GTIST reencena “O Servidor de Dois Amos”

Autoria: João Gonçalves (LEEC) e Teresa Nogueira (LEEC).

Nos próximos dias 23, 24 e 25 de fevereiro, o Grupo de Teatro do Instituto Superior Técnico (GTIST) ressuscita Carlo Goldoni, numa reencenação de “O Servidor de Dois Amos”, na sala de espectáculos da AEIST (sala do GTIST). A peça, que se destacou na anterior temporada ao receber o prémio de melhor espetáculo no Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa (FATAL) [1], promete reavivar o humor intemporal do clássico do século XVIII com uma interpretação contemporânea e dinâmica nas suas últimas três récitas.

O GTIST emergiu no início dos anos 60 e, após um interregno que começou em 1971, reavivou a sua chama em 1992. Desde então, tem vindo a desenvolver um trabalho contínuo de pesquisa e criação teatral, que se materializa em espetáculos anuais dirigidos por encenadores profissionais, destacando-se Gustavo Vicente em “Agora o Monstro” e Susana Vidal em “Aniquila”. Entre as figuras notáveis que colaboraram com o grupo encontra-se também Catarina Vasconcelos, reconhecida realizadora de cinema portuguesa. O grupo tem-se destacado no circuito do teatro universitário, com representações notáveis tanto em festivais nacionais como internacionais.

Neste ciclo, o GTIST traz-nos “O Servidor de Dois Amos” (“Il Servitore di Due Padroni”, em italiano), que é considerada a obra mais conhecida e influente de Carlo Goldoni. É destacada pelos seus elementos clássicos de farsa e pelo seu papel significativo na transição do teatro italiano da improvisada commedia dell’arte para uma comédia mais estruturada, centrada em diálogos integralmente escritos. [2].

A direção desta reencenação de “O Servidor de Dois Amos” fica a cargo de Pedro Gil, um encenador com uma visão inovadora e apaixonada pelo teatro. Pedro Gil partilha a sua motivação para escolher esta peça, revelando: “Propus ao GTIST encenarmos esta peça porque, por um lado, nunca tinha encenado um texto de um autor já morto, com quem não se possa ter uma conversa e, por outro, porque é um texto que nasceu da tradição da commedia dell’arte, cujos fundamentos são muito inspiradores para mim. E ainda pelo facto de ser uma comédia que nasce da miséria e ridiculariza alguns costumes que a mim me tocam. Estas três razões faziam com que o projeto me fosse apaixonante à partida e achei que isso seria uma mais-valia para conseguir infectar o grupo. Depois começámos a fazê-lo em conjunto e o resultado é fruto da nossa discussão em conjunto.”

Quanto à trama, desenrola-se em torno das confusões geradas por Truffaldino, que se mete em apuros ao tentar servir dois amos ao mesmo tempo. Contudo, as peripécias não são inteiramente da sua autoria; um dos seus amos é, na verdade, uma senhora disfarçada, sendo o outro seu amante, detalhe desconhecido por Truffaldino. As tentativas do servidor de conciliar as obrigações para com ambos os amos, sem que um saiba do outro, são a fonte de muitos dos equívocos e imbróglios que permeiam a peça e que lhe garantem um caráter comicamente absurdo.

A peça “O Servidor de Dois Amos”  recorre a personagens arquetípicas, historicamente mascaradas para serem bem identificadas (commedia alla maschera), que espelham certos estereótipos sociais, tal como o servidor astuto, falso e fanfarrão, ou os amantes, cujas ações são risivelmente melodramáticas [4]. Estes arquétipos, embora representem tipos específicos, refletem também fragmentos da nossa própria identidade, o que nos permite refletir sobre os diversos aspetos da nossa identidade que se manifestam e, por vezes, conflituam em cada uma destas formas de personagem [5].


Pedro Gil aprofunda-se na origem desta vertente popular do teatro renascentista, partilhando uma visão intrigante sobre o seu nascimento. “Uma das teorias diz que a commedia dell’arte terá começado quando trabalhadores desempregados esperavam em praças por quem os viesse contratar e, para passar o tempo e se animarem, começaram a contar pequenas histórias em que gozavam com os seus patrões. Histórias de patrões e empregados é o que há mais. Como quem conta acaba por representar um pouco, talvez tenha sido assim que começaram a representar e depois vieram as máscaras como forma de se darem a ver ao longe.”

Por fim, não é possível deixar de referir a curiosa escolha do cartão como principal material cénico, conferindo à sala de espetáculo uma estética única enquanto circula simultaneamente pelo elenco. Esta opção criativa não foi por mero acaso; como explica o encenador: “Lembrámo-nos dos pedintes que na rua hoje erguem cartões com frases como ‘Trabalho por Comida’, e daí nasceu a ideia. Como o cartão permite escrever nele o que quisermos, permitiu-nos representar as coisas, adereços, espaços, etc., de forma conceptual e teatral ao mesmo tempo. Coisa que nos entusiasmou.” 


Com uma equipa talentosa tanto nos bastidores quanto no palco, a reencenação de “O Servidor de Dois Amos” pelo GTIST não é apenas uma homenagem à obra de Goldoni, é também uma prova do vigor e criatividade do teatro universitário atual. A não perder já na próxima sexta-feira, os interessados devem adquirir o bilhete nesta plataforma.

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Referências

[1] – Prémios da 22.ª edição do FATAL, 2023. [Online, último acesso a 16/02/2024].

[2] – B. C. Lee, “Insights into ‘The Servant of Two Masters’,” Utah Shakespeare Festival, 2011. [Online, último acesso a 16/02/2024].

[3] – H. Zimmern, Ed., “The Comedies of Carlo Goldoni”, London: David Stott, 1892. [Online, último acesso a 16/02/2024].
[4] – B. Michalakis, “Stock Characters In The Servant of Two Masters”, 2023.[Online, último acesso a 16/02/2024].

[5] – A. Blomeley, “Servant of Two Masters” stands the test of time”, 2020. [Online, último acesso a 16/02/2024].

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