Autoria: Tomás Faria (LEMec)
25 de abril, dia da liberdade e da revolução pacífica. A poética revolução dos cravos que coincide até com o dia da libertação italiana de Mussolini. Não sei muito sobre isso, só que é hoje também. Irmãos mediterrâneos da liberdade.
O que me traz aqui especificamente é que desde pequeno que experiencio este feriado nacional, símbolo de um povo pacífico e de esperança, de tempos melhores, de maneira diferente dos meus contemporâneos.
Como acontece com muitos, a minha família é conservadora e religiosa com a presença eterna de uma forte figura masculina na sua base. No meu caso, do lado da minha mãe, esta figura foi e vai sempre ser, mesmo que não o pareça, o meu avô. Um homem respeitado por familiares, amigos e colegas. Um homem honrado como fui ensinado que se deve ser.
Tive a felicidade de o conhecer o suficiente para me marcar profundamente. Partilhávamos o dia de aniversário e o gosto por carros, ainda que este último já não em simultâneo, já que o perdi com apenas 3 anos.
O meu avô Nuno faleceu no dia 25 de abril antes de eu saber o que era falecer, ou um cravo. Nessa altura, só sabia que gostava de sapos, de dinossauros, da minha família e de me sentar ao colo do meu avô. É estranho ter saudades de algo tão distante como há 20 anos atrás.
O meu avô tinha várias fábricas antes do 25 de abril de 1974, nas quais, ao contrário de muitos, tratava os seus trabalhadores com respeito. Sei-o porque, para além de me contarem, todos os anos ao ir à missa relembrar a sua memória, vejo muitos outros a fazer o mesmo. Pessoas de um passado longínquo que mantém a admiração por uma pessoa tão grande.
Mas nesse fatídico dia nem todos foram tão pacíficos. Nesse dia quase perdi o meu avô antes de ter a sorte de o conhecer. Várias fábricas e propriedades foram tomadas por operários e apoiantes extremistas do comunismo. Tempos assustadores foram vividos por esse lado da família, muito antes dos meus pais se conhecerem.
Então, com tudo isto, ficou manchado de negro e cinzento um dia vermelho de flor e verde de esperança. Um dia que era celebrado por todo o país e, ao longo da minha vida, por todos os que conhecia. Mas nunca pelos que me criaram, que ainda hoje sentem pairar no ar uma névoa de dor neste dia solarengo de quase verão.
Sempre me senti dividido por isto mesmo. Um conflito interior impossível de resolver que inspirou muitas opiniões duvidosas na minha já agitada adolescência. Desde sempre que não sabia para onde me virar porque achava que tinha que escolher um lado: Ou desdenhava o feriado e era chamado de fascista, ainda que pelas razões erradas, ou o celebrava e era julgado pela família.
Contudo, hoje é um dia feliz para mim. Não porque já não tenho saudades do meu avô, nem porque finalmente escolhi um lado, mas porque nenhuma dessas coisas é verdade.
Hoje é um dia feliz porque finalmente percebi que não tenho que o fazer. Ninguém me pode tirar o direito de lamentar o sofrimento que este dia causou à minha família há tantos anos atrás e todos os dias desde que ele faleceu, assim como nem eu, nem ninguém, tem o direito de pôr em causa um símbolo lindo da força do ser humano. Uma força que não é física nem bélica, mas uma força de alma: de mostrar que o injusto não precisa de perdurar e que todos merecemos os direitos fundamentais do ser humano.
Este é um dia que deve ser relembrado como os primeiros raios de sol após uma tempestade. Não há garantias que deixe de haver vento e/ou aguaceiros, mas (porque há sempre um “mas”) não há granizo, nem cheias, nem ventos que levantam telhados e destroem colheitas. Não é perigoso sair à rua, graças a este dia há 49 anos, e essa mudança merece ser celebrada. Que acabe um dia toda a opressão e possamos viver em paz.
Descansa em paz Avô Nuno, espero que estejas orgulhoso de mim.
Um beijinho do Saparrola.