II- Half Living Things- Alpha Wolf (crítica pouco séria, talvez problemática)

Autoria: Ângela Rodrigues (LEFT) 

No dia 5 de abril, os australianos Alpha Wolf lançaram o seu 3º álbum, “Half Living Things”, editado pela gravadora SharpTone Records. O quinteto viu o seu nome saltar para a ribalta em 2017, com o álbum “Mono”, dando a conhecer o seu estilo post-hardcore, metalcore, melodic metalcore, deathcore e numetalcore.

Os Alpha Wolf são daquelas bandas em que se nota que os membros não tiveram todo o amor em casa de que precisavam. Originários da cidade portuária de Burnie, na Tasmânia, provavelmente tiveram uma infância complicada, com os pais muitas vezes fora, no mar, o que resultou em famílias disfuncionais, que quando estavam todos em casa, só comunicavam por berros. Isto é transmitido neste álbum: é só berros, intercalados com uma ou outra voz mais suave.

Estes problemas notam-se não só nas músicas da banda, como nos próprios elementos. Por exemplo, o guitarrista Sabian Lynch ainda não ultrapassou a fase da utilização de máscara.

Para ajudar a dissecar este álbum e toda a sua agressividade, achamos por bem contratar um estudante de psicologia (não temos verba para um psicólogo). Na verdade, nem é um estudante de psicologia a sério, é só um estudante do Técnico que fez uma HACS na FPUL.

1- Bring Back The Noise

Há melhor forma de começar um álbum do que anunciando ao público que claramente nos trazem a mesma sonoridade de “A Quiet Place To Die”, 2º álbum da banda, que de quiet não tem nada? 

Esta faixa, lançada em novembro de 2023, mostra que a nova era de Alpha Wolf combina o seu estilo muito distinto de nu-metalcore, apresentado nos primeiros dois álbuns, com a agressividade destacada no EP colaborativo “The Lost & The Longing”, em “60cm Of Steel”. No entanto, podemos apreciar o crescimento pessoal da banda, que no EP pede que a violência lhes seja direcionada e agora utiliza uma carta do UNO para a redirecionar para o outro:

60 centimeters of steel in the stomach/ I hate myself and you fucking love it”
“Bring back the noise/ I wanna hear your neck break”

Antes de passarmos para o resto da análise, gostaríamos só de deixar a passagem antes do refrão, devido à sua grande profundidade lírica, digna de qualquer grande poeta: 

Where my dogs at?/ Ooh

2- Double-Edge Demise

“Double-Edge Demise” é um claro exemplo da instabilidade familiar vivida pelos rapazes. Iniciando-se com “what’s your favourite day like?” (uma pergunta que gostavam que lhes tivesse sido feita, mas tal nunca aconteceu), rapidamente evolui para um estado de adolescente-revoltado-incompreendido-com-aversão-à-felicidade-alheia: “Sick of seeing you smile/(…) Nothing’s ever good anymore”. Pondo isto de uma maneira mais simples, nota-se a falta de felicidade, o que leva a afirmações um pouco ridículas da parte de Lochie Keogh, nomeadamente quando grita “I’m fucked up, I’m fed up, I don’t care what you say”. Ridículas porquê? Achamos que os ouvintes não precisavam deste esclarecimento, já tinham entendido que ele estava fucked up.

Numa última nota, a nossa equipa de marketing digital considera que a repetição de “Tick, tock, tick, tock” possa constituir uma tentativa de atrair mais público desta rede social, desconsiderando totalmente a hipótese da onomatopeia exprimir o som de uma bomba prestes a explodir (comparação entre uma bomba e o estado de espírito explosivo sentido). 

Another day, same fake smile/ Falsified my good intentions

3- Haunter

Se o ouvinte pensava que as duas primeiras faixas tinham sido suficientes para libertar a angústia sentida pelos australianos, está muito enganado. Para não destoar, Keogh entra em cena ao som de guitarradas desconcertantes, gritando nem mais nem menos “A little more fucked up than I care to admit”; aqui, o psicólogo aconselha que o primeiro passo para resolver o problema é admitir que há um problema.

Todos sabemos que a solução para ouvir menos vozes é gritar mais. Como é possível constatar ao longo de Haunter, a instabilidade mental é algo comum ao quinteto, mas há algo muito positivo nisso: a consciência do problema e a tentativa de resolvê-lo. Isto é claramente observável em “shut up, shut up”, que é o que dizem às vozes, numa tentativa de as calar, ou seja, resolver o problema.

Na nobre redação estamos preocupados. Na música anterior, já tinha sido expresso que não estavam a passar bem, mas agora estão ainda pior: “I get a little more fucked up?”. Estão ainda mais fucked up? É possível? Podemos ajudar de algum modo? 

The mechanisms melt into habits/ For the creatures defined by the traumatic

4- Sucks 2 Suck

Em “Sucks 2 Suck”, atingimos um novo ponto de raiva, com a clara afirmação da intenção de passar de palavras para atos: “Looking for something to break”. Perante esta agressividade, o psicólogo recomenda visitarem uma rage room, de modo a partirem alguma loiça e espairecer um pouco.

