Autoria: João Dinis Álvares (MEFT)
Pouco depois da inauguração das novas instalações do Técnico na Alameda [1], onde ainda hoje se encontra, a faculdade estava finalmente preparada para a grandiosidade que o Estado Novo planeara [2].
Pouco depois, Duarte Pacheco abandona a presidência do Técnico, sendo substituído por Bellard da Fonseca, no último dia de 1937 [3]. Partia para a sua presidência da Câmara Municipal de Lisboa e para o segundo mandato como Ministro das Obras Públicas. Consolidava assim a sua posição de herói nacional que Salazar lhe consagrara.
Em julho desse ano, deu-se também o famoso atentado a Salazar [4], tendo este escapado por pouco a uma bomba. Rui Tavares, historiador e atual líder do Livre, explica: “o atentado serviu ainda para o regime capitalizar em popularidade, aproveitando para passar a imagem de Salazar como o homem providencial de que o país precisava.” Carl Jung, se tivesse tido conhecimento disso, diria que aqui se recriava o mito do salvador, muito à semelhança de Hitler.
O Conselho Escolar (órgão já extinto no IST), no seguimento do ataque, enviou uma nota de felicitação a Salazar por este ter saído ileso [3].
Terminada a contextualização histórica, estamos prontos para falar sobre os primeiros anos do Instituto Superior Técnico, na sua nova morada. Dividirei o artigo em três partes, terminando com aquela que lhe dá nome: Passagem de Antoine de Saint-Exupéry por Lisboa, a Exposição Suíça e a Exposição Quinze Anos de Obras Públicas.
Passagem de Antoine de Saint-Exupéry por Lisboa (1940)
1940. A Segunda Guerra Mundial decorria há cerca de um ano, sem a participação de Portugal, ao contrário do que acontecera na Primeira Guerra. Portugal estava, muito pelo contrário, focado em si mesmo, às mãos de Salazar, na tentativa da criação de uma identidade nacional. Uma cristalização desta tentativa foi a Exposição do Mundo Português, que decorreu na segunda metade de 1940: foi aqui que se construíram o Jardim da Praça do Império, o Padrão dos Descobrimentos, entre outros.
Antoine de Saint-Exupéry, famoso autor do Principezinho, quase em simultâneo fugia de França em direção aos Estados Unidos. No entanto, devido à situação política instável do seu país, viajou primeiro para Portugal, de autocarro com outros refugiados, tendo permanecido em Lisboa pouco mais de um mês.
Impactado pela diferença entre o sítio de que fugia e a capital a que chegava, onde decorria a maior demonstração de grandiosidade até à altura do regime, Antoine de Saint-Exupéry escreveu Carta a um Refém.
“Lisboa, que organizara a mais bela exposição do mundo, sorria com um sorriso um tanto pálido, como o das mães que não têm quaisquer notícias do filho ausente na guerra e se esforçam por salvá-lo a poder ter confiança: «O meu filho continua vivo porque eu sorrio…» «Vejam como estou feliz», dizia assim Lisboa: «Como estou feliz, tranquila e bem iluminada…» O continente inteiro pesava contra Portugal como se fosse uma montanha selvagem, carregada de tribos predatórias; Lisboa em festa desafiava a Europa: «Haverá alguém capaz de me tomar por alvo se nem tento esconder-me? Se sou tão vulnerável!…” [5]
Pouco antes de partir, Antoine de Saint-Exupéry dá uma palestra no Instituto Superior Técnico [3], do qual pouco se sabe, infelizmente.
A Exposição Suíça (1943)
1943. Apesar de não haver muita informação disponível, sabe-se que o intuito desta exposição era estabelecer uma ligação entre duas das nações neutras durante a Segunda Guerra [6]. Pretendia ser, também, publicidade ao país de modo a atrair turistas. O motivo pelo qual se escolheu o Técnico como palco para a exposição é-me para já desconhecido. Porém, há registo fotográfico, tendo a (já extinta) piscina da AEIST sido utilizada como restaurante, no primeiro piso, e como espaço para exposição no segundo. Assim, espalhado pelo Técnico, havia uma “mostra de todos os sectores da indústria, hotelaria, agricultura, turismo e gastronomia suíças” [6].
Exposição Quinze Anos de Obras Públicas (1948)
1948. A Segunda Guerra Mundial terminara, Hitler caíra, o fascismo tinha sido derrotado, o imperialismo exposto, muitos dos problemas do Mundo Antigo eram desconstruídos e a vida da humanidade não seria mais a mesma. Porém, havia ainda um bastião do fascismo, em ponto mais pequeno, num dos cantos da Europa, que se mantivera neutro e cuja ditadura continuava de pé. Perante esta situação, o Regime começou a fomentar “eventos mobilizadores da população, como a celebração do segundo aniversário do Ano X da Revolução Nacional, […] uma estetização da política por via de celebrações periódicas e rituais coreografados, presentes noutros regimes autocráticos” [7].
