As desgraças acontecem, é a lei da vida. Há quem tropece em ideias estúpidas, como eu, e há quem conduza o carro contra um muro. O elo em comum é a bebedeira, mas as desgraças são a exceção e não a regra. Em qualquer dos cenários, a verdade está connosco, pelo menos até que comece a ressaca e regresse o desejo de mentir.
Autoria: Manel Bombarda
Eu, Manel Bombarda, jornalista de investigação de renome do Diferencial, tenho andado ocupadíssimo a enfardar batatas fritas e a desvendar perigosos movimentos de desinformação. Neste caso em específico, o trabalho foi peanuts, porque eu mesmo sou o rosto deste novo movimento que surge para preencher o vazio dos extintos médicos e jornalistas pela verdade: os bêbedos pela verdade.
Foi sob o teto do restaurante Lapo, em Lisboa, que a diarreia mental se apoderou da minha inconsciência, muito por culpa do bagaço. No fundo, senti-me como se estivesse numa reunião secreta do Partido Comunista nos tempos do Estado Novo, e também eu gosto de fingir que faço algo de bom pelo meu país. Excitadíssimo pela ideia, cambaleei até ao meu mata-velhos GT e meti-me na A5 para ir para casa. Após umas horitas de caminho, a andar “aos esses” e em contramão, lá consegui chegar ao meu lar para delinear os detalhes do esquema e mandar um joguito de League of Legends.
Os bêbedos enfrentam tempos difíceis. Enquanto vocês fazem ioga e que tais, práticas da moda das raparigas básicas, há quem prefira enfrentar o dia-a-dia na companhia da garrafa. O problema é que as máscaras — cuja eficácia não questionamos, de todo — impedem-nos de consumir qualquer tipo de bebida alcoólica. Tiram-nos a garrafa, tiram-nos tudo, e tudo é incoerente. A doutora Graça Freitas diz que o álcool mata o bicho, e ao mesmo tempo não me deixa consumi-lo. Em que ficamos?
Os nossos amigos médicos e jornalistas questionam a adequação dos testes PCR para determinar se uma pessoa tem o coiso. Ora, se esses testes não servem, o que dizer dos testes do balão? Ainda há dias uns agentes da bófia me pararam à boca da ponte Salazar montado numa trotinete elétrica. Felizmente, aqui o Manel anda sempre prevenido: trazia comigo uma pulseira do Movimento Zero que, como toda a gente sabe, significa “zero álcool no sangue”. As pobres almas que não chegam aos calcanhares da minha perspicácia sopram o balão e arrotam a multa, ou ficam mesmo sem carta. Que pena.
Imaginem aqueles “perigos na estrada” que chumbaram umas cinco vezes no exame de condução; só têm a carta por sorte ou porque abriram os cordões à bolsa. Não largam o volante, não usam o telemóvel, não conduzem com os joelhos, não andam a 190 km/h. O problema é sempre o nervosismo, e é aqui que entra a garrafinha de tinto em jogo — o truque que os polícias não querem que nós saibamos.
O álcool pode criar problemas de concentração, aumentar o tempo de reação, yada yada yada. É sempre a mesma lenga-lenga. Nada disto é um problema se o condutor não for um completo acéfalo, e nada disto justifica, nem de perto nem de longe, a histeria das campanhas de segurança rodoviária que vão aparecendo na TV de tempo a tempo. A fórmula é sempre a mesma: vai uma família de bêbedos felizes num automóvel a viver a belle vie, e eventualmente estampam-se. Segue-se o chavão clássico: “se conduzir, não beba”, ou algo do género. O destino até parece determinístico; “se beber e conduzir, vai estampar-se”. É o mesmo exagero que se vê com o bicho nos telejornais, programas de entretenimento travestidos de jornalismo.
É bem sabido que os bêbedos não têm filtros, e que o álcool funciona como um soro da verdade. É precisamente por isso que devem confiar em nós: não somos capazes de evitar dizer a verdade. Não tenho mais a dizer; cumpre informar que qualquer hate mail deve ser dirigido ao endereço bebedos@verdade.pt. Obrigado e bom dia, que esteja Deus e muito álcool na vossa companhia.