Hearing a lot of talking?” Interessante, só ouvimos gritos, mas provavelmente está associado a problemas familiares; foram criados num clima familiar tenso, pelo que consideram que gritos são a maneira mais comum de comunicar. 

Com a colaboração de ICE-T, admiramos a clara referência à famosa música do norte americano “I’m your pusher”. A referência está associada à utilização de “no”, presente no segundo verso, “No‘”, que os Alpha Wolf tentam ressuscitar, também no segundo verso de “Sucks 2 Suck”, quando dizem “no”.

Achamos relevante para esta dissertação mui eloquente tecer meia dúzia de comentários sobre o videoclipe: um filme sobre o secundário com um baixo orçamento, com um enredo que deixa a desejar e com um plot twist duvidoso (vemos Sabian Lynch desprovido da sua máscara de estimação), e a participação especial de um famoso (no caso, o ICE-T).

I got salt for the wounds and/ Spite on the mind, pushing thumbs into bruises/ See, I’ve been cuttin’ off loose ends/ Got enough enemies, I don’t need no new friends

5- Whenever You’re Ready

Os primeiros segundos de “Whenever You’re Ready” trazem uma mudança de tom, com uma sonoridade ligeiramente melancólica. Que os ouvintes não se deixem enganar, a revolta continua cá, mas de um modo menos agressivo; diríamos até que é uma revolta triste e conformada. No fundo da redação, conseguimos ouvir o pseudo-psicólogo a dizer que estão conformados com a falta de amor dos pais, porém, vamos ignorá-lo.

Há novamente a aceitação de que há um problema (“a chemical imbalance in the brain”), mas isto não é um impedimento para tentar ajudar quem também está mal, disponibilizando-se para ser o ombro amigo em momentos difíceis. (Não esperavam que os metaleiros fossem preocupados com o próximo, não é? Estamos sempre a desconstruir o estereótipo).

No entanto, os australianos sentem que não foram suficientes e há um sentimento de falha para com alguém, “I couldn’t be the light/ Bright enough to change your mind/ Just bright enough to help you see”.

There’s an ocean of stones unturned/ Too many chapters left unread

6- Pretty Boy

Com os primeiros acordes, que nos trazem também algo que iremos descrever como sons de robots, conseguimos entender que terminou o momento de fraqueza. Keogh e a rapaziada retornam à revolta agressiva, mas com uma abordagem diferente, simultaneamente a seduzir um inimigo hipotético (“I’ll be your pretty boy/ Your broken toy, come play with me”) e a criticá-lo (“From underneath your boot/ You’re really not that cute”).

Estamos um pouco confusos na redação, pois ouvindo a música sem prestar atenção à letra, nada nos levaria a querer que estaríamos a ouvir algo deste género.

Walk me inside your shibari spider web of lies/ So sweet but not so nice

7- Mangekyō

Juntando e amplificando a sonoridade robótica introduzida na faixa anterior a algumas influências de Emmure e ten56., “Mangekyō” demonstra, caso existissem dúvidas, a mestria instrumental dos Alpha Wolf. 

(Aparte) Algo curioso sobre esta banda é que devem gostar muito de anime, porque não conhecem outras línguas para além do inglês e japonês, algo que não sabemos se é verdade, mas estamos muito investidos em descobrir (vamos já colocar um estagiário não pago a tratar disto). Estas influências são algo consistente desde a formação da banda, já que cada álbum tem uma faixa intitulada em japonês: “Shinobi Naku” (lágrima silenciosa), em “Mono”; “Akudama” (vilão), em “A quiet place to die”; e agora “Mangekyō” (caleidoscópio). Nas letras de algumas músicas também são utilizadas algumas expressões como shibari (amarrar) ou sayonara (adeus) e há influências claras em videoclipes como o de “Bring Back the Noise”. (Fim do aparte)

Os Alpha Wolf estão claramente incomodados com as ações de um alguém, um tal de “dumb dog” (será um dos cães que eles gostavam de saber onde se encontra, em “Bring Back the Noise”?). Aparentemente, segundo comentários lidos no YouTube (sabemos que não é propriamente a melhor fonte, mas foi o que se arranjou), a pessoa a quem esta música é direcionada é o ex-vocalista, Aidan Ellaz-Holmes.

Esta teoria faz sentido tendo em conta algumas controvérsias em que Aidan Ellaz-Holmes esteve envolvido e que vieram a público, que levaram a que fosse expulso da banda [2] e a problemas com a banda que formou após a sua partida [3]: “Signed the crooked line with the son of a pig/ And now you’re wondering why there’s a target on your head”.

Fashioned some friends so you’re never alone/ Never too soon, the thread is assumed/ The opaque get displayed by bullet wounds/ What god can infer all your genius from art?/ What god?/ What god ever gave a fuck?

