Frigideiras em Perspetiva

Autoria: Patrícia Curado (MEFT)

Sábado é o dia que dedico a recompor a rotina. O que fica por fazer, o que fica por comprar, o que fica por limpar… é tudo feito ao sábado. O último sábado não foi exceção. Em vez de recorrer ao supermercado mais próximo de casa, decidi quebrar o compasso habitual. Dei ao meu fim de semana um toque exploratório: fui fazer compras numa das grandes superfícies de Lisboa.

Passava pelo corredor das frigideiras quando me ocorreu que havia dezenas de produtos expostos. Frigideiras tradicionais, frigideiras para saltear, frigideiras wok, frigideiras para ovos, para crepes e para molhos. As de gama acessível e as que, por agora, não estão ao alcance da minha carteira. Dei-me ao trabalho de as contar: eram sessenta! As razões da surpresa são várias. O número é, naturalmente, digno de nota. E a diversidade de tamanhos, marcas e feitios, também.

Aprofundemos o assunto. O parlamento das frigideiras é, na sua maioria, bipartidário. Com direito a assento, temos nas bancadas o alumínio e o aço inoxidável. Para gostos mais conservadores, o ferro fundido e a cerâmica são as estrelas. Um pouco de requinte e temos o cobre. Todas estas opções vêm embrulhadas com palavras de cariz científico. Eis algumas: dupla ou tripla camada antiaderente, revestimento de titânio, alumínio injetado, fundo térmico e aço inoxidável magnético. Será preciso uma tabela periódica para uma compra de sábado à tarde?

Há uns anos, no contexto de frigideiras, falava-se muito nos produtos de teflon. Estranhei a ausência do termo nas etiquetas coloridas deste corredor e fui investigar sobre o assunto. O teflon foi patenteado em 1941 por Roy J. Plunkett como politetrafluoretileno (PTFE) [1] e desenvolvido originalmente para a multinacional americana DuPont. A molécula de PTFE é uma cadeia de monómeros com um átomo de carbono e quatro de flúor e a sua estrutura química confere-lhe resistência ao calor e à corrosão. Tudo corria bem. A polémica do teflon começou na década de 90, a propósito do ácido perfluorooctanóico (PFOA), que costumava ser usado como agente de processamento do teflon e que é um componente nocivo à saúde humana. 

Deambulei pelas notícias de escândalos em que a DuPont esteve envolvida [2] e concluí que há três principais razões para a adoção do termo antiaderente em vez de teflon, tanto na linguagem falada como nas etiquetas. Em primeira instância, Teflon é uma marca registrada da antiga DuPont, agora Chemours. Em termos legais, isto implica que outras empresas que produzam revestimentos antiaderentes semelhantes não possam fazer uso do termo. Não menos importante é que, ao usar antiaderente em vez de teflon, desassociamos a marca do escândalo dos anos 90 e das preocupações da segurança do uso destes produtos, especialmente quando sobreaquecidos. Em último lugar, a antiaderência das frigideiras do século XXI estende-se a materiais que vão além do PTFE, nomeadamente cerâmicas e esmaltes. Fiquei esclarecida.

Continuava curiosa sobre o conceito de aço inoxidável. Poupo-vos o trabalho da investigação e dou-vos um guia para o bom uso de tais frigideiras. Aqui vão umas noções de física. O aço inoxidável é uma liga metálica que contém, entre outros elementos, crómio, responsável pela criação de uma camada de passivação à superfície do aço e eficaz na proteção contra corrosão e manchas [3]. É sabido que estas frigideiras requerem um pré-aquecimento atento. O que não é sabido é o porquê. Logo à partida, o pré-aquecimento confere uma distribuição homogénea de calor a toda a superfície, tarefa desnecessária no caso das frigideiras de alumínio, elemento que já tem a benesse de ser um excelente condutor térmico. Com altas temperaturas, criamos nos alimentos um selo térmico que impede que estes se agarrem à frigideira. O ponto ideal do pré-aquecimento acontece quando observamos o efeito Leidenfrost [4]  no momento em que se adicionam gotas de água à frigideira. 

Dizer que me tornei uma especialista nos materiais e marcas que tutelam o setor das frigideiras seria exagerado. Elogioso, mas exagerado.

Prossegui caminho, que as reflexões já iam demoradas. Um pouco mais à frente, ocorreu-me que há, no parlamento dos consumidores, um partido com apenas um assento na bancada: o das pessoas que escolhem contar frigideiras num sábado à tarde.

Referências: 

[1] “Tetrafluoroethylene polymers”, Google Patents, (https://patents.google.com/patent/US2230654A/en) (acedido a 08/04/2024)

[2] Nathaniel Rich, “The Lawyer Who Became DuPont’s Worst Nightmare”,  The New York Times Magazine, publicado a 06/01/2016 (https://www.nytimes.com/2016/01/10/magazine/the-lawyer-who-became-duponts-worst-nightmare.html) (acedido a 07/04/2024)

[3] “Stainless Steel”, Science & Tech, Encyclopaedia Britannica, atualizado a 29/03/2024, (https://www.britannica.com/technology/stainless-steel) (acedido a 08/04/2024)

[4] Rodrigo Campos de Carvalho, “DIYPhysics: Gotas Saltitonas”, Pulsar, 36.ª edição (https://www.nfist.pt/pulsar/edicoes-anteriores) (acedido a 08/04/2024)

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