O que aconteceu ao Clube de Rugby do Técnico?

Autoria: Tomás Faria (LEMec)

No verão de 2023 a seleção portuguesa de rugby, conhecida como “Os Lobos”, fez história: conquistou a sua primeira vitória no mundial de seleções de rugby, mostrando ao mundo que uma equipa semi-amadora de um país com tão poucos fundos direcionados para esta modalidade é capaz de singrar pelo puro amor ao desporto. O que me levou à questão que imagino que muitos estudantes tenham tido: “Então e a equipa da minha faculdade, como está?”

A origem do “Clube de Rugby do Técnico”

Em 1962, 4 estudantes fundaram a equipa de rugby da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST).

Mais tarde, com o sucesso da equipa e a adesão da população jovem, e sucessiva necessidade de criação de camadas jovens, o que não era possível segundo a estrutura da AEIST, nasceu o Clube de Rugby do Técnico (CRT), ou “Os engenheiros”, como são conhecidos hoje em dia. [2]

Desde então, o CRT estabeleceu-se como uma forte equipa a nível nacional, com presenças regulares nos play-offs, a fase final do campeonato, chegando a acumular 3 títulos de campeão nacional, o mais recente dos quais na época de 2021-2022, em que venceram o Grupo Desportivo Direito, mais conhecido como apenas Direito ou “Os Advogados”, por 15-11. 

No ano seguinte, contudo, enquanto defendia o seu título de campeão nacional, o CRT foi subitamente despromovido pela Federação Portuguesa de Rugby (FPR) para a última divisão de rugby sénior em Portugal, a 2ª Divisão (o equivalente à Liga 3 de futebol).

O que provocou esta punição?

No dia 24 de março de 2022, foi jogado o Técnico vs Centro Desportivo Universitário de Lisboa (CDUL), na Divisão de Honra, o escalão competitivo mais prestigioso no rugby nacional. Este jogo tinha sofrido um reagendamento por parte da FPR, que considerou não existirem condições para realizar o jogo e salvaguardar a saúde pública, no dia 21 de Janeiro de 2022. 

Antes do jogo, a FPR emitiu um comunicado quanto a este jogo, advertindo os clubes de que apenas poderiam alinhar com jogadores que estivessem disponíveis a jogar à data original. 

O resultado, na data final, foi de 14-10 a favor da equipa da casa, que joga, habitualmente, no campo de rugby das Olaias. 

Contudo, esta partida foi jogada sob protesto por parte do CDUL, alegando que o Técnico alinhava com 9 jogadores irregulares, entre eles 3 que se encontravam suspensos à data da mesma e 6 que foram inscritos após o fim do período de inscrição de jogadores.

Porque é que o CRT alinharia jogadores ilegalmente?

Aqui é que a situação se torna mais complicada, alegadamente.

O Clube de Rugby do Técnico defendeu-se das alegações descritas acima com base no artigo 41º do Regulamento Geral de Competições, o regulamento criado e utilizado pela FPR para as competições nacionais, que diz que “poderão participar nos jogos cuja marcação foi alterada nos termos do número anterior todos os jogadores que estejam habilitados para nele participar na nova data de realização do encontro, sujeito ao disposto nos números seguintes”. Apenas  “é vedada a participação nesses jogos aos jogadores que estiverem a cumprir suspensão disciplinar ou se encontrem suspensos preventivamente na nova data de realização do jogo”. [3]

Por motivos ulteriores aos clubes, a FPR decidiu que o campo de jogo não seria o campo das Olaias, a “casa” do CRT. 

Sendo assim, não querendo ser duplamente penalizado e confiantemente protegido pelo regulamento em vigor, o CRT decidiu alinhar com jogadores que não estavam disponíveis na data original.O resultado desta disputa foi a suspensão do campeonato no ponto mais importante, os play-offs, assim como a atribuição de uma coima de 5.000€ ao CRT.

Em que situação ficaram as competições? 

Em março de 2022, a FPR decidiu que o CRT deveria ser imediatamente despromovido para a 2ª Divisão – o último escalão de rugby competitivo em Portugal – e, portanto, desqualificado dos play-offs, prosseguindo, assim, o campeonato sem um dos seus finalistas.