8- A Terrible Day For Rain

A revolta nesta faixa, diz-nos o aspirante a psicólogo, atinge um nível diferente. Se, por um lado, parece haver superação de alguns dos problemas já referidos, há ainda alguma necessidade de ameaçar o alvo da sua indignação, como é identificável em “Recount the hours you had left on one red hand/ Your farewell fell silent on deafened ears/ I’m the one who pushed you”.

Não conseguimos interpretar o significado do título tendo em conta a letra, já que nos parece bastante útil que chova para limpar as “red petal blood drops” que intencionam derramar; talvez não seja possível realizar “grim ritualistic seances” quando chove.

Self destructive carnage puppets in slew/ Dancing on the strings of only God knows who

Nota séria (para variar): Antes de mais, é impossível não realçar novamente a qualidade instrumental e o excelente trabalho da banda. Por muito que não haja semelhanças, não conseguimos deixar de nos lembrar de “Equivalent Exchange”, de Clayton King, ao ouvir o trabalho de Sabian Lynch, Scottie Simpson, Mitch Fogarty e John Arnold.

9- Feign

Para espanto dos espantos, temos mais revolta. Com um começo um pouco cliché (“revenge best served cold”), em “Feign” há um forte julgamento da raiva alheia.

Mas, atenção, o ouvinte pode deparar-se com a bondade dos Alpha Wolf, que tão gentilmente explicam como devem ser enfrentadas a raiva e a culpa (“React, do not respond”), assumindo um papel de responsabilidade pelos atos de quem, pelos vistos, não entende nada sobre o assunto (“You are responsible/ I am to blame”).

Talvez seguir estes conselhos não seja a ideia mais iluminada, tendo em conta os últimos versos: “Too far gone to pretend/ Kill yourself and start again” (a vida não é um jogo, tontinhos, só há uma! Não podem dizer às pessoas para se matarem – momento psicólogo).

I can say it with my chest/ We dragged ourselves into this mеss

10- Garden of Eyes

Os nossos redatores consideram este instrumental semelhante a “Bring Back the Noise”, talvez seja pela quantidade de barulho. Conseguimos compreender que Lochie Keogh provavelmente sofre de algum tipo de fotossensibilidade, acusando-se “scared of the light”, o que motiva o seu isolamento em casa, “So I stay inside where it’s dark all the time”. 

Segue-se uma descrição bastante pormenorizada de um ambiente fúnebre, capaz de fazer com que o ouvinte visualize o que acreditamos que seja o “garden of the eyes”, um jardim murcho onde a felicidade dos intérpretes tem residência: “Feeding remnants to the ravens through the gaps in my rib cage/(…)The coffin knocks from the inside/ Of the back of my mind where you rot”.

Loosing teeth in my sleep” é um verso que conseguimos compreender relativamente bem, são aqueles sonhos em que nos caem dentes de forma absurda; isto pode não ser algo a que os australianos não estão habituados, pelo que precisam de libertar ainda mais raiva, o que explica o final a piscar o olho a deathcore

Captive to time in flow/ Reaping all that I have sown/ In the garden where nothing grows

11- Half-Living Things

“Half-Living Things” vem provar que os Alpha Wolf não se esqueceram das vozes (“Noise in my head where the voices repeat”) que tanto tentam calar e ignorar (“Disguised so well/ I don’t recognize myself”).

Como é que daqui passam para um refrão que parece totalmente inspirado na obra de Lewis Carroll, “Alice no país das maravilhas” (“Follow the rabbit hole/(…) Pick your poison”), e para referências a Korn (“Cut the freak off the leash”) não sabemos explicar. 

São feitas referências a chuvas ácidas (“And it’s raining acid again”) e a nitrato (“swallow the nitrate”), o que pode ser indicativo de uma certa nostalgia em relação aos tempos de estudante e à falta de amor parental (isto fez-me lembrar da vez que me queimei com nitrato de prata e manchei uma secretária numa aula de biologia no secundário).

Burn it all to the ground and leave in the smoke

12- Ambivalence

Agora que chegámos à última faixa do álbum, temos finalmente um momento de “calma”. Atenção, calma como a  “Whenever you’re ready”.

Psicólogo: “Aqui voltamos a ver um caso de falta de…”

Redação: “Já sabemos. Falta de amor dos pais, etc., etc. Cala-te lá, vamos avançar. Estamos a tentar escrever uma apreciação musical séria. Obrigado.”

Apesar do sentimento de aceitação da derrota (“therе’s no hope anymore”), a passagem “I chase the butterfly” associa a vontade de continuar a lutar a uma borboleta, expressando simultaneamente um desejo que têm desde crianças, ver borboletas, pois elas não habitam a Austrália, lá só há animais estranhos. 

Restart, rewind/ Take me back to a better time/ Bearing the weight of the world/ I feel the pressure until I meltdown/ Until I meltdown

Referências:

[1]- SharpTone- Alpha Wolf [acedido a 27 de abril de 2024]

[2]- Alpha Wolf [acedido a 4 de maio de 2024]

[3]- Dealer members quit over allegations involving frontman [acedido a 4 de maio de 2024]

Leave a Reply