Esta vontade culmina com a exposição Quinze Anos de Obras Públicas. Salazar, no entanto, não é original nesta estratégia, uma vez que Mussolini, Hitler e Franco já haviam promovido semelhantes demonstrações de força nacional “como elemento inclusivo e antielitista […] para obtenção do suporte das massas”.
Analisemos, com a ajuda de Ana Mehnert Pascoal [7], esta exposição que forçou o Técnico a adicionar dois novos pavilhões para a acomodar. Estamos em 1948, o atual primeiro ministro das Obras Públicas é José Frederico Ulrich, e este acaba de realizar uma viagem pelo país para “conhecer os melhoramentos públicos realizados, numa estratégia de planificação dos investimentos vindouros”, com o intuito de mostrar ao povo português toda vasta obra empreendida pelo regime.
“Salazar, discursando em 1945 no contexto da dissolução da Assembleia Nacional, já se referia ao desconhecimento, particularmente na capital, das realizações empreendidas no país.”
Os quinze anos a que a exposição se refere são os anos entre 1933 e 1948. Note-se que 1933 foi quando Duarte Pacheco assumira pela primeira vez a pasta do Ministério das Obras Públicas, confirmando uma vez mais a vontade de criar o mito deste homem. Voltando ao início do artigo, Duarte Pacheco viria a assumir o cargo pela segunda vez, em 38. Porém, acaba por morrer em 43, ainda enquanto ministro, num acidente de carro, despistando-se numa autoestrada. Voltava de uma visita a uma estátua de D. João IV que planeara; chegou a ser levado para o Hospital de Misericórdia em Setúbal, mas acabou por não sobreviver. A vida de um dos homens mais influentes do país e do Regime terminava e agora o Estado Novo vê-lo-ia como um mártir. Porém, não nos percamos.
A ideia de fazer a exposição no Técnico vem do facto de que tanto Ulrich, como Duarte Pacheco, como muitos outros engenheiros que estiveram nas obras públicas ao longo dos anos foram formados nesta faculdade, para além de que as novas instalações do Técnico tinham sido construídas durante a presidência de Duarte Pacheco [1]. Esta exposição estava destinada a ter lugar no Técnico.
Esta ideia inspirara-se na exposição que a Alemanha decide trazer a Portugal alguns anos antes (desta vez, não no Técnico). Seguindo o livro Os Alemães em Portugal, 1933 – 1945. A Colónia Alemã através das suas instituições”, de Reinhard Schwarz [8]:
“Em 8 de Novembro de 1941, inaugurou-se em Lisboa a notável exposição Nova Arquitectura Alemã organizada pelo Inspector Geral de obras da capital do Reich, Arquit. Albert Speer, em colaboração com o Grémio Luso-Alemão e com a representação lisboeta da RDV. Presentes o Presidente da República, General Carmona, e o ministro das Obras Públicas, Eng.º Duarte Pacheco (o Presidente do Conselho, Prof. Salazar, visitou-a mais tarde). Depois dos cumprimentos ao Presidente apresentados pelo ministro da Alemanha, Von Hoyningen-Huene, e pelo presidente da Sociedade das Belas Artes, Eugénio Correia, o Chefe do Estado visitou a exposição na companhia de Speer e dos organizadores e pediu explicações pormenorizadas sobre as obras dos arquitectos Troost, Speer e Kreis. Uma hora depois e apesar da chuva intensa que caía nesse dia, uma multidão aguardava em frente da Sociedade das Belas Artes para assistir à partida do General Carmona.”
Estima-se que esta exposição tenha recebido à volta de cem mil visitantes, tornando-se assim a exposição com maior afluência até à data, em Portugal.
Apesar da neutralidade de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial, havia uma tentativa por parte de Salazar de replicar a Alemanha Nazi de Hitler. A exposição Quinze Anos de Obras Públicas é, sete anos depois de a exposição alemã passar por Portugal, fortemente inspirada nesta última, havendo um grande destaque em dados estatísticos que comprovavam a evolução do país.
A exposição portuguesa inaugura-se na data do 22.º aniversário da revolução de 1926, a 28 de maio de 1948, no Instituto Superior Técnico. Ao longo dos cinco meses em que esteve aberta, foi visitada por cerca de meio milhão de pessoas.
“A exposição, que ocupou cerca de 7000 m² no IST, assumiu um tom de divulgação acessível ao grande público não especializado, de apreensão imediata e, sobretudo, visual, sem «charadas por resolver» (Moura 1948, s/p). Não se circunscrevia a detalhes que pudessem interessar apenas a uma diminuta elite erudita, nem apresentava «demasiadas preocupações de rigor técnico» (Carvalho 1948, 20), enaltecendo-se as vantagens do progresso como resolução dos problemas nacionais e fator de melhoria das condições de vida.” [7]
Na entrada do edifício Central, estavam as estátuas de Salazar e de Óscar Carmona. Depois das estátuas, o visitante seria deparado com uma sala que enaltecia Salazar e Duarte Pacheco, o primeiro como o possibilitador do evento, o segundo como aquele que se homenageava.