A época seguinte:

Em agosto (de 2022), próximo da data de início da Divisão de Honra, mas não o suficiente para readmitir o CRT na competição, o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) considerou as sanções atribuídas pela FPR ao clube das Olaias inválidas.

O Técnico passou então a temporada de 2022-2023 a jogar na última divisão nacional de Rugby, a 2ª Divisão.  [4]

Ao mesmo tempo, a equipa legal do CRT travava a sua própria batalha, defendida pelo incontestável artigo 41º do regulamento. Depois do veredicto do TAD dar parecer favorável à reintegração na Divisão de Honra, a FPR decidiu recorrer a esta decisão num outro tribunal, o Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), procurando anular a invalidação das sanções iniciais, alegando incompetência por parte do TAD e do presidente do CRT, afirmando mesmo “(…) como presidente de uma federação desportiva, o que se passa aqui é uma batotice”. [5]

Em Fevereiro de 2023, o TCAS recusou o recurso à decisão do TAD proposto pela Federação e negou as alegações da mesma sobre a incompetência do órgão judicial. 

Ao longo do ano de 2023 a batalha legal continuou, desta vez com o CRT à procura de compensação dos custos da representação legal e indemnização do clube pela injusta, segundo os tribunais, despromoção.

O princípio do fim:

Sugerindo um ponto final em toda a situação, no dia 11 de Outubro de 2023, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), o terceiro a ser consultado na saga em que se transformou a situação, julgou procedentes os pedidos do Técnico para ser readmitido na Divisão de Honra. Para além disso, também declarou que o CRT deveria ser indemnizado pela injusta desclassificação na época anterior, a qual, relembre-se, o clube disputava já na fase final, os play-offs, notificando tanto a FPR como o CRT para “no prazo de 20 dias acordarem o montante da indemnização devida pela inexecução” da decisão inicial do TAD, em Agosto de 2022. [6]

O CRT pretende ser indemnizado num valor que “ronda os 900 mil euros”, alegando que esse valor cobriria as despesas jurídicas e as receitas perdidas pela despromoção. 

No dia 31 de outubro, a FPR convocou uma Assembleia Geral Extraordinária para apreciar a proposta de reintegração dos azuis e brancos na Divisão de Honra em 2023/2024 e também para discutir a questão indemnizatória reivindicada pelo clube. A proposta da readmissão e pagamento de 75 mil euros (cerca de metade dos custos legais a que se submeteu) foi passada com 59 votos a favor e apenas 1 contra. 

O presidente da FPR considerou o resultado da AGE uma reprovação quase unânime do comportamento da direção do CRT, que procura o ressarcimento total dos custos para além da indemnização pela despromoção.

Já o presidente da direção do clube, Pedro Lucas, declara gratidão pelo apoio dos clubes no que toca à readmissão do mesmo no primeiro escalão competitivo, mas declara que os 75 mil euros propostos são um valor declarado pela direção da FPR, não correspondendo, por isso, a nenhuma ordem de tribunal, pela qual o presidente vai esperar até tomar uma decisão. [7]

Referências

https://www.instagram.com/p/CwISdP-NnJd/ [1]

https://www.tecnico-rugby.com/crt/clube [2] (12/2023)

https://fpr.pt/galeria/documentacao/documentacao_61f42ebcab219_regulamento-geral-de-competic-o-es-2021-2022.pdf [3] (12/2023)

https://www.publico.pt/2023/11/01/desporto/noticia/federacao-raguebi-convoca-clubes-reintegrar-tecnico-2068707 [4] (12/2023)

https://www.ojogo.pt/modalidades/noticias/amp/presidente-da-federacao-de-rugby-sobre-o-tecnico-nao-tenho-duvidas-e-uma-batotice-15892613.html/ [5] (10/11/2023)

https://www.publico.pt/2023/10/11/desporto/noticia/tribunais-voltam-dar-razao-tecnico-diferendo-federacao-2066433 [6]
https://www.ojogo.pt/6866268971/tecnico-nao-aceita-abdicar-de-indemnizacao-para-entrar-ja-na-divisao-de-honra/ [7]

Um comentário

  1. Parabéns pelo artigo! Acho que o Diferencial devia falar ainda mais sobre o que se passa na faculdade, nos seus clubes desportivos e nas suas Secções Autónomas.

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