Uma questão de Honra

O tempo de isolamento social leva-nos a refletir sobre como ultrapassar muitos desafios, na sua maioria, inerentes à adoção de métodos de trabalho remoto. No entanto, emerge simultaneamente a necessidade de usar as horas extra do dia para matutar acerca de assuntos de  carácter mais intemporal. Desta vez, interrogo: onde se esconde a Honra?

Autoria: Ana Glória Cruz, MEBiom (IST)


Uma questão muito atual na comunidade do IST, que continua a reunir-se virtualmente no enquadramento da pandemia COVID-19 e do consequente estado de emergência nacional, é a do cumprimento ou violação do que foi denominado por “Código de Honra e Regras de Integridade Académica”.  De facto, ao realizar uma prova online, qualquer aluno está automaticamente a jurar pela sua honra que a resolveu de forma autónoma, sem recorrer a material de suporte que não esteja previsto para a mesma. Do ponto de vista de uma finalista que, neste momento, se dedica à dissertação, estando as restantes avaliações no passado do seu percurso académico, chegam algumas reflexões acerca do tópico. 

“(…) ao realizar uma prova online, qualquer aluno está automaticamente a jurar pela sua honra que a resolveu de forma autónoma, sem recorrer a material de suporte que não esteja previsto para a mesma”

O conceito de Honra começa por significar muito em gerações anteriores à nossa. Nem a propósito, foi dedicada a última edição deste jornal a estes confrontos entre gerações gerados pela evolução dos valores, da cultura, da tecnologia, entre outros aspetos determinantes da sociedade em que vivemos. A Honra era, de facto, o que levava, por exemplo, os cavalheiros do século XIX a preocuparem-se com a escolha de padrinhos para duelos em que deviam morrer ou viver a defendê-La. Era também o que se associava aos compromissos de nossos avós que davam “a sua palavra de honra”, não deixando sombra para suspeitas. 

Atualmente, porém, a palavra, no mínimo, caiu em desuso. Poderá ser uma Honra, eventualmente, conhecer o nosso mais amado ídolo, mas poucos perseguirão a Honra aos olhos da sociedade e poucos aceitarão um juramento em seu nome em vez de uma assinatura oficial. 

Neste caso, Honra surge no sentido de Integridade Académica, à qual se apela, especialmente, neste tempo de crise. Apesar do conceito poder apresentar-se um pouco arcaico a muitos membros da geração Z, parece que o Conselho Pedagógico ainda o reconhece como a derradeira arma contra a fraude. Não se levantava, com certeza, a dúvida há algumas décadas, mas no dia de hoje, compreende-se que se considerem outras estratégias. No entanto, a procura destes métodos mais eficazes para garantir a honestidade nas avaliações pode comprometer um pouco as matérias lecionadas: o significado real para além dos números pode perder-se quando se fabricam problemas com números mecanográficos, os resultados podem ser comprometidos quando o tempo é apertado, de forma a restringir a consulta indevida, … Portanto, compreende-se, também, a tentativa de evitar estas estratégias por parte dos professores.

Para além disso, o papel dos professores é o de transmitir o seu conhecimento aos alunos e não o de garantir a sua integridade académica. Está claro que cada aluno tem sempre um aproveitamento diferente na cadeira em questão e, muitas vezes, por opção, pois existem aqueles que escolhem dedicar-se mais à Academia e outros que preferem dedicar-se a outros assuntos. Não haverá nada mais natural. Assim, aprender é uma escolha, uma liberdade. Neste contexto, muitos alunos acabam por escolher o rendimento.

“(…) é o foco na maximização dos resultados que tende a prevalecer sobre o entendimento e a consolidação das matérias de forma duradoura”

Na minha opinião, será a competição a maior causa da corrupção da Integridade Académica. Para além deste, outros fatores modularão, decerto, este abandono de tão nobres valores, como a qualidade do ensino e a perceção de justiça no momento da avaliação e, quiçá, ainda outros. No entanto, é o foco na maximização dos resultados que tende a prevalecer sobre o entendimento e a consolidação das matérias de forma duradoura. 

Outro aspeto relevante à questão é o distanciamento social, o qual confere muitos desafios ao normal funcionamento das atividades letivas e ao que se junta, sem dúvida, a facilidade com que se compromete a Honra. Qualquer juramento feito presencialmente, neste caso, de aluno para professor, olhando-se mutuamente nos olhos, teria redobrado valor, pois humanizaria a questão. A Honra de um ser humano valerá muito mais que aquela de um avatar virtual e o julgamento, em caso de incumprimento do juramento, por parte dos restantes será muito mais temido quando a sua existência não pode ser ignorada.

Concluindo, penso que gostávamos todos de regressar a uma sociedade em que a “palavra de Honra” bastaria para a plena confiança, pois tal promete tornar todo o tipo de compromissos muito mais fáceis de acertar. Perdemos, porventura, a Honra por imaturidade, tal como consideram com certeza os mais antigos; por pressão, tal como consideram com certeza os mais jovens; ou, até, apenas devido às características inerentes à nossa geração, tal como evoluiu na História. Não será fácil regressar a esses valores, mas poderá ser atingido, se for verdade que todos preferíamos voltar a uma questão de Honra. Cabe a cada um.


* imagem ilustrativa retirada do banco de imagens do Técnico.

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