Autores de todo o mundo, cessai!

Autoria: Francisco Raposo (MEFT)

A leitura é um hábito que permite uma exploração mais profunda e coletiva das idiossincrasias humanas, bem como uma compreensão mais ampla do mundo que nos rodeia. Dito isso, tenho um apelo a fazer: Escritores de todo o mundo, parem de escrever, pelo amor de tudo o que é sagrado.

Peço-vos que não me fujam já, nem que toquem naquela cruzinha no canto superior direito, pois tentarei explicar-me.

Discorro sobre isto porque, recentemente, me apeteceu comprar novos livros. Entrei numa livraria perto da minha casa e percorri-a, fazendo olhinhos às capas dos livros, como quem está a escolher o sabor de uma bola de gelado. Dever-me-ia decidir pelos aromas doces de um Gelato de Morango, Romance e Baunilha, ou pela textura mais requintada de um Filosofia Split? Ou, ainda, pelo sabor mais insípido do Sugar Free História do Estado Novo? Enquanto saltitava de estante para estante, inquietava-me a quantidade absurda de conhecimento e experiência humana ali conservados, no seio daquelas páginas, colocadas ali à mão de semear, mas, ainda assim, a mim certamente inacessíveis para todo o sempre, se não pelo custo financeiro que teria de acartar para os possuir, pelo menos como fruto da mais categórica das verdades biológicas: um dia, morrerei. Há demasiado para ler e a minha vida é demasiado curta.

A todos os leitores já deve ter ocorrido, pelo menos uma vez na vida, ao entrar numa biblioteca, esta perceção arrebatadora, de que o tempo de que nós, humanos, dispomos é de proporção irrisória na escala imensurável e sublime de toda a literatura mundial. Não admira. Todos temos os nossos trabalhos, responsabilidades e vídeos muito engraçados para ver no feed do Instagram, pelo que, no final do dia, parece que nos sobra apenas pouco mais do que meia dúzia de instantes para nos deixarmos escapar num dos milhares de excelentes livros que por aí existem.

Existe uma citação de Almada Negreiros, hoje exposta na estação de metro de Saldanha, que encapsula muito bem esse sentimento:

Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam! Não duro nem para metade da livraria! Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão… estou perdido. [1]

Constitui uma captação perfeita da angústia e da impotência que são natas (que, curiosamente, também é um sabor de gelado) a qualquer leitor dedicado.

E se isso já não fosse desagrável o suficiente, depois lembrei-me de que novos livros são publicados todos os dias, a maioria dos quais também não poderei ler, porque tenho coisas menos divertidas a fazer, como terminar uma tese de mestrado*. Surgiu-me, então, uma ideia: deveríamos proibir todos os autores do mundo de publicar novos livros, pelo período mínimo de um ano.

Eu sei que à partida parece rebuscado, mas atentem, seria uma oportunidade excelente para recuperar do colossal atraso temporal. Se já há tantos clássicos para ler, é inconcebível que se deixem inventar novos futuros clássicos sem que eu tenha tempo para acabar os primeiros. Portanto, devia fazer-se um acordo nesse sentido, para que eu (e vocês também, mas não faço tanta questão) possa ler a Ilíada em paz, sem pensar nos novos romances do Valter Hugo Mãe ou da Lídia Jorge, os quais certamente também me dariam muito gáudio. 

Vou enviar cartas a cada autor: “Autor X, desacelere o passo, por favor. Acabei de ler o Ensaio Sobre a Cegueira e preciso do equivalente literário àquelas pausas entre as rondas de uma luta de boxe”.

*Aproveito para enfatizar o tom irónico desta crónica, para efeitos académicos.

Referências:

[1] A Invenção do Dia Claro – Almada Negreiros 

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