma melhoria quando comparado com os anos letivos 2018-2019, 2019-2020 e 2020-2021 (pré implementação do Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas, MEPP), em que a carga de trabalho estimada era superior a 8 ECTS.

O método de avaliação foi considerado justo e adequado e 81% dos inscritos obteve aprovação à cadeira, o que também representa uma clara melhoria quando comparado com os anos letivos anteriores já referidos, em que as taxas de aprovação foram 46%, 50% e 63%. 

Quanto à organização da UC, os questionados consideraram que a bibliografia sugerida foi suficientemente adequada, mas que o programa previsto não foi lecionado (mediana 3.5), que a UC não estava bem estruturada e que os materiais de apoio não foram adequados (mediana 3). 

Relativamente ao corpo docente, o das teórico-práticas foi avaliado com Muito Bom, já o das teóricas com Inadequado. À semelhança de Fundamentos da Programação, a frequência às teóricas registada pelos alunos é baixa, apresentando uma mediana de 2, e 93% de quem reportou assiduidade baixa atribuiu-a ao docente.

O docente foi assíduo e pontual às atividades letivas e até mostrou alguma abertura para o esclarecimento de dúvidas, mas estes foram os únicos pontos considerados positivos. Os estudantes consideraram que o docente não se mostrou empenhado (mediana 3), que os conteúdos foram expostos de forma muito pouco clara e atrativa (mediana 1). O docente não mostrou segurança na exposição, nem estimulou a participação (mediana 2). Estas avaliações culminam num resultado global de 2.94.

No ano letivo 2021-2022, Eletrodinâmica Clássica foi lecionada pelo mesmo docente e, ao contrário de Fundamentos da Programação, a cadeira já apresentava os mesmos problemas a nível da organização e da docência, sendo que também já se encontrava em observação. Um dado curioso está na taxa de aprovação, que correspondeu a 64%, mas a taxa de reprovação correspondeu apenas a 6%, ou seja, 30% dos inscritos não foram avaliados, o que pode estar relacionado com a fraca organização da UC ou mesmo com a docência.

Apesar dos resultados obtidos pelo docente serem fracos, são ligeiramente melhores do que os de 2022-2023. A frequência às teóricas registada pelos alunos foi baixa e o docente já era considerado como motivo desta baixa assiduidade para 91%. Já existiam graves problemas na exposição clara e atrativa dos conteúdos (medianas 2 e 1) e na segurança com que esta exposição era feita (mediana 3). Estas avaliações resultaram numa avaliação global de 4.

Se em 2021-2022 já existiam problemas com a organização e a docência, porque é que o docente foi mantido sem intervenção nem auditoria em 2022-2023?

Comparação com o pré-MEPP – O caso (dramático) de Mecânica Quântica I

Fazendo uma análise rápida dos resultados antes da implementação do MEPP, algumas cadeiras do antigo Mestrado Integrado em Engenharia Física Tecnológica apresentavam uma carga de trabalho estimada superior à prevista em 1.5 ou mais ECTS. Neste momento, a carga de trabalho destas cadeiras encontra-se mais regularizada, o que, aliado a mudanças de docentes e à implementação do MEPP, contribuiu para o aumento das taxas de aprovação. Um exemplo destes é Física Estatística, cuja taxa de aprovação passou de 44% (2019-2020) e 62% (2020-2021) para 78% (2021-2022) e 85% (2022-2023).

No caso de Mecânica Quântica I, a carga de trabalho estimada era muito superior aos 6 ECTS a que deveria corresponder. Nos anos letivos 2018-2019, 2019-2020 e 2020-2021, o número de estimado de ECTS correspondeu respetivamente a 11.33, 9.69 e 7.82 ECTS.

Apesar da carga de trabalho excessiva, a UC foi sempre avaliada como Regular em termos de organização, avaliação e docência, com excelentes resultados em todos os parâmetros. Nestes 3 anos letivos, os estudantes consideraram sempre que o programa previsto foi cumprido e que a UC estava bem estruturada (mediana 9). Ainda na categoria “Organização da UC”, os materiais de apoio, tal como a bibliografia, foram considerados bastante adequados, sendo que as medianas variaram entre 8 e 9 ao longo dos 3 anos letivos. Se a cadeira foi considerada muito bem organizada, como é que se explica esta carga de trabalho excessiva? 

Quanto à docência, nos anos letivos 2018-2019 e 2019-2020 o docente das aulas teóricas obteve um resultado excelente (9) e em 2020-2021 obteve 8.88, pelo que perante estes resultados, também não é possível motivar a carga de trabalho excessiva com a “falta de qualidade” do docente. Mais uma vez fica a pergunta: Como é possível explicar esta carga de trabalho?

Com a implementação do MEPP, apesar dos seus excelentes resultados, o docente mudou e os resultados disponíveis mais recentes (2021-2022) indicam que a relação acompanhamento da UC ao longo do semestre/carga de trabalho da UC melhorou, apesar de ainda se encontrar ligeiramente acima do previsto.

A taxa de aprovação também melhorou substancialmente, passando de 61% (2018-2019), 52% (2019-2020), 53% (2020-2021) para 79%.

Perante estes resultados, fica claro que a avaliação da Qualidade das Unidades Curriculares é um aspeto fundamental para garantir um ensino de qualidade. No entanto, é importante reconhecer que os resultados nem sempre capturam a totalidade da realidade do processo educacional e de aprendizagem. Isso leva-nos a questionar se estamos a responder às perguntas certas durante o processo de avaliação. Talvez seja o momento de rever os critérios e parâmetros de avaliação dos QUCs.

Referências:

[1] Qualidade das Unidades Curriculares – Resultados Inquéritos; 2º Semestre – 2021/2022

[2] Subsistema para a garantia da qualidade das Unidades Curriculares do IST: QUC

[3] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Fundamentos da Programação – Docente: Pedro Manuel Guerra e Silva Reis dos Santos; 1º Semestre – 2022/2023

[4] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Fundamentos da Programação – Resultados Gerais da UC; 1º Semestre – 2021/2022

[5] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Fundamentos da Programação – Docente: Pedro Manuel Guerra e Silva Reis dos Santos; 1º Semestre – 2021/2022

[6] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Electrodinâmica Clássica – Resultados Gerais da UC; 1º Semestre – 2021/2022

[7] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Electrodinâmica Clássica – Resultados Gerais da UC; 1º Semestre – 2019/2020

[8] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Electrodinâmica Clássica – Resultados Gerais da UC; 1º Semestre – 2020/2021

[9] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Electrodinâmica Clássica – Docente: Ivo De Medeiros Varzielas; 1º Semestre – 2021/2022

[10] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Electrodinâmica Clássica – Docente: Ivo De Medeiros Varzielas; 1º Semestre – 2022/2023

[11] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Física Estatística – Resultados Gerais da UC; 2º Semestre – 2019/2020

[12] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Física Estatística – Resultados Gerais da UC; 2º Semestre – 2020/2021

[13] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Física Estatística – Resultados Gerais da UC; 1º Semestre – 2021/2022

[14] QUC – Resultados dos Inquéritos aos Alunos: Física Estatística – Resultados Gerais da UC; 1º Semestre – 2022/2023

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