Devido à falta de espaço para toda a exposição, foram colocados dois pavilhões provisórios idênticos, perto de onde hoje em dia se encontram os Pavilhões de Física e Matemática e o Pavilhão de Civil (estes ainda não tinham sido construídos). Esta falta de espaço deveu-se, acima de tudo, à totalidade de serviços a apresentar nas secções de Comunicações e Hidráulica. Durante a exposição, houve ainda espaço para abordar o problema da habitação, que era tema central do Congresso de Arquitetura, que acontecia em simultâneo com a exposição.
“Na alameda central, em torno do estudo para a estátua equestre de D. João IV, exposto na Exposição do Mundo Português, figuravam vários navegadores, planeados para a zona circundante à Torre de Belém. Junto às entradas dos pavilhões provisórios, estavam as estátuas que viriam a ocupar a Avenida da Liberdade e o Jardim da Estrela, e, nos nichos laterais, D. João III e D. Dinis, criados por Francisco Franco (1885-1955) para a Cidade Universitária de Coimbra.” [7]
Esta estátua de D. João IV era a «última obra legada pelo ministro [Duarte Pacheco]», aquela que ele visitara mesmo antes de morrer. Em termos dos pavilhões espalhados pelo Técnico, “exibiam-se maquetas, complementadas por fotografias ampliadas de edifícios e vistas aéreas, e plantas de urbanização em grande escalar, acompanhadas de legendas curtas, reforçando de modo exaustivo a capacidade construtiva e o incremente do país.”
Um dos pavilhões que mais se destacou foi o da Administração Geral dos CTT, que incorporou elementos sonoros, para além de uma forte utilização de espelhos.
No geral, a exposição era simples em termos visuais, com números que representavam a evolução do país, através de uma “profusão de empreendimentos públicos encadeados” [7]. O objetivo era o visitante sair da exposição com o sentimento de união nacional fortalecido.
Ulrich, o ministro das Obras Públicas na altura, no discurso de encerramento da Exposição, lamentou “não ser possível manter indefinidamente a Exposição, acrescentando-lhe dia a dia os novos melhoramentos que vão surgindo por esse país fora”. Dizia estas palavras perante Salazar, que por quatro vezes visitara a Exposição.
Há muita mais informação sobre esta exposição, que em muito se destaca da do Mundo Português, apesar de servirem propósitos semelhantes. Porém, enquanto que a do Mundo Português se dá em 1940, esta dá-se oito anos depois, numa altura em que o fascismo havia sido derrotado. Chegou-se ainda a fazer um documentário sobre os Quinzes anos das Obras Públicas, que ainda hoje se encontra disponível, no arquivo da Cinemateca, onde se falam das mais variadas obras empreendidas, numa linguagem que hoje em dia chamaríamos de distópica. Foi também impresso um livro com fotografias do antes e do depois das obras.
Assim, esta exposição que teve lugar no Técnico reveste-se de uma importância singular e que se coloca em segundo plano, na história do Estado Novo. Porém, é uma das primeiras demonstrações de um regime que via o seu futuro ameaçado, a agarrar-se à sua história para legitimar o seu presente.
Referências:
[1] – O Arquiteto que desenhou a Alameda (e muito mais): Porfírio Pardal Monteiro, João Dinis Álvares (visitado a 23 de julho de 2024)
[2] – Instituto Superior Técnico, Blog Restos de Coleção (visitado a 23 de julho de 2024)
[3] – 1911 – 2006: Uma Cronologia, Jorge Freitas Branco, Benedicta Maria Duque Vieira, Luísa Tiago de Oliveira, Ana Filipa Horta, Ana Cláudia Freitas, Florbela Gomes, Marta Silva, Joana Quelhas Ribeiro (visitado a 23 de julho de 2024)
[4] – Retratos do Atentado a Salazar, RTP (visitado a 23 de julho de 2024)
[5] – Opinião de Saint-Exupéry sobre Lisboa (Saint-Exupéry – Carta a um Refém) – por Clara Castilho (visitado a 24 de julho de 2024)
[6] – Exposição Suíca em 1943, Blog Restos de Coleção (visitado a 2 de agosto de 2024)
[7] – Encenação do Estado Novo na exposição Quinze Anos de Obras Públicas (Lisboa, 1948), Ana Mehnert Pascoal (visitado a 2 de agosto de 2024)
[8] – Revista Sinal 1940 – 1945 (visitado a 3 de agosto de 2024)
[9] – CTT na Exposição de Obras Públicas, Blog Restos de Coleção (visitado a 3 de agosto de 2024)