Autoria: Francisco Raposo (MEFT)
A monarquia portuguesa foi um sistema que teve algumas coisas aprazíveis, em específico aquela parte final, quando acabou. Podemos e devemos começar por falar sobre as origens deste nosso país, em concreto da discussão no mínimo aguerrida que se sucedeu entre D. Afonso Henriques e a sua mãe, D.Teresa. Datava-se o ano de 1128, e, num impulso mais rebelde, D. Afonso decidiu bater-se com sua mãe. Alguns fazem tatuagens ou fogem de casa, outros tomam a liderança do Condado Portucalense de assalto. Dava-se então a Batalha de São Mamede, na cidade berço de Guimarães. A revolta deve-se à sucessiva entrega do poder político aos galegos por parte de D. Teresa, o que colocava em causa a soberania do Condado, ou talvez porque aquela queria que D. Afonso seguisse Medicina ou Direito, quando ele preferia Artes Marciais. Penso que se a terapia familiar fosse prática comum no século XII, talvez Portugal fosse hoje um país bem diferente, provavelmente com combustíveis mais baratos.
Um outro aspeto deve ser analisado. A existência de uma cidade berço talvez implique a existência de outras cidades mobilares (e não falo de Paços de Ferreira). Sugiro, por exemplo, Lisboa, Cidade banheira. Só falta adquirir uns quantos patinhos, podemos ir buscar alguns à Gulbenkian. Se não bastarem cidades, podemos também nomear outros locais mais específicos. O que acham de Civil, «Pavilhão Chuveiro»?
O resto da vida de D.Afonso Henriques envolveu tornar-se o primeiro rei de Portugal, e vaguear numa turné nacional, em que tocou os seus maiores êxitos, incluindo os intemporais Cheira a Lisboa, Ai Se Ela Cai (A capital), Venham mais cinco (Quinas) e A Gente Vai Continuar (para sul).
Reza a lenda que, ao conquistar Lisboa, D.Afonso Henriques mirou a outra margem do Tejo e anunciou: “Devíamos construir ali um segundo aeroporto”. Ou então fui eu quem inventou esta parte da lenda…
O meu rei português favorito é, todavia, D. Afonso II, neto de D. Afonso Henriques.
Ao contrário dos seus predecessores e sucessores, focou-se na organização e administração do reino, quebrando a tendência belicista daqueles outros reis que, no fundo, estavam apenas à procura de praias menos ventosas. Foi o fundador das primeiras leis escritas, que pretendiam centralizar o poder, e convocou as primeiras cortes com representação nobre e clériga. O povo não conseguiu aparecer, porque estava a trabalhar. Tentou desafiar o poderio da igreja no país, tendo morrido excomungado. Se ele não queria sofrer o equivalente medieval a um cancelamento por parte da Igreja, não devia ter quebrado os seus Termos e Condições de Utilização, nesse caso, a total submissão à Cúria.
Mas nada disso interessa. O que me importa é o cognome. É aquilo que fica para a História. Uma palavra que encapsula os anos de reinado, com todos os seus êxitos e todas as suas atribulações. D. Dinis foi o Lavrador, D. João IV, o Restaurador. Que denominação deve ser dada ao rei responsável por criar as primeiras leis, os pilares legislativos do país; ele, que enfrentou o Papa, que convocou uma das primeiras cortes da história nacional?
É, pois claro,
o Gordo.
Os historiadores chamam-lhe El-Rei D.Afonso II, o Gordo… Foi esse o nome que julgaram melhor assentar-lhe, talvez por acharem ser a sua característica mais notória. Afinal de contas, não é como se tivessem ficado sem opções para cognomes: ele foi o terceiro rei! “Bom, até agora temos um Conquistador e um Povoador, acham que este podia ficar O Pacífico, ou O Legislador, ou talvez… O Prudente? Bem, por outro lado, ele lá gostava muito do seu bifinho à Portuguesa…”
E há uma curiosidade que gostava de satisfazer: se ele sabia que lhe haviam de denominar “o rei Gordo”. Talvez desconfiasse e se tenha tornado a sua pequena obsessão tentar convencer os cronistas de que havia outras possibilidades. Ele dizia: “Já viram como o Papa ficou chateado comigo? Se calhar poderia ser o Fortão, ou o Rebelde, ou o Mega Fixe…”, e respondiam-lhe: “Claro, claro”, mas mal el-rei lhes virava as costas, “Irra, o gordo não se cala com isso dos cognomes…”
Opa, ainda só escrevi uma meia dúzia de parágrafos sobre a monarquia e já me fartei. Para evitar que o enfado me enfebreça e esfaleça, e não haja ensejo de os meus entes me endereçarem endechas emocionais que me enobreçam no meu enterro (Ai, aliterações aleijam), vou ficar por aqui. Ficará para vocês o trabalho de descobrir tudo o que a monarquia portuguesa encapsulou: as conquistas, o incesto, as crises, as guerras, o incesto, a pobreza e o incesto. De lembrar que o príncipe João Manuel, filho de D. João II e pai póstumo de D. Sebastião, se casou com a espanhola D. Joana de Áustria, sua prima direta do lado da mãe… e do pai…. Não me perguntem. Tenho a sensação de que os jantares de família eram estranhos, graus de parentesco confundidos a torto e a direito. Se hoje chamamos aos espanhóis Nuestros Hermanos, na altura os nossos reis chamavam-lhes Nuestros Primos, Nuestros Amores.