Nós e a pandemia

Autoria: Inês Xavier, MEBiom (IST)


Dia 11 de Março de 2020: a OMS declara como pandemia o COVID-19. Dias antes, a Universidade de Lisboa já tinha declarado o fecho das suas instalações por pouco mais de duas semanas, pelo mesmo motivo. Deparamo-nos então com um novo conjunto de hábitos: um isolamento social não por obrigação, mas por consciência, uma busca frenética na Internet d’ “o que fazer em casa durante a quarentena” e um novo modelo de aulas por videoconferência. Assim, o que era uma rotina bem firme de acordar, comer e ir para as aulas simplifica-se em assistir a aulas enquanto se acorda ou come. Esta tem sido a realidade de milhares de alunos, que se encaixa na definição de telecommuting, ou teletrabalho. Face a este novo costume, não será de todo inocente perguntarmo-nos de que maneira é que esta pandemia irá mudar a educação e o trabalho como os conhecemos.

O mundo do trabalho e o telecommuting nem sempre tiveram uma relação fácil. Antes do boom tecnológico do início do século XXI, era associado a trabalhos de mais baixa remuneração e eram privilegiadas a vida de escritório e a rigidez da hierarquia laboral. No entanto, com o aumento das facilidades tecnológicas, o abandono do clássico horário das “9 às 5” tem sido cada vez mais frequente e horários mais flexíveis e o trabalho por objetivos, surgem como uma alternativa cada vez mais apelativa. Aliás, de acordo com um estudo conduzido pela Merchant Savy com base em dados da Eurostat, tem havido um aumento do trabalho remoto ao longo dos anos, com cerca de 10% de telecommuting em Portugal (dados de 2017), quase o dobro quando comparado com os dados de cinco anos antes. Apesar de não existirem muitos estudos nesta área em Portugal, podemos analisar o panorama mundial e adaptar essa análise ao nosso próprio país.

As vantagens já estudadas prendem-se com o modo de vida cada vez mais presente nas gerações mais novas. Cidadãos de um mundo em constante mudança, ansiosos pelo novo e pelo diferente, conscientes dos seus direitos e sedentos de aprendizagem e conhecimento que rejeitam ser encaixotados na vida sensaborona de escritório. Deste modo, a possibilidade de poderem organizar e flexibilizar as suas vidas de acordo com os seus desejos e necessidades, sem perderem o horizonte dos seus objetivos, reflete um aumento da produtividade e da realização pessoal. Como consequência, tem-se um aumento da qualidade de vida e diminuição do stress – estando mais satisfeitos com a nossa vida, temos mais motivação para trabalhar. 

Outro dos seus benefícios prende-se com a sustentabilidade ambiental. Talvez nós, como estudantes universitários, não sintamos em grande escala a necessidade de usar um transporte privado para nos deslocarmos até ao nosso local de trabalho, mas é o hábito de muitos trabalhadores, nas grandes e pequenas cidades. Não desvalorizando o uso de transportes públicos, que também poluem, ainda que menos do que um transporte particular, o trabalho a partir de casa leva, por razões óbvias, a que o uso de transportes seja diminuído, contribuindo para uma menor emissão de poluentes, ou pelo menos uma menor concentração durante as horas de ponta, para a atmosfera e levando a uma melhor preservação ambiental.

Claro que, como em tudo, temos também o reverso da medalha. O ser humano é um ser social. Somos feitos de relações, connosco mesmos e com outros. Aliás, todo o avanço tecnológico tem como base a união de pessoas e dispositivos numa enorme rede. Um avanço que tanto nos une enquanto comunidade, como nos afasta enquanto indivíduos. E aqui reside o cerne desta questão: sendo nós uma geração já tão consumida por tecnologia e sendo muitas vezes nas escolas, universidades e locais de trabalho que estabelecemos as nossas principais relações, que arranjamos aqueles 10 minutos entre aulas para ir beber um café ou a pausa de almoço para conhecer aquele restaurante novo, de que maneira é que um trabalho maioritariamente por videochamada ou por e-mails impessoais nos pode afastar ainda mais? 

Outro problema encontra-se no outro lado da câmara. O modelo em que nos encontramos agora não permite saber do lado de quem emprega e quem ensina qual o nível de dedicação, atenção e mesmo de compreensão de quem está a aprender. Porque na realidade ninguém controla se eu deixei o meu computador em cima da mesa a marcar presença na aula e, entretanto, fui ver uma série para o sofá. E será este mau uso do telecommuting que poderá levar ao reverter da tendência do aumento da produtividade.  Mas, claro, que todo este impedimento é apenas um “ainda”, uma vez que há empresas, como o Slack, que estão a otimizar algoritmos de machine learning e a desenvolver programas de inteligência artificial de maneira a tentar estabelecer este mesmo controlo.

Finalmente temos de considerar qual o impacto nos trabalhos do futuro. A mudança de realidade pode levar a uma mudança de paradigma. Analisando um exemplo muito próximo de nós: numa aula por videoconferência podem estar tanto 50 como 500 alunos simultaneamente, números que podem englobar vários cursos e que podem ter tendência a aumentar. A longo prazo, para além de mudanças na metodologia do ensino e no quadro pedagógico, tal pode implicar uma diminuição do número de professores necessários para lecionar uma cadeira que abrange vários cursos, uma vez que o espaço virtual não está confinado ao mesmo número de lugares que um anfiteatro ou sala. Mas o desaparecimento gradual de um emprego, torna-se quase sempre semente para a criação de outro. E daí vem mais uma questão sem resposta perentória: quais serão os empregos com os quais este novo modo de vida vai acabar e, consequentemente, quais aqueles que vai recriar?

Assim, considerando todas estas vantagens, desvantagens e perguntas sem resposta, tudo reside no equilíbrio. No poder viver a minha vida sem me sentir obrigada a estar em algum sítio. E, neste momento o meu equilíbrio está em assistir àquela aula mais ou menos suportável enquanto como torradas e bebo café. Qual é o vosso